Os pecados do homem rico
Dom Pedro Conti, bispo de Macapá
Um dia, de manhã bem cedo, enquanto tudo ainda estava na escuridão, João entrou numa igreja e se admirou de encontrar o homem mais rico da cidade em profunda oração. Estava confessando os próprios pecados na frente de Deus.
Aquela cena chamou logo atenção daquele senhor.
O rico fazia a lista dos seus pecados: contava como tinha enganado a mulher, de como tinha aproveitado das esposas dos outros. João se admirava cada vez mais.
O homem se confessava com muita sinceridade e dizia: – Sou um pecador e sem o teu perdão para mim não tem esperança. Explorei e roubei. Sou um pecador, incapaz de me converter, se a tua graça não descer sobre mim, nunca vou me salvar -.
E as lágrimas caíam em quantidade dos seus olhos. De repente, percebeu que na igreja tinha outra pessoa. O dia estava clareando. Virou-se e reconheceu o João.
O homem mudou totalmente. Encheu-se de ira e começou a gritar: – Cuidado! Aquilo que você ouviu, eu falei para Deus, não para você. Se você repetir estas coisas para qualquer um que seja vou te processar por difamação. Era o diálogo pessoal entre eu e Deus. Lembre-se bem: você não escutou nada -.
Não sabemos se o seu João contou alguma coisa do que ouviu do outro no silêncio daquela igreja. Também não sabemos se o rico da história deu algum passo para mudar de vida. Em todo caso, aquele homem rico tinha uma concepção do seu relacionamento com Deus e também dos seus pecados bastante equivocada. Queria ter uma ligação direta com Deus sem pensar naqueles que podia ter prejudicado ou que, por coincidência, tinham ouvido a sua confissão. É a tentação de todos: querer “salvar-se” sozinhos. Até chegar ao ponto de negociar o que devemos fazer para garantir o nosso bem estar, neste mundo e no outro. Como se cada um de nós fosse, com riquezas ou sem riquezas, uma ilha.
Neste domingo – o domingo do Círio – o evangelho nos apresenta o encontro entre Jesus e um homem rico, muito preocupado em cumprir as obrigações dos mandamentos e garantir-se assim a vida eterna. Jesus “olhou para ele com amor” (Mc 10,21) e lhe apresentou uma proposta ousada mas, ao mesmo tempo, libertadora. O homem estava preso a duas coisas bem pesadas para serem carregadas: a riqueza e o rigor da Lei. Por isso Jesus o chama para segui-lo escolhendo a liberdade, doando as riquezas e confiando mais no amor do Pai do que nos próprios merecimentos. Ele devia trocar a passageira segurança dos bens materiais e da observância legalista aos preceitos com a fé na gratuidade do amor de Deus. Era este amor que faltava no coração daquele homem tão religioso desde a juventude. Para ele Deus era bom porque o tinha abençoado com tantas riquezas. Agora queria saber como garantir-se a beatitude eterna, o justo direito dos observantes da Lei.
Afinal o Deus dele era mais um com quem negociar como devia estar acostumado a fazer com as pessoas na administração das suas riquezas. Aos pobres, talvez, dava a esmola prevista pela Lei ou até algo mais, para ter também a garantia de não ser, um dia, repreendido. Jesus lhe ofereceu outro tesouro: a capacidade de sair dos seus cálculos para arriscar a vida confiando na palavra daquele rabi livre e pobre que andava pelos caminhos da Galileia ensinando a amar e a servir aos irmãos. Mas aquele homem rico foi embora triste continuando a carregar o peso das suas falsas seguranças.
Nós todos somos chamados a seguir Jesus com liberdade e generosidade, sem cálculos ou interesses espúrios, felizes por acreditar e confiar no amor misericordioso daquele Pai que ele mesmo veio nos fazer conhecer e experimentar. Assim os discípulos de Jesus formam uma família que é de tamanho incalculável, porque somente ele conhece um por um aqueles que, até sem saber, deixaram muitas coisas para trás para abraçar a causa dele e do seu Evangelho. Das “cem” mães que os seguidores de Jesus vão ganhar, uma nós já conhecemos: é Maria que hoje, com muita alegria, aclamamos Nossa Senhora de Nazaré.