Indiferença ou compaixão?

Indiferença ou compaixão?
Dom Pedro José Conti,Bispo de Macapá

Certa noite, o diabo veio à terra, com um grande saco nos ombros, para levar consigo tudo o que Deus não quer no céu. Ao caminhar, tropeçou num bêbado e lançou-o no saco, dizendo:

– Os beberrões são meus, Deus não os quer. Ao inferno com eles!

Seguiu andando e encontrou um ladrão:

– Para o saco – disse com uma grande gargalhada – de ladrões está cheio o inferno.

Continuou andando e encontrou um escandaloso.

– Oh, oh, este é pior do que o demônio! Os escandalosos são sujeitos infernais.

E assim foi metendo no saco a todos os que tinham a alma manchada com pecados de maledicência, orgulho, inveja, luxúria, e não sei quantas coisas mais. Até um hipócrita caiu no saco do diabo.

– Desses entram milhões no inferno – disse o diabo – é pena que nenhum deles consiga ir para o céu, pois eu tenho que aguentar a todos.

Depois encontrou um tal que não era bêbado, nem ladrão, nem escandaloso; mas também não era bom, porque Deus não o quis levar.

– Quem és? – perguntou-lhe o diabo, abrindo o saco para metê-lo dentro.

– Eu – respondeu o tal – nunca fui amigo nem inimigo de ninguém; a todos e a tudo fui indiferente.

– Um indiferente? – perguntou o diabo – não serviste para Deus, nem para mim serves, não prestas nem para o inferno!

Com certeza, ao longo deste Ano Santo da Misericórdia, refletimos muitas vezes sobre a parábola do Bom Samaritano. A encontramos no evangelho neste domingo do Tempo Comum. Jesus a contou para explicar ao mestre da lei quem é o nosso próximo, mas também para responder à pergunta inicial dele: “Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?” Pela parábola fica claro que o nosso próximo é todo aquele que encontramos, ferido, nos caminhos da vida e que socorremos com cuidado e generosidade. O rosto do próximo necessitado depende do nosso olhar compassivo. Cabe a cada um de nós decidir se paramos, socorremos e carregamos quem entendemos que está precisando da nossa ajuda. Todos nós, muitas vezes, enxergamos o outro, mas encontramos uma desculpa para não nos incomodar e continuamos indif erentes. Outras vezes, por várias razões, deixamo-nos envolver. Pode ser por boa vontade, por solidariedade humana, pela propaganda de um desastre, pela empolgação com o exemplo de outros, ou, simplesmente, para aquietar a nossa consciência. Ajudar é sempre bom, melhor que ficar indiferentes, mas pensamos ainda na vida eterna ou já nos esquecemos dela? Perdemos o horizonte final do nosso amor? Assim, gestos de solidariedade convivem, em nós, com um coração amargo, violências, mentiras e corrupção. Fazemos atos de caridade, mas construímos uma sociedade injusta e excludente. Acreditar na vida eterna que Jesus prometeu é mais que juntar gestos de bondade, significa mudar de vez o nosso coração, humanizar as relações entre nós.

Cada gesto sincero de bondade deveria ser um exercício para aprendermos a amar sempre; um compromisso para construirmos uma convivência humana, alicerçada na fraternidade universal. Quando ajudamos alguém ou lutamos por uma causa justa estamos colaborando com o bem no mundo, mas todo gesto tem um antes e um depois, ou seja, precisamos nos educar para a compaixão e não esperar uma catástrofe para nos comover. Precisamos nos organizar para que violências e injustiças sejam superadas nas suas raízes e não somente nas consequências sociais que nos incomodam.

Acreditar na vida eterna não significa diminuir a grandeza dos gestos concretos e deixar de dar respostas imediatas às necessidades das pessoas, mas acreditar que é muito mais o que devemos mudar. Estamos muito preocupados com o nosso bem-estar individual. O “bem comum” – de todos, a começar pelos mais pobres – nos interessa pouco ou nada. Até a “vida eterna” pode ser pensada como um prêmio exclusivamente individual. Porém se faltar alguém, sobretudo os “pecadores”, não será a vida plena que o Pai quer para todos os seus filhos No coração dele tem mais lugares do que o diabo pensa. Para estar lá, basta colocar a compaixão no lugar da indiferença. Muda tudo.

  • Certa vez, um professor contou um fato na sala de aula. Havia um casal de sem-teto na rua com os filhos sujos, maltrapilhos, famintos. Passou um homem e, por alguns momentos se sensibilizou com a situação daquela família. Nisso, passa um amigo do expectador sensibilizado e o convida: – Vamos tomar uma cerveja?, e ou outro: – Vamos. A sensibilidade perante a família miserável durou pouco.
    Quando o professor terminou o relato, eu pedi a palavra: “eu vejo essa mesma família maltrapilha e faminta abandonada na rua sem teto sem nada. Aí o homem propõe à mulher: – Vamos fazer mais um filho?, e a mulher: – Vamos…

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