Das Batalha de Confetes ao carnaval de 2016

Das Batalha de Confetes, desfiles na Fab, bailes de salão, sambódromo, ao carnaval de 2016
Mariléia Maciel

Acho que o primeiro som de surdo, escutei entre 7/8 anos, tocados por brincantes de Piratas Estilizados e Boêmios do Laguinho. Lembro dos ensaios na sede dos Escoteiros, e cheguei a pular carnaval nas batalhas de confetes, descendo a Cândido Mendes, no meio da garotada da minha rua, encharcados de suor e com confetes grudados no rosto. O desfile na Fab, eu assistia da arquibancada, até começar a sair na minha primeira escola, Piratinhas, onde meus amigos da vizinhança se juntavam pra desfilar, primeiro crianças animadas, depois, jovens assanhados.

Dos carnavais de salão também tenho ótimas recordações. Papai sempre gostou de folia, mas preferia bailes de salão, na antiga APA, associação de professores, onde comprava a temporada. Nessa época, me restava o baile infantil, que eu frequentava também do Círculo Militar e outras sedes que promoviam os maravilhosos bailes de salão. Alguns anos depois, ainda menor de idade, eu entrava nos bailes de adulto com minhas irmãs e primas, mentido que esqueci a carteira, aproveitando a distração ou a piedade dos porteiros, comovidos com minha mentira. Uma vez me escondi fantasiada no porta-malas do chevette da minha irmã, e esperei muito tempo a fila interminável de carros,  toda enrolada, até que chegamos no escuro do estacionamento e desci fedendo a gasolina. O problema era pra entrar, o problema era me esconder quando a polícia passava olhando os documentos, mas estes problemas eram esquecidos, quando eu entrava no salão.

Fiz parte da primeira ala coreografada destas bandas, acho que em 1989, ensaiada no meio da rua, pelo Heraldo Almeida,  com cabos de vassoura imitando as lanças indígenas. Passávamos a tarde catando “tento” verde na frente da igreja São Benedito, para fazermos colares, que tinham ainda penas tiradas das galinhas criadas nos quintais. No Estilizados, os ateliês de fantasias eram montados nas casas. A ala dos meus amigos era costurada no pátio da dona Dometila, e todo mundo ajudava, pregando lantejoula, colando adereços. Na casa dos “Thunders Cats” também funcionava uma central de costura, e foi lá que inventamos de enfeitar com pedaços de espelho, a fantasia (de novo) de índio, e colocar na costa um mato que pegamos nos campos do Curiaú. No final desse desfile, quem não saiu cortado dos espelhos colados na saia indígena, terminou com coceira do mato, que se desfez com a chuva.  Era muito improviso, na hora a gente tinha uma ideia e colocava em prática da maneira mais simples possível.

Depois os bailes de carnaval sumiram, e veio o Sambódromo, obrigando à profissionalização da festa, que custava caro, e recebia investimentos públicos, por todos os atributos que agregava, do turístico ao comercial e diversão popular. Vieram os blocos de bairro, e eu aderi sem fazer força, ao kubalança, Filhos da Mãe Luzia, Tia Fé, e quantos mais tivessem ao meu alcance. Fui cortejada pela Nação Negra, e cedi aos seus encantos, mas mantive o respeito pelo Piratinhas, agora Piratas Estilizados. O carnaval também se aproveitou de mim,  e eu dele, para o trabalho, e assessorei a Liesa, e também a Nação Negra. Delícia de trabalho, diversão e dinheiro. Sempre gostei da rixa divertida e colorida entre as escolas, alimento meu estoque de histórias. Aproveito o carnaval o quanto posso, e minha família me acompanha, assim como meus amigos, os mesmos de todo ano, e outros novos que sempre chegam.

Mas neste ano, esta alegria se apagou um pouco, com o anúncio da não realização do carnaval de escolas de samba. É um sentimento de traição e covardia. Porque deixamos chegar neste ponto? Porque isso com a única festa em que todo mundo participa sem medo de preconceito? É a festa onde negros e mulatas, gente das baixadas e favelas, do funk, do rock e quadra junina, os que bebem sujos nas esquinas de botecos, os que só trabalham neste período, não recebem olhares de preconceito; é a festa onde os homens que se vestem de mulher não são espancados, nem as mulheres que se vestem de homens; onde sair na rua vestido de Tarzan traz risos de alegria, e um adulto com chupeta na boca não parece ridículo.

Mas não tem volta, não tem jeito, não foi a primeira vez, e provavelmente, se não fizermos nada, não será o último ano que não terá o carnaval completo. Vamos pra Banda, bailes, batalhas de confetes, atrás dos trios, vamos botar os blocos nas ruas, colorir a cidade. Não podemos deixar que nossa principal diversão popular, fique somente nas lembranças, vamos brincar, mas vamos trazer de volta nosso carnaval de escolas de samba.

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