Viagem – Jadson Porto

Viagem
Jadson Porto

Eu me preparei!
Organizei tudo
Hora, dia, de onde sair
Para onde ir.

Quase tudo pronto
Documentos arrumados
Assento marcado
Destino traçado.

É hora de embarcar
A viagem começará
O piloto pronto está
Acomodado, a viagem iniciará.

Com o livro aberto
Duas viagens ocorreram
Uma em trânsito, é certo
Outra em páginas, decerto.

Dois pilotos conduzindo
Um, o manche comanda
Outro, a imaginação demanda

Quanto ao passageiro…
Enquanto paisagens e nuvens passam
Páginas e imagens dançam.

Já que hoje é Dia do Amigo vamos de poema para os amigos

Poema para o amigo
É possível que eu te conte
uma história de príncipes e fadas
que escutarás com o olhar perdido na infância.
Ou que te conte uma piada tão engraçada
que rolaremos de tanto rir.
Nossas gargalhadas contagiarão os passantes
e de repente todo mundo estará rindo
sem nem saber por quê.
É possível
que eu faça um café com tapioca e te chame
pois café, tapioca e amigo tem tudo a ver.
É possível que eu chegue na tua casa sem avisar
só pra te ofertar uma rosa que acabara de nascer
e te oferecer um Johrei.
É possível que eu te ofereça uma música no rádio
ou te mande, pelo Correio,
uma carta numa folha de papel almaço.
É possível que eu te ligue
no meio da noite
no meio do dia
a qualquer hora
– mesmo na mais imprópria –
só pra dizer:
Amigo, eu amo você.
(Alcinéa Cavalcante)

Poema com destino à Noruega – Alcy Araújo 

Poema com destino à Noruega
Alcy Araújo 

Eu ando com a cabeça baixa e dolorida
tateando na sombra dos guindastes
o corpo flácido das mulheres das docas
dentro da noite no cais.

Por que passam por mim tantos
marinheiros, navios, ondas balouçantes?

Se eu pudesse
descansaria a cabeça dolorida
num saco, num fardo, numa caixa,
depois escreveria um poema simples
e montava-o na onda com destino à Noruega.
E a moça loira que o lesse ao sol da meia-noite
não saberia nunca que sou negro, fumo liamba
e tenho as mãos revoltadas e calosas.

(Do livro Autogeografia – Macapá-AP – 1965)

Retrato – Cecília Meireles

Retrato
Cecília Meireles

Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Adverso – Luiz Jorge Ferreira

Adverso
Luiz Jorge Ferreira

Compro coisas que eu nem sei p’rá que servem
Componho músicas que eu nem sei p’rá quem são
Escrevo textos a torto e a direito.
Parecem psicografias do coração.

Todos na rua conheço, e nem sei quem são…
Todas as padarias que frequento parece que combinaram, e fazem o mesmo pão.
Os filmes que assisto, esse roteiro, me pergunto em silêncio…
…a cena que ela parte imóvel e eu aceno com um lenço azul.
O roteirista a escreveu…
Ou fui eu que vivi quando ela morreu.

Tenho um celular cheio de postagens, já as vi dezenas de vezes, e me emociono como se as visse pela primeira vez.

Um dia há muito eu queria fazer história…
Queria comprar Castelos, hoje os vejo entupidos de poeira, lotados de teias de aranhas, e uns poucos Pirilampos que cercam o … the end…
em um ciclone cada vez mais fechado, onde as cigarras cantarolam
trechos de uma Canção que já imaginei fazer.
Mas não fiz.
Sigo sem rumo…rumo ao adiante, levando o cartão na mão, e uma imensa vontade de se a achar, comprar sua dublê.

A Lua agora no meu quintal. E um poema

Em noite de lua cheia
(Alcinéa Cavalcante)

Vamos namorar na praça, meu bem,
aproveitando este luar
que se derrama sobre a cidade.
Abraçados contaremos histórias
do espaço sideral
e embarcaremos numa nave brilhante
que nos espera no centro da praça.

Trocaremos juras de amor entre as estrelas
E lá do alto veremos a Terra
como um imenso bolo
confeitado com anelina azul-ternura.

Vamos namorar na praça, meu bem,
e embarcar na nave brilhante
que pousará na Lua
onde com um lápis mágico faremos um desenho.

Já pensou, meu bem, na surpresa dos astronautas
quando virem na lua
um coração com nossos nomes dentro?(Fotos: Alcinéa Cavalcante)

Poesia premiada de Leão Zagury

Cozinha
Leão Zagury*

às vezes, muito poucas,
vou à cozinha e me deparo com o forno de micro-ondas,
com a máquina de fazer café e a geladeira.
áridos
volto à da minha mãe.
reconheço o cheiro de café torrado.
vejo o fogão à lenha e uma panela grande
onde se destacam o amarelo do tucupi,
as folhas verdes de jambu e uma coxa de pato.
reconheço o gosto da tapioca com manteiga e do tambaqui na brasa.
na mesa, sobre um prato, branquinho como algodão, polpa de bacuri.
não se comia manga com leite, fazia mal.
antes de sair saboreio vinho de cupuaçu com pedaços agridoces bem grandes.
quente

o caldo amarelo borbulhante onde navega
a carne e a pele do animal
que alimenta minhas vísceras
cheias de passado e repletas de solidão
dissemelhantes

do branco e do agridoce
sonho desalmado e triste
que me afoga no presente inacabado
e dá gosto amargo às frutas que comi.

(Poema publicado na Coletânea de Poesia — Prêmio OFF FLIP 2020)

*Conceituado médico e renomado poeta e cronista, Leão Zagury é de tradicional família amapaense. Tem vários livros publicados. Há muitos anos mora no Rio de Janeiro.

Poema do louco – Ivo Torres

Poema do Louco
Ivo Torres

Caminha o louco.
O céu do louco tem cor
permanente.

A alma do louco acoita
canções, que muitos cantam,
sem conhecer.

O louco não gosta de flores.
Aliás, nunca viu flores
genuínas.
Nem mulheres.
Nem meninos.
Nem nunca foi menino.

Não tem casa.
Não tem leito.
Não tem relógio.
Só tem a rua.

A rua branca
e sincera do seu mundo.

Neste momento, o louco chora,
porque lhe disseram que há
loucos que se curam.

(Extraído da Antologia Modernos Poetas do Amapá – 1960)