Clube do Filme

Scarface(1983) de Brian De Palma
Por Luana Maranha

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Luana Maranha

“Scarface” é um marco cheio de energia e esplendor do cinema norte americano, já que uniu o talento de três nomes imortais: Al Pacino, Oliver Stone no roteiro e Brian De palma na direção; para criar uma modernização de um clássico de gângster orquestrado por Howard Hawks e contextualizá-lo politicamente no viés da época. O roteiro de Stone é inteligente ao unir os principais aspectos do filme original: a amizade de Scarface com um comparsa, sua paixão pela esposa do chefe e o ciúmes doentio pela irmã, com uma roupagem moderna e mudando o foco do crime. Se antes o tema era a máfia italiana durante a Lei Seca, aqui temos o apogeu tráfico de cocaína em Miami liderados por cubanos “despejados” nos EUA por Fidel Castro. Na verdade, é interessante como a trajetória de Tony Montana funciona como uma parábola sobre a ideia de capitalismo desenfreado, bizarro e pervertido que, indiretamente, Castro tenha implantado em muita parte de sua população. “Scarface” é uma viagem psicótica e violenta pela representação trágica e deturpada do sonho americano.

A interpretação fascinante de Al Pacino (esnobado completamente pelas premiações da época). Sempre suado e com trejeitos grosseiros e “malandros” (reparem na jogada de ombros e nos modos como gesticula de forma descompromissada, mas sempre tentando conter uma fúria implícita ao fumar ou ao pegar num controle remoto), Pacino encarna uma força da natureza que nos hipnotiza sempre que está em cena. Não necessariamente inteligente, aliás, esse é o menor atributo do personagem, o Scarface de Pacino ganha nossa atenção pela agressividade destemida e a inconsequência em todos os seus atos (reparem nos olhos psicóticos sempre arregalados como se quisesse fuzilar seus inimigos). Com um sotaque bem construído que, por mais que tente esconder sua latinidade, só consegue acentuá-la, Pacino sempre se encontra tenso, cheio de energia e voracidade, como um animal selvagem (não à toa o personagem compra um tigre em determinado momento).

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Muito longe de criar um personagem unidimensional, o Tony Montana de Pacino não é só um vilão violento e psicótico, mas também um homem incrivelmente carente que busca ao máximo o poder e o dinheiro para suprimir sua origem humilde e de repressão econômica (o discurso que Tony faz aos policiais no início do filme exprime toda sua angústia e esperança por um futuro melhor, mesmo cometendo qualquer tipo de crime). O mais importante é que Pacino transforma Tony em um vilão completamente imprevisível por natureza, graças a sua impulsividade. Por outro lado, Steven Bauer cria um Manny companheiro e boa praça que está disposto a apoiar Tony no que for, porém, com um bom senso muito mais presente, além de uma cabeça fria que consegue racionalizar melhor as situações. E é interessante como os diálogos de Stone coloca Tony como um mentor para Manny no início do filme e encaminha o segundo para uma trajetória bem mais lúcida e madura, invertendo os papéis com o decorrer do filme.

E se um ótimo roteiro e direção já tornam Scarface um filme inesquecível, a direção de De Palma consegue capturar tudo de uma forma extremamente fluida e cheia de ritmo que consegue dar o tom bruto, violento e sujo que o filme precisa. Em muitos momentos trazendo uma aura crua de filmes exploitation dos anos 70, De Palma não tem medo de usar a violência e a sexualidade à favor de sua trama para escancarar a sordidez daquele universo (algo que compartilha com outros cineastas mais corajoso como David Cronenberg e Paul Verhoeven). Sempre expondo um gore bruto e, por vezes, estilizado (o tiroteio no clímax do filme é difícil de esquecer), De Palma utiliza isso como uma catarse para o perigo daquele universo e como símbolo da personalidade de seu protagonista.

Portanto, De Palma não deixa de trazer suas sequencias “Hitchcockianas” para o filme, principalmente em dois grandes momentos: o primeiro trabalho de Tony (que maneja a câmera por dois ambiente distintos de uma forma a aumentar a tensão por justamente mostrar como alguns personagens não tem ideia do horror que está se passando ao lado), e um atentado em uma boate (que assim como De Palma havia feito antes na cena do baile de “Carrie”, nos entrega detalhes do mise-en-scenè de forma a acentuar ao máximo o suspense). E se De Palma é capaz de criar a ambientação perfeita para a fluidez dos acontecimentos (reparem nos travellings circulares pelas cenas de reunião dos gângsters), a trilha sonora de Giorgio Moroder também é hábil ao climatizar o ambiente com um tom de empolgação mórbida perfeita. Isso em conjunto com uma fotografia que sabe aproveitar ambientes naturais e urbanos de Miami com uma crueza que denota violência.

“Scarface” é o primeiro dos três grandes filmes de gângster que De Palma criou, seguido pelo clássico “Os Intocáveis” e depois pelo subestimado “O Pagamento Final” (neste, novamente com Pacino). Alçou Oliver Stone à fama, dando-o a oportunidade de roteirizar, e ganhar o Oscar, pelo sensacional “O Expresso da Meia-Noite”, e plantou eternamente na história do cinema a história de um dos vilões mais intrigantes do cinema.

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