Artigo dominical

As joias da rainha
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

 Certo dia, Rabi Samuel estava de passagem em Roma quando encontrou, no caminho, algumas joias de raro esplendor. Ainda estava admirando aquelas preciosidades quando um arauto chegou para anunciar ao povo que a rainha tinha perdido todas as suas joias. Pela descrição eram, justamente, aquelas que Samuel tinha encontrado. Quem as devolvesse no prazo de trinta dias receberia uma boa recompensa, mas quem fosse encontrado na posse delas, após os trinta dias, teria a cabeça cortada, porque seria considerado um ladrão. Rabi Samuel fez exatamente o contrário. Apresentou-se à corte no dia seguinte ao vencimento dos trinta dias. Ao entregar as joias para a rainha, esta lhe perguntou:

– Tu não ouviste o meu anúncio?
– Com certeza – respondeu o rabi.
– Então por que desobedeceste?
– Para provar que estou te devolvendo as joias por temor a Deus e não por medo de ti.

Tocada por esta resposta a rainha exclamou:
– Bendito seja o Deus dos judeus!

O evangelho deste domingo nos apresenta mais uma armadilha dos inimigos de Jesus e a sua brilhante resposta. Pagar o tributo a César significava reconhecer a autoridade dele e, portanto, aceitar a submissão ao Império Romano. Os nacionalistas fanáticos e os descontentes revoltados nunca poderiam aceitar isso. Do outro lado, porém, os mais tolerantes e os que ganhavam com a circulação das moedas e das mercadorias achavam melhor pagar os impostos. Assim podiam continuar nos seus negócios sem ficar brigando o tempo todo. Se Jesus tivesse respondido que o tributo a César não devia ser pago, teria sido apontado como um revolucionário que ensinava a desobediência. Se tivesse respondido que precisava pagar o imposto, alguns dos próprios judeus o acusariam de traição à pátria, ao templo, às tradições. Nesta altura, Jesus pede que lhe mostrem uma moeda. Nela estavam a inscrição e a figura do imperador. A resposta final é bem conhecida: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que de Deus”.

Jesus se saiu bem, ainda chamando os questionadores de hipócritas, mas o que podem significar estas palavras para nós, hoje, quando “Império” é título de telenovela e o próprio país onde nós vivemos nos cobra impostos para a manutenção das estruturas e dos serviços sociais? Jesus queria nos ensinar a separar as coisas do mundo das coisas de Deus? Isso é realmente possível e seria também justo e correto?

Talvez a resposta esteja numa simples palavra, hoje muito explorada, mas nem sempre entendida e, sobretudo, aplicada. A palavra pode ser “ética”. Vou fazer o exemplo mais fácil da economia, a “ciência” – segundo alguns – que hoje domina o cenário do mundo. A economia funciona com o lucro e o crescimento. Todas essas palavras e esses dados são bem propagandeados. Nesse sentido, economia “boa” é aquela que dá lucro, vantagem. Custe o que custar e doa a quem doer. Tendo lucro, não interessa se alguém fica desempregado, morre de fome ou de guerra, de ebola, de overdose ou de câncer por falta de prevenção e de remédios. Ao contrário, agir com “ética” significa reconhecer que existe algum princípio ou valor que está acima do lucro, que deve ser considerado maior do que os próprios ganhos. Esses valores mais importantes são muitos: a vida digna das pessoas, o direito à liberdade de ir e vir, de morar no seu país em paz, de expressar a própria religião, de ter água e chão para cultivar, de ter leis respeitadas por todos e assim por adiante. São muitos os direitos humanos, tão badalados, mas tão pisoteados em tantos lugares do mundo.

Os “césares” da história humana são obcegados pelo poder e pelo lucro. Talvez nem acreditem em Deus, porque eles mesmos se consideram deuses, como no tempo do Império romano. Menos mal se ficassem sozinhos em suas loucuras. Muito pior é nosso medo de mudar as coisas, de acreditar para valer no Deus do amor, da paz, da fraternidade e da justiça, o Deus de Jesus Cristo. O horizonte material nos escraviza e amedronta. Com a liberdade, a fé e o temor de Deus, muitas joias da vida nos seriam devolvidas.

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