Crônica do Sapiranga

Bar Popular
Milton Sapiranga Barbosa

O Bairro da Favela, nas  décadas de 50/60, tinha vários estabelecimentos  comerciais que  serviam  como pontos de referências  e de grandes concentrações de  pessoas.
Entre  eles podemos destacar o Salão  do Pecó,  o  Salão Rouxinol, embrião  do famoso  dançará Merengue, que primeiro  funcionou  as proximidades  onde mais tarde seria construído o Hospital  São  Camilo  e São Luiz  e depois, em definitivo, até  seu  fechamento, lá próximo  ao  quartel do  34 BIS.  Tinha  também o Posto Teixeira & Scotti, a Casa Leão de Ouro, o Bar Canta Galo, o Bar  do Pina, o Mercadinho da Favela, As Casas Duas Estrelas  e Amin Richeni, a Batedeira do  Seu Mirico, a Mercearia  do Cacú, Casa da Tia Gertrudes e  a  Sapataria do Seu Barbosa.  Na lista acima está  faltando  o Bar e Mercearia Popular, do Sr. Manoel Raimundo Monteiro, que foi esquecido de propósito por ser a razão principal desta crônica, em atendimento ao pedido do meu amigo, o competente advogado Adelmo Caxias.

O Bar Popular, apesar da seriedade  de  seu proprietário, que  dificilmente sorria (a não ser  que a piada contada  por  algum  freqüentador  fosse  muito boa) recebia  um  bom número  de pessoas no  dia  a dia. Lá se podia comprar gêneros alimentícios ou tomar uma biritinha (os adultos), na maior tranqüilidade.  Contudo, era sempre no  sábado à noite, a partir  das 20 horas,  que  um  mundão  de gente  marcava  presença  no local, para assistir o  Show de Calouros,  um  deleite  para  moradores locais  e  de bairros vizinhos.
Mas  nem  só calouros  se apresentavam.  Por lá, como convidados, passaram cantores e cantoras famosos da época,  do naipe  de um Agostinho Costa, que  tinha  um belo timbre de voz  e cantava como  ninguém  as músicas gravadas  por Nélson Gonçalves, Carlos Galhardo, Silvio  Caldas  e outros menos votados.
A  bela Terezinha Laranjeira, a Maria  Edilamar e a Belinha Barriga (uma  queria ser melhor que a outra, sendo uma versão  tucuju  da Marlene e Emilinha Borba), também por  lá  apareciam vez ou  outra para  delírio do  grande público. Cantor ou Cantora que desafinasse ou esquecesse a letra da música, levava  estrondosa vaia e gritos de fora, vai cantar no banheiro da tua casa e outros apupos, que dificilmente voltava a subir no palco.
Contudo, sem medo  de errar, posso  afirmar  que  o momento mais  esperado do Show de Calouros era quando o Osmar  Melo  ou  o Edoelson  Alencar  anunciavam: “Vem  aí o Grande Cantor  Nélson Nery”.
“Grande” e “Cantor”, era pura  gozação dos apresentadores, pois  ele não passava de 1,50 de altura  e não  cantava  lá  essas  coisas. O senhor Nélson Nery, de letra bonita  e extremamente organizado  em  suas  estatísticas  sobre  quase  tudo: Futebol, Cantores, Músicas, etc, etc., era  pai  dos amigos Milton, Dedé, Adinélson, Maria Lucia, Socorrinho, Carlos Alberto, que  sofriam  com  as  gozações  que  os moleques faziam quando seu pai  subia  ao palco.
É  que  ele, acho  que  sempre  que  aprontava das  suas, chegando tarde em casa ou tendo bebido  além da conta, era  repreendido  por  sua esposa. Para limpar  a barra em casa, ele se valia   do Show de Calouros do Bar Popular.
O Grande Nélson Nery só sabia cantar uma música  que dizia  mais ou menos  assim: “o nome dela tem apenas quatro letras. é carinhosa, é  divina  e  é mulher”  e por  aí  afora.  Por  que isso?. É  que  sua  esposa  era conhecida  por  “YAYÁ”, daí…

Quando  do Show de Calouros, os moleques  da Favela não permitiam  que  moleques de outros bairros  paquerassem  as meninas da Favela. Uma vez, munidos  de cintos, mas  sem chegar  a bater, pois eles não eram  besta de esperar, colocamos  pra correr uma turma de garotos que veio lá  do Igarapé das Mulheres tirar casquinha  com  nossas  menininhas. É mas também um  dia  eles  fizeram  o mesmo conosco .
Ficou  um a um,  crescemos e  ficamos  amigos.   O Bar  Popular do Sr Manoel Raimundo, sem dúvida, quando  em Macapá  se podia dormir com as janelas abertas e a porta escorada por um banquinho,  era  o grande point  dos favelenses ou favelianos, como queiram. Depois que  seu Manoel Raimundo  fechou o Bar Popular, ficou um grande vazio, pra não  dizer saudade,  no coração  de cada morador  do querido bairro da Favela.

  • Paulo Sebo filho da Cinza
    Sapiranga, Conheço vc muito tempo. Gostei de ler as suas crônicas.
    Gostaria que vc fale Dos Três Padroeiros.

  • Milton, você é uma pessoa especial não só pelo carater que você possui mais pela cultura viva que vc propaga a todos nós que somos descendentes daqueles que fazem parte da cultura do estado como a minha avó Gertrudes, meu tio Mafra ,meu pai Mamédio e minha tia Natalina e outros. Lendo suas crônicas vc me arremete ao meu tempo de infância à essas lembranças tão gostosas quando fala do comércio estrela, do marabaixo, dos filhos do sr. Manuel da Estrela e como diz o comandante Barcelos e por ai a fora. Tinhamos tbm na favela a carroça do tio Mundico à qual a gente morcegava, o camarão frito ” quantas carradas patrão” , os doces da Tia Margarida o tio Casimiro , o Seu Alagoano e a Tia Mimi que são os pais do finado Paulão da Atabaque … Enfim, a minha a nossa e de todos: AO BAIRRO DA FAVELA QUERIDA .
    Abraços e saúde!

  • Você lembra dos folclores da favela? tínhamos a D. Guilhermina que falavam que nas sextas-feiras virava matinta pereira e morríamos de medo….da Cirina que se vestia de enfermeira? e que também era filha da D. Guilhermina….assim como uma riqueza cultural que só a favela tinha. Lembro de muitos desse locais, pois fizeram parte da minha infância. O Sr. Manoel da Estrela, o Amim, roxinol, o Sr. Dulce(tinha um salão de dança)….e outros.Boas recordações, nossa casa era e continua sendo próximo ao Teixeirinha.. Um abraço.

  • Milton,
    Faltou a mercearia do “seu” Oscar aí na Jovino com a General Gurjão, diziam que êle tinha um carro e um burro, que levava no porta malas do seu aero Willis e ao subir a ladeira da General Gurjão, atrelava o mesmo ao burro para subir.
    Bons tempos.
    Sds,

  • Milton, mais uma vez, excelente! E conheço bem a história do “Bar e Merceria Popular”, que depois passou a ser o “Favela Bar”, por motivo óbvios. É que quebrei a “marra” da garotada da Favela, casando, exatamente, com uma das moças da família, a quem pertenceu o citado bar.

  • É verdade, dormiamos com portas e janelas abertas, carros abertos com chave na ignição…e nada nos afligia.. tempos que, como diz o Mestre, não voltam mais…

  • Alcinéa, qual a localização do Bar popular, sempre morei na Favela, e não lembro desse bar. Sapiranga,ó bairro parece pequeno, mas, cheio de causos, é claro que você foi o escolhido para essas narrativas.

    • Oi João Maciel. O Bar e Mercearia Popular, ficava na esquina da rua Odilardo Silva com a Av. Mendonça Furtado.Vamos dizer, em frente ao Mercadinho da Favela. Um abraço

  • Um cronista pode ser considerado o poeta dos acontecimentos do dia-a-dia.

    Milton Sapiranga, é bom demais ler suas crônicas, um humor leve e que transporta pelo túnel da alma reflexiva do cidadão amapaense.

    Cléo Araujo me faz parar diante de tanta sabedoria e poética implícita nas dele.

    Os 2 são leitura de primeira qualidade do Blog da Alcinéa.

    • Obrigado, parceiro. Tentamos motivar os leitores desse premiadíssimo blog. Por respeito aos mesmos é que vasculhamos nosso imaginário, em busca de histórias interessantes. Fico muito feliz pelas oportunidades que a Alcinéa me dá e pela apreciação dos milhares de leitores da nossa Embaixadora Cultural.

  • Milton, amo ler suas cronicas…é maravilhoso saber mais das pessoas que fizeram e contribuiram com a construção da historia di nosso querido amapá… sou neta do Manoel da estrela…que deixou saudades!!!

    • Oi Daniela, muito obrigado. Tive a felicidade de conviver com seu avô, que era um cara super especial, desses que não se pode dar nota abaixo de mil. Sou amigo de sua mãe Fátima e do Gil, do Gilberto, da Ana. Um abraço

  • Mestre Milton, por que será q, no tempo da Divisão de Segurança e Guarda, tínhamos essa possibilidade de dormirmos de portas e janelas abertas, transitar livremente pela cidade, de andarmos com relógios e cordões sem sermos subtraídos? Parabéns pela bela página, que faz recordar tempos q não retornam.

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