Artigo dominical

Hasan e o Salvador
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Certo homem, de nome Hasan, estava convencido de ser muito justo e, portanto se achava na condição de poder julgar os outros. Aconteceu que, certo dia, caminhando ao longo da beira de um rio, viu um homem e uma mulher deitados na grama, e junto deles uma garrafa de cachaça. Imediatamente pensou:

– Ah, se eu conseguisse reconduzir este homem no caminho certo…

Ainda estava pensando, quando viu um barco afundar e sete pessoas que  tentavam se salvar no meio das ondas. O homem, que antes estava deitado, jogou-se imediatamente na água e conseguiu trazer para a margem seis dos sete passageiros. Muito cansado disse a Hasan:

– Se você é melhor do que eu, pelo amor de Deus, salve ao menos o último passageiro!

Hasan, no entanto, parecia paralisado. Então o homem  gritou, olhando Hasan nos olhos como se estivesse lendo os seus pensamentos:

– Aquela mulher é minha irmã, e a garrafa está cheia de água da fonte. Eis como você é: só sabe julgar os outros!

Naquele momento, Hasan caiu de joelhos diante daquele homem, e  chorando lhe disse:

– Você que salvou seis dos sete passageiros, salva a mim também que estou afogando no mar do meu orgulho disfarçado de justiça.

O homem respondeu: – Que Deus lhe perdoe! – E juntos salvaram o último náufrago.

No evangelho deste segundo domingo de Advento, encontramos João Batista e a sua pregação. Ele mesmo se define como a voz que grita no deserto. Quem der ouvido a esta voz comece a preparar o caminho para aquele que deve chegar. Esse “alguém” será mais forte, e batizará com o Espírito Santo. João Batista usou uma linguagem bíblico-profética que os homens daquele tempo entendiam bem. Nós temos dificuldade de imaginar como uma ida ao deserto e um banho na água do rio Jordão podem mudar a nossa vida. Mais ainda, se nos perguntamos por que deveríamos esperar e acolher esse “alguém” que vai chegar. Parecem gestos e palavras de outros tempos, incompreensíveis para nós. Contudo a mensagem continua extremamente atual. Na condição – claro – de que ainda não tenhamos nos afogado completamente no mar de nossa soberba.

Vivemos numa época em que a humanidade está muito consciente e orgulhosa de suas possibilidades. Se ainda não resolvemos tudo é porque não apareceu quem saiba encontrar a resposta certa. Mas vai aparecer. Quem garante a solução de tudo é aquela que é apresentada como segura e infalível: a ciência, que, aliada às poderosíssimas tecnologia e economia, fará milagres. Esta última está dando sinais de cansaço, mas logo vai se recuperar, podem acreditar. Nós ouvimos essa pregação-propaganda todos os dias. Difícil é pensar diferente. Materialismo, consumismo e individualismo fazem o resto da nossa cabeça. Podemos falar de erros, mas não mais de pecados. Podemos admitir que estamos sendo sufocados por montanhas de lixo, mas não podemos educar a renunciar ao supérfluo. Podemos reconhecer a nossa dependência da tecnologia, mas não admitir que seja fria e dominadora. Podemos desmascarar a aliança interesseira entre ciência e dinheiro, mas continuamos a adorar esses ídolos.  Tudo isso fingindo que não existem pobres e excluídos.

Voltar ao deserto significa reaprender a nossa interiorização, no silêncio da autenticidade, sem máscaras e ruídos enganadores. Admitir a fragilidade e a incerteza da vida humana não é uma humilhação, é uma busca de sentido e de plenitude que as coisas materiais não podem dar. Confessar os nossos pecados é reconhecer que existe uma medida para o bem e para o mal; que existem critérios maiores do que nós para nortear a nossa vida. Ainda precisamos da ajuda de alguém que venha em nosso socorro porque nos ama e nos perdoa sempre. O “forte” que vai chegar, vem na pequenez e na pobreza. Nunca usará a sua força para impor-se, e somente usará seu poder para curar os corpos e os corações feridos pelos pecados, pelas doenças, pela morte.

Conversão é, com certeza, também coragem de deixar caminhos errados; porém é, sobretudo, vontade de recomeçar, humanizando o que perdeu sentido, reconstruindo laços fraternos, reativando a amizade e a confiança. O “forte” que vai chegar é rico em humanidade, quem o acolher vai descobrir e responder os anseios mais profundos do seu coração. Jesus Cristo não é um produto a ser usado, manipulado e depois descartado, Ele é a luz que ajuda a entender a vida “de todo homem e do homem todo”.

Ainda precisamos ser salvos, porque estamos nos afogando na nossa autossuficiência. Com Jesus podemos também socorrer aos outros. Nunca é tarde para mudar.

  • Sempre leio com maior carinho as mensagens do bispo, Alcinéa, queria te pedir para publicar aquele poema lindinho do Alcy Araújo, sobre o Natal, pois gosto muito daquele poema, obrigada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *