Cronistas do blog

O Menino
Cícero Bordalo Junior

Lembro-me da infância. Pureza, amor e doçura. Meu pai um jangadeiro, minha mãe doméstica. Naquele tempo minha inocência aflorava com candura, com os ímpetos pela descoberta do sexo durante a adolescência. Aprendi a ler na areia com minha mãe. Confundia a realidade com os jogos da vida. Existia suavemente. Nas dunas, sentia o sopro do vento e o cheiro do mar. Areia branca, ondas quebrando no meio peito e o gosto de sal. Não entendia a dimensão da minha ligação espiritual com aquele lugar. Nossa choupana era construída com palhas dos coqueirais. O rádio trazia as notícias. O mar era verde como os olhos imaculados da minha mãezinha. Comíamos o que vinha da natureza. Nossa vida era singela.
Todas as madrugadas meu pai partia para o desconhecido, entre o céu e o mar. No retorno, lagostas saltitantes transformavam-se em apoteoses apetitosas da boa mesa.
Na puberdade convivi com criancinhas que pareciam um alfinete chupado. Tão raquíticos e doentes que em pé, pareciam estar de perfil quando estavam de frente. Era a África no sertão. Pés descalços e cheios de barro, barriguinhas inchadas, unhas escurecidas, peles ressecadas, cabelos empoeirados e esvoaçados pelo vento. No coqueiral, o farfalhar das folhas. Os anos se foram, perdi a conta. Os jantares em família, os pratos típicos do agreste, o tempo e o destino fez romper em minha mente os momentos de minha vida. Os anos caminharam dentro de mim e eu aproveitei o que eu pude.
Na puberdade as descobertas, as inseguranças, as paixões. Nos domingos, o cinema. Muitos não se permitiram viver intensamente como ali eu vivi. Ao entardecer, o céu nos brindava com miríades de estrelas, ao som do pélago. A vida é assim, encaixa-se intimamente no ritmo de cada um. Expressão de liberdade, sem dor, sem desamor.
Na idade da puberdade, em que todos somos heróis, perdi meus pais. Saudade eterna. Tristeza infinita. Cada um de nós tem um caminho a trilhar. Lembranças de infante minha vida jamais esquecerá.

  • que texto lindo, saudoso e puro, fiquei satisfeita em ler algo de sua autoria, e curiosa para conhecer mais dos seus escritos, pois gosto de uma boa leitura.

  • Dr. Cícero, parabéns pelos seus escritos. Pense em escrever o seu segundo livro. Está na hora. Lí no Facebook suas outras crônicas e adorei. Alcinéa mana, parabéns a você pelo espaço destinado a cultura, no seu blog.

  • eu sempre soube que Cicero escreve muito bem pois tive a grata satisfação em trabalhar como sua assessora e também sabia que logo teria a oportunidade de ler um de seus textos maravilhosos parabens Doutor Cicero.

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