Quando meu amigo se perdeu na mata

Há muitos anos um amigo meu se perdeu na mata. Era caçador experiente, conhecedor dos segredos da floresta, acostumado a entrar na mata para relaxar, apreciar as árvores e caçar algum animal para comer.
Mas certo dia ele se perdeu. Ao atravessar um igarapé por cima de um tronco caiu e bateu a cabeça. Ficou meio zonzo e, ao invés de tomar o caminho que o levaria ao ponto de partida, tomou o rumo contrário.
Ele entrou na mata com dois amigos e como sempre cada um seguia para um lado, mas às 16 horas tinham que se encontrar no ponto de partida para retornar.
Nesse dia meu amigo não retornou. Seus dois amigos esperaram até o anoitecer… e nada. Voltaram para Macapá para pedir ajuda.
Muita gente se mobilizou. Mesmo quem não tinha experiência nenhuma com mata queria ir à procura dele.
Passaram-se dias e dias… e nada. Os que entravam na mata davam tiros na esperança de que ele respondesse. É assim que costumam fazer. Mas, desta vez, não havia resposta.

Na caçada anterior, meu amigo trouxe uma guariba para ser seu bichinho de estimação.

Já estava para completar um mês do desaparecimento quando a mãe dele lembrou da guariba. E disse: “É a mãe dessa guariba que está prendendo meu filho na mata. Soltem ela, devolvam ela para a mata que ela vai soltar meu filho”. Dito e feito.
Soltaram a guariba (meu amigo Cristiano – o Raimundo Maia Barreto – é testemunha disso).
Pois bem, no dia seguinte o desaparecido foi encontrado navegando num rio numa jangada que ele improvisou com galhos de árvores e o pouco que restava de sua roupa.
Foi encontrado por um avião de pequeno porte cedido pelo governo para sobrevoar a área.
“Não foi o avião que me me encontrou. Fui eu que o encontrei”, contava, dizendo que ao ouvir o barulho do avião correu pro rio na jangada que acabara de fazer e fez sinal levantando os braços.
Trazido para Macapá, foi internado no Hospital Geral (hoje HCAL) para fazer exames. Dois dias depois em sua casa nos contava a aventura.
Relatou que ouvia os tiros dos colegas, mas não podia responder porque só tinha uma bala na sua espingarda que não poderia desperdiçar pois lhe seria muito útil se encontrasse algum animal feroz pela frente. Se alimentava de frutas, folhas e raízes; matava a sede com água que tirava de um cipó; passava as noites acordado no topo de árvores; dormia pouquíssimas horas por dia e para isso deitava no chão e se cobria com folhas; passou fome e muito frio e não tinha noção de quantos quilômetros andou – pela floresta, riachos e subindo e descendo morros –  procurando a saída. Em vários momentos percebeu que andava em círculos, pois sempre passava pelo mesmo lugar.

Quando foi encontrado estava magro, quase nu, os pés, braços e pernas cheios de arranhões. Mas com muitas histórias para contar para os amigos, colegas de magistério e alunos pelos quais era tão querido.

E se alguém pensa que depois dessa ele se aquietou… negativo. Muchê continuou indo pra mata, porém nunca mais caçou guariba.

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