Artigo dominical

A globalização da indiferença
Dom Pedro José Conti, bispo de Macapá

O contrário da misericórdia pode ser o ódio ou a vingança, mas acredito que o contrário da compaixão seja mesmo a indiferença. Esta, praticamente, é a incapacidade de deixar-se envolver pela situação do outro, sobretudo quando a outra pessoa está passando por uma situação difícil de sofrimento, abandono ou desprezo.

Continuando a tradição dos Papas anteriores, desde 1968, também papa Francisco nos oferece, no começo do novo ano, a sua Mensagem para o dia 1º de janeiro, Dia Mundial da Paz. Ele aponta a indiferença como “uma ameaça para a família humana”. Quem fecha os olhos para não ver os acontecimentos ao seu redor e fecha seu coração para não se deixar tocar pelos problemas dos outros, corre o perigo de ser cada vez menos humano.  Cultiva a falsa ilusão de poder ficar isolado, de não ser nunca alcançado pela realidade na qual, de fato, estamo s todos interligados e, muitas vezes, interdependentes.

O excesso de informação, em lugar de manter acordada a consciência, pode chegar a entorpecê-la, como se o conhecimento dos dramas que afligem a humanidade fossem mesmo somente notícias, sem capacidade de despertar sentimentos de compaixão e solidariedade. Evidentemente, não será negando ou escondendo os problemas que eles serão resolvidos. A insensibilidade e o desinteresse com os direitos elementares, como o alimento, a água, os cuidados da saúde ou o trabalho de populações inteiras podem constituir uma séria ameaça para a paz, pela simples raz&ati lde;o destas populações querer obter com a força o que lhe é devido por direito. “Não é raro – escreve papa Francisco – que os projetos econômicos e políticos dos homens tenham por finalidade a conquista ou a manutenção do poder e das riquezas, mesmo à custa de espezinhar os direitos e as exigências fundamentais dos outros “(cf. n.4).

Para os cristãos ser indiferentes com o sofrimento alheio é negar o próprio Deus no qual dizem acreditar. Na história de Caim e Abel, o irmão homicida se defende dizendo não ser o guarda do outro irmão, ou seja, responsável por ele. Ao contrário, Deus sempre se apresenta como interessado com a situação calamitosa do seu povo. A Moisés, Ele declara ter visto, ouvido, conhecer a opressão do povo e, por isso, ter decidido descer para libertá-lo. Mais ainda Jesus é apresentado nos Evangelhos como alguém que percebe a fome e a miséria das pessoas que encontrava. Ele nunca se recusou em ajudá-las, perguntava o que queriam que lhes fizesse, as tocava com carinho, paciência e compaixão. A quem o procurava, curava as feridas das doenças e do pecado. A Igreja também, entendida como comunidade fraterna e solidária, deve, hoje, socorrer os necessitados, oferecer-lhes conforto e esperança. Onde houver cristãos, qualquer pessoa deve poder encontrar um “oásis de misericórdia”.

Para vencer a indiferença e a insensibilidade precisa “fazer do amor, da compaixão, da misericórdia e da solidariedade um verdadeiro programa de vida, um estilo de comportamento nas relações de uns com os outros”. Papa Francisco aponta os responsáveis pela educação e a formação à solidariedade. Em primeiro lugar as famílias, depois os educadores e formadores, nas escolas e nos vários centros de agregação juvenil.  Também os agentes culturais e dos meios de comunicação social têm grande responsabilidade p ela influência positiva ou negativa que exercem na formação de cada pessoa.  Contra a ameaça da indiferença, as famílias devem ter a coragem de educar os seus filhos nos valores da solidariedade, da compaixão e da fraternidade, porque a paz será fruto duma nova cultura da misericórdia.

Como a “estrela” guiou os Magos ao encontro de Jesus para adorá-lo, deixamos que, ao longo deste Ano santo da Misericórdia, seja esta a “estrela” que nos conduz ao encontro de Deus, Pai compassivo, e dos irmãos desfigurados pelos sofrimentos e as injustiças. Com certeza a paz é fruto da misericórdia, não da indiferença.

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