A morte do peixe

A MORTE DO PEIXE
Rui Guilherme

Andrés Segovia, primeiro Marquês de Salobreña, guitarrista espanhol, é considerado o pai do violão erudito moderno. Resgatou o instrumento usado nas tavernas onde se cultua o flamenco, levando-o para o campo da música erudita, onde atingiu culminâncias. Guarde-se este ilustre sobrenome Segovia para o tema destas reflexões.

Se não me trai a memória, foi Abraham Lincoln quem disse:- “Nunca me arrependi pelas coisas que não falei. É sempre melhor manter a boca fechada e deixar que todos em volta pensem que você é um idiota do que começar a falar e desfazer a incerteza.” Se não foi literalmente assim, foi nesse rumo. Si non è vero, è ben’ trovato…Guarde-se, também, este pensamento. É palavra chave para o texto.

O peixe começa a morrer no momento em que abre a boca para morder a isca. Em seguida, a dor da ferida causada pelo anzol; o arrebatamento da água, seu habitat natural, de onde sai estrebuchando; e o caminho final, que o leva para arder no óleo da frigideira, ou para ferver na caldeirada. E tudo seria evitado se o peixe deixasse a gula de lado e mantivesse sua boca fechada.

Outro Segovia que não Andrés, o violonista, este aqui o Fernando, delegado federal, abriu a boca quando não era apropriado. Que isca teriam usado no anzol para Fernando Segovia sair falando o que não devia? Começou com a prova da mala com meio milhão de reais do Rocha Loures. Até hoje não se sabe quem era o destinatário de toda aquela grana. Do portador flagrado com a boca na botija (epa! mais uma boca nessa história!), o dinheiro não era. Para ajudar os desvalidos na seca do nordeste… não, não era. Para socorrer os venezuelanos famintos que migram para Roraima, também não era, até porque, para aquele nobre fim, era muito pouco. Tampouco se destinava a ajudar os velhinhos do Retiro dos Artistas, quando, aí sim, já dava para aliviar um pouquinho a barra. O meio milhão daria para comprar doze mil e quinhentas camisetas daquelas que pessoas abnegadas vendem nos teatros a quarenta reais a unidade. Para o nosso Segovia, o Fernando, toda aquela grana sem dono a rodar na maleta do Rocha Loures pelas noites de São Paulo não daria para configurar a materialidade do crime. Crime? Que crime? Até hoje, esse crime de duvidosa materialidade nem subiu, nem desceu: está igual a Conceição do Cauby: se subiu ou se desceu, ninguém sabe, ninguém viu.

Na sua trajetória ictiológica, o delegado Fernando Segovia engoliu, como diz o ditado americano, hook, line and sinker (anzol, linha e chumbada), ao declarar para a Agência Reuters que não havia indício de crime do presidente Temer no decreto que alterou regras do setor portuário, opinando que a apuração em curso pela Polícia Federal devia ser abortada. Valeu ao falastrão um pito severamente aplicado pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF.

Perfeitamente previsível que o guloso e atrevido tucunaré iria acabar boiando em óleo escaldante na frigideira de Raul Jungman, titular do recém criado Ministério Extraordinário da Segurança Pública.

Sai o Segovia, entra em cena Rogério Galloro. Low profile, o novo Diretor Geral da PF, desde os tempos antigos em que foi ministro da justiça o Eduardo Cardozo, cavaleiro andante que tanto se esforçou para defender a indefensável Dilma Roussef, vem, discretamente, se preparando para assumir o cargo que passa a ocupar. Viu subir Leandro Daiello, a quem viu descer, dando lugar a Fernando Segovia. Agora, chega a vez dele, o discreto e parcimonioso Galloro. O que fará nesta nova era que se prenuncia de combate à corrupção e ao crime organizado, só o tempo dirá. Para ele, o que este colunista deseja é boa sorte, bom trabalho e boca fechada.

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