Ao Acaso – Por Rui Guilherme

AO ACASO
Rui Guilherme

Vale a pena passear-se ao acaso no emaranhado das ideias no momento em que, a bem da verdade, não se tem ideia concreta sobre o que discorrer? É, se não provável, pelo menos possível deixar-se vaguear a pena… Epa! A pena?!? O dedo pelo teclado sem saber exatamente o que vai acontecer.

Pois que salte daí uma crônica bem quentinha, saída do forno cerebral. O assunto? Meu Deus! É o que não falta! As eleições já acabaram em quase todo o Brasil, mas a disputa ainda vai para um primeiro turno na capital do Amapá. Agora, se me ponho a discorrer sobre o pleito em Macapá, não sei ao certo o que dizer. Aí vem Buda, o Iluminado, em meu socorro, ensinando que, quando não se sabe o que fazer, o melhor que se pode fazer é não fazer nada. Em seguida, pede a palavra o Abraham Lincoln (acho que foi ele; se não foi, bem que podia ter sido) e acrescenta:-  “Nunca me arrependi diante de todas as vezes em que mantive minha boca fechada. É melhor manter-se calado e deixar que todo mundo pensa que você é uma besta do que abrir a boca e pôr-se a falar, dando a todos a certeza de que precisavam.” Hony soît qui mal y pense…

Ora, bem. Que as eleições fiquem para que sobre elas discorram os analistas políticos, o que não é bem o meu caso. Não que o assunto seja tedioso. No mais das vezes, é palpitante, tanto no sentido lato de fazer até exaltaram-se os ânimos, quanto no sentido estrito, em que se pode dizer que, quando o tema é política, todo mundo tem palpite para dar e vender.

E esta segunda onda da Covid 19? Será que vale a pena desancar os jovens que, de saco cheio de tanto ficar em casa, de tanto andar por aí de máscaras que vão desde as mais sisudas, aquelas descartáveis compradas na farmácia, até as mais inventivas, como as que trazem o escudo do time do coração (Flamengo, se faz favor, que nem o vice=presidente Mourão)), passando pelas estampadas com coraçõezinhos ou de couro de onça, até as transparentes, permitindo ver o sorriso de quem gastou uma grana mandando clarear a dentadura; os jovens, que, na sua usual rebeldia, deixam a máscara de lado, esquecem até de levar o álcool em gel e saem à rua para juntar-se à multidão nas raves, ou para patinar e pedalar, ou buscam a liberdade das praias. Falar sobre a jeunesse dorée e sua alegre irresponsabilidade dá sempre samba. Só que não me atrevo a criticar a mocidade. Corro o risco de acharem – e haverá sempre quem o faça – que no fundo, no fundo, crítica à joie de vivre das gatas e gatões é pura dor de cotovelo de um escrevinhador que, ao meter-se no meio deles, seria olhado com ironia, tachado de coroa ou, quando menos, recomendado:- “Vai pra casa, titio!”

É, não tenho pique para enfrentar a buliçosa contra-argumentação da moçada. Na verdade, nem pique, nem saco, nem certeza de querer fazê-lo. A pandemia cobra muito de velhos e novos. Comezinha lógica obriga a censurar aqueles que, intoxicados da pressão gerada pelo lockdown, aglomeram-se nos bares e nos clubes e boates para celebrar a vida, ainda que disso resulte o crescimento nas taxas de contaminação e favoreçam a perpetuação da pandemia. Ademais, há que pensar naqueles que são forçados a ganhar a rua acotovelando-se em veículos de transporte público, porque, se não forem trabalhar presencialmente, não têm como levar o pão para suas casas.

Raia no horizonte a esperança das vacinas. Com elas, muito mais eficientes que as mandingas usadas pelos nossos avós mais remotos para enfrentar a peste bubônica e males assemelhados; com possibilidades de debelar o grande mal muito maiores do que as relíquias de santos, veneráveis dentes ou pedacinhos de ossos, lascas da Santa Cruz que, se fossem todas  autênticas, teriam levado o Império Romano a ser considerado historicamente o maior derrubador de árvores para confeccionar cruzes; tornar-se-iam as legiões de César inimigos das florestas mais ameaçadores que os madeireiros ilegais da Amazônia. Com elas, com as vacinas, prenuncia-se a vitória da humanidade sobre essa morte negra do terceiro milênio. Então, bem que eu podia juntar-me à coorte de escribas e tecer loas à ciência moderna e seus agentes das mais diversas nacionalidades. Mas… não dá. A inspiração não bate, por mais arrebatador e atual que seja o tema.

Amigo querido e talentoso escritor recentemente mandou-me obra de sua lavra em que fala do brasileiro e seu complexo de vira-lata ao se comparar com povos tidos como mais adiantados. Sem querer, magoei meu dileto companheiro ao deixar escapar que tudo quanto ele dizia tinha timbre de mais lídima verdade – e isso lhe trouxe algum agrado. Mas eu, com essa minha cabeça dura fiz aquilo que Lincoln dizia que nunca devia ter feito: deixei escapar, em minha análise, que as ideias bem alinhavadas do confrade, se de um lado expressavam reta verdade, por outro careciam de originalidade. Só que a culpa não era dele, e, sim, do tema abordado. De todo modo, abri minha boca e permiti que ele, se alguma dúvida tinha de que eu era um néscio, agora disso tem cristalina certeza. Faça o que digo, mas não faça o que eu faço. E, com esse fecho que de original não tem absolutamente nada, encerro estes cismares que, de novo, de original, de interessante, não têm a mais leve sombra. São ideias esparsas, meditações em hora de ócio, puro rol de besteiras produzido por mero acaso.

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