Artigo dominical

Não cabe mais nada!
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Um sábio, bem conhecido pela profundidade do seu pensamento, recebeu a visita de um professor universitário que tinha ido ter com ele para conhecê-lo e lhe fazer algumas perguntas sobre as suas doutrinas. O sábio serviu o chá ao hospede. Encheu a taça e continuou a colocar o chá, mesmo com o líquido trasbordando. Fez tudo isso sorrindo como se fosse uma coisa normal. O professor ficou olhando o chá derramado e, com expressão estupefata, mostrou que não entendia nada do que estava acontecendo. Pela boa educação não quis falar logo, mas, a certa altura, não aguentou mais e gritou:

– Por favor, não está vendo que a taça está cheia? Não cabe mais nada! – O sábio respondeu calmamente:

– Como esta taça está repleta de chá também o senhor está cheio da sua cultura e das suas opiniões. Como posso lhe falar das minhas doutrinas, compreensíveis somente aos corações simples e abertos, se antes o senhor não esvaziar a sua taça?

Neste domingo a solenidade de Nossa Senhora da Conceição prevalece sobre a liturgia do Advento. Acreditamos que Maria, nossa Senhora, foi “preparada” para cumprir a missão única e irrepetível de ser a mãe humana do Filho de Deus feito carne como nós. Jesus foi, em tudo, igual a nós, menos no pecado. Foi tão igual que aceitou morrer como todo ser que chega a este mundo, solidário com todos os mortais, fracos e pecadores. E Maria? Na saudação do anjo encontramos a resposta: “Alegra-te cheia de graça, o Senhor está contigo” (Lc 1,28). São as palavras que sempre repetimos quando rezamos a Ave-Maria. Ser “cheia de graça” é a condição de Nossa Senhora. Estar cheios, significa que não cabe mais outra coisa. Neste caso, Maria estava cheia da “graça”, do amor, da gratuidade de Deus.

As palavras podem ser diferentes, mas todas nos dizem que o coração de Maria estava decididamente “ocupado” pelas coisas de Deus. A vontade de Maria era a vontade de Deus. O projeto de vida de Maria era o projeto do amor de Deus com a humanidade. Faltava somente o sim dela, em respeito à liberdade e a responsabilidade das ações que cumprimos; respeito que o próprio Deus valoriza e aprova. Com a graça dEle, nossa Senhora venceu o medo e aceitou fazer parte das grandes e maravilhosas obras do Pai. Ela respondeu com total disponibilidade, sem reservas ou receios: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Assim nasceu Jesus, o Salvador, compromisso perfeito e definitivo do amor de Deus-Trindade com a humanidade toda e com cada um de nós, que continuamos a trilhar, confusos e incertos, os caminhos da história.

Podemos nos perguntar, de que está cheio o nosso coração? Vivemos numa sociedade onde a chamada “democratização da comunicação” favorece a troca de ideias e de pensamentos. Hoje, nas redes sociais, todos falam de tudo e sobre tudo. Os jovens  “postam” o seus pareceres. Enaltecem e derrubam. Exaltam e falam mal. Por isso podemos ter o nosso coração e a nossa mente cheia da opinião dos outros, correndo atrás dos últimos comentários sobre as últimas notícias. Quem se considera cheio de tudo, sempre atualizado sobre tudo, pode, afinal, estar absolutamente vazio, porque não tem mais nenhuma opinião pessoal. Prefere andar sobre as ondas da maioria virtual que firmar-se, corajosamente, sobre ideias importantes e valiosas que, não necessariamente, coincidem com aquelas da moda ou de quem grita mais alto. Menos ainda as opiniões dos poderosos que nunca querem perder as suas posições de prestígio.

Como o professor da história, talvez precisássemos, nós também, esvaziar-nos de algumas doutrinas badaladas como novas e atuais, disfarces, porém, de antigos orgulhos e egoísmos humanos. Deveríamos dar mais ouvido àquela Palavra que o próprio Deus nos dirigiu. Palavra que se fez carne e que continua a ecoar e a fazer maravilhas nos corações simples e abertos. Como o coração de Maria, nossa Senhora da Conceição.

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