Artigo dominical

ESTOU AQUI DE PASSAGEM
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

No século passado, um turista americano foi visitar o famoso rabino polonês Hofez Chaim. Ele ficou maravilhado quando viu que a casa do rabino era constituída de um simples quarto cheio de livros. Os únicos móveis eram uma mesa e um banco para sentar. – Rabi, onde estão os seus móveis? – perguntou o turista. – E os seus, onde estão? – replicou o rabino Hofez. – Como assim, os meus? Eu estou aqui somente de passagem – respondeu o americano. – Eu também – disse o rabino.

Todo ano no domingo da Epifania lemos a página dos Magos do evangelho de Mateus. É evidente que o evangelista quer nos dizer muito mais que contar uma história. Os evangelhos não foram escritos para satisfazer as nossas curiosidades, mas para nos ajudar a crer. Assim os Magos, personagens misteriosas e dos quais, praticamente, não sabemos nada, representam todas aquelas pessoas que saem em busca do “rei que nasceu” apesar de não fazer parte do povo de Israel e nem conhecer “as escrituras”.  Uma estrela os orienta e, quando encontram o Menino, ficam cheios de alegria e o adoram. Depois desaparecem do evangelho; simplesmente “retornaram para a sua terra”.

O evangelista quer nos dizer que qualquer um pode encontrar Jesus. Basta ter o desejo, a determinação e alguém que o oriente. A estrela, o caminho, a busca e as Escrituras podem significar tudo isso. Os Magos são apresentados como pessoas interessadas, que não desistem facilmente, porque acreditam que vale a pena encontrar o que estão procurando. Eles têm humildade suficiente para pedir ajuda a quem conhece os Livros Sagrados, a quem, pensam, deveria saber e poder orientá-los na sua busca. Para alcançar a meta não tem medo de sair do seu lugar, de caminhar e perguntar.

Assim os Magos representam os homens e as mulheres de todos os tempos e lugares da terra que procuram de coração sincero dar um sentido às suas vidas. Eles arriscam, caminham e, no final, encontram. Os outros podem ajudar, é verdade, mas ninguém pode nos substituir na busca fadigosa das respostas pessoais às grandes perguntas da vida. Podemos tentar fugir delas, deixar para outro dia, achar que seja inútil.

No entanto, a vida vai passando e as grandes perguntas nos acompanham sempre porque estão dentro de nós. Se ficarem sem respostas, um dia perceberemos, inexoravelmente, o vazio. Chegaremos à conclusão de ter perdido o tempo, os anos, talvez os melhores da nossa vida. Não podemos viver sem sonhos, sem ideais, sem projetos, sem fé. Nossos de verdade; pérolas preciosas que guardamos e que não podemos perder.

O segredo que os Magos nos ensinam é estar dispostos a caminhar. Precisamos sair das “certezas” fáceis, comuns, banais, daquelas que, aparentemente, são de todos. Somente fazendo perguntas, querendo saber e entender, questionando nós mesmos e os outros, descobriremos a cada dia algo de novo, se abrirão horizontes e a estrela sempre reaparecerá. Tudo isso vale para qualquer pensamento ou ideologia, visível ou disfarçada, e também vale para a fé. A sociedade do consumo sem controle, das coisas inúteis, dos mitos instantâneos e das aparências enganosas, quer pensar para nós, quer nos dizer tudo o que devemos fazer, desejar, escolher.

Assim renunciamos a refletir e transferimos para ela a responsabilidade das nossas escolhas. A respeito da fé, também, não basta imaginar de tê-la herdada dos pais, de tê-la recebida uma vez por todas. A fé deve ser uma luz para cada um de nós, bem viva, resultado também de busca e decisão pessoal. De outra forma ela fica um presente que nem chegamos a desembrulhar. Para isso precisa caminhar muito e quem caminha não pode carregar tantas coisas, nem móveis e nem bagagens inúteis. Somos mais peregrinos do que pensamos, como o rabino e o turista. Mas a alegria do grande encontro acontecerá. Como foi para os Magos.

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