Artigo dominical

O surdo e o doente
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Um homem surdo foi avisado que um  vizinho seu estava doente. Ele pensou consigo mesmo: – Devo mesmo visitá-lo, não tem saída. No entanto, com a minha surdez como poderei entender o que o vizinho irá me dizer? Vou tentar adivinhá-lo pelo movimento dos seus lábios. Quando eu lhe perguntar: Como está o meu pobre amigo? Ele responderá: “Muito bem!”. Então eu lhe direi: Louvado seja Deus! E depois falarei: O que tem tomado? Ele deve responder: “Um sorvete”. E eu: Bom proveito! E depois: Quem é o médico que está cuidando do senhor? “O tal”. Ele é bom, vai dar tudo certo.

Tendo, assim, preparado de antemão todas as perguntas e as respostas ele foi visitar o enfermo.
– Como o senhor está? – perguntou.
– Estou para morrer – respondeu o outro.
– Louvado seja Deus – exclamou o surdo.
O doente ficou indignado com estas palavras e pensou: “Este deve ser um dos meus antigos inimigos!”
O surdo continuou com a conversa: – O que o senhor tomou?
– Veneno – respondeu o outro.
– Bom proveito! – continuou o surdo, aumentando a raiva do doente.
– Quem é o médico que está cuidando do senhor?
– O anjo da morte! Vá embora daqui! – gritou o enfermo.
– Coragem, ele é um médico bom, vai dar tudo certo! – disse o visitante na saída. – Graças a Deus, consegui – pensou consigo mesmo o surdo, com um suspiro de alívio.

Esta é uma antiga história do século 13 para sorrir e refletir. Quantas vezes, apesar de não sermos nada surdos, agimos ou conversamos como se o fossemos. É o chamado “diálogo entre surdos” quando as pessoas conversam, mas não escutam – ou não querem escutar – o que o outro diz. Um fala uma coisa, mas o outro entende – ou finge  entender – o que bem quiser, distorcendo, muitas vezes, as palavras do outro. É tempo perdido para ambos. É inútil, não resolve e não muda nada.

Neste domingo, o evangelho nos apresenta a primeira pregação de Jesus e o chamado, também, dos primeiros discípulos. O seu convite à conversão e ao seguimento ecoa, ainda hoje, para todos, sem dúvidas, com tempos e respostas diferentes para cada um, mas ainda capaz de mudar a vida das pessoas. A conversão é uma decisão importante; se for algo passageiro e superficial é pura ilusão, promessa nunca cumprida. Conversão pede mudança de pensamentos, valores, posturas e estilo de vida.

Contudo, isso pode acontecer somente quando percebemos e acreditamos que esta mudança seja para melhor. Não uma melhoria na “quantidade”, mas na “qualidade”. Estamos escolhendo algo que nos fará mais felizes, que dará mais sentido e plenitude a nossa vida. Por isso, a conversão exige também fé e confiança em quem nos convida a mudar. Na dúvida, ninguém se mexe; o bom senso e a prudência nos prendem.

Pelo jeito os primeiros apóstolos tiveram coragem, deixaram o que era seguro e conhecido para eles – o barco, a pesca, o pai – para seguir o pregador de Nazaré. Talvez, simplesmente, viram em Jesus alguém mais confiável do que as suas redes, do que a sua própria profissão. Somente na palavra continuavam a ser “pescadores”, mas agora o seriam de pessoas, de amigos e inimigos, de conhecidos e desconhecidos. Deixaram o que lhes devia parecer certo, para algo de imprevisível e desconhecido. Acreditaram, porém, que o que lhes podia acontecer, com Jesus, devia ser algo para o qual valia a pena arriscar a vida.

Desde aquele tempo, quantos ficaram insensíveis ao chamado de Jesus… Quantos de nós, ainda hoje, preferimos os nossos cálculos, o nosso aconchego aos riscos da vivência do evangelho? Falo assim porque, quando menos pensamos, todos podemos ficar “surdos” aos apelos de Jesus ou nos satisfazer com respostas já preparadas, doutrinalmente perfeitas, mas longe da alegria e do entusiasmo do evangelho. Estas respostas não têm nada a ver com a conversão. Servem só para nos convencer que, afinal, continuamos sendo bons cristãos. Se o Senhor quiser, chame outros, nós já respondemos. Será mesmo?

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