Artigo dominical

Três almas
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Após a morte, três almas, chegaram à morada do céu. A primeira aproximou-se da porta do Paraíso e a encontrou fechada. Desesperou-se. Cheia de raiva e de ódio, começou a gritar e a blasfemar. Aquele era o Inferno: o reino do desespero. Também a segunda alma veio até a porta do Paraíso e a encontrou fechada. Porém não desanimou; ao contrário, cheia de confiança, acendeu o fogo, pegou martelo e bigorna e começou a forjar grandes chaves de ferro, batendo com força e habilidade. Aquele era o Purgatório: o reino da esperança. Por fim, chegou à porta do Paraíso a terceira alma, não tentou abri-la, somente bateu e a porta se abriu. Aquele era o reino do amor.

No quinto domingo da Quaresma, deste ano, encontramos o evangelho da ressurreição de Lázaro. Jesus se apresenta como “a ressurreição e a vida”, pede às irmãs Marta e Maria para terem fé nele, e devolve a vida ao seu amigo. Esse é o último dos sinais através dos quais o evangelista João quer nos conduzir a entender e acolher Jesus. Ele, fonte de água viva, deu um novo sentido à vida da samaritana despertando-lhe a sede de Deus. Ele, como luz do mundo, abriu os olhos ao cego de nascença para que conhecesse o mundo e as pessoas, mas, sobretudo, alcançasse o fulgor da fé. Enfim, aquele que dali a poucos dias será morto na cruz chamou Lázaro de volta para esta vida terrena.  Assim, Jesus revela a força infinita do amor e da fé que fazem acontecer o milagre. Também com ele, a vitória da morte durará somente três dias. No domingo de Páscoa, ela perderá todo o seu poder, não será mais a última palavra desta vida.

Marta e Maria choram pelo irmão. Ambas cobram a ausência de Jesus. Por que o amigo não estava ali na hora difícil? Jesus partilha o sofrimento delas e, ao vê-las chorar, chora também. Diante das lágrimas de Jesus, os judeus se dividem: alguns reconhecem o amor dele para com o amigo, outros questionam que poder realmente ele tem já que não o poupou da morte. É neste momento que o amor precisa da fé e a fé se alimenta do amor. Vale para o nosso relacionamento com Deus e também com irmãos.

Para que as nossas profissões de fé não fiquem somente na abstração ou num conjunto de afirmações, mais ou menos convincentes, precisamos reconhecer o amor de Deus nas suas mais diversas manifestações em nossas vidas. Será o amor a nos fazer crescer como amigos de Deus, íntimos e confiantes nele. Sem amor, não há familiaridade; há somente formalidade e exterioridade. Não há verdadeira fé.

Do outro lado, para que as grandes declarações de amor se concretizem em gestos, atitudes e decisões, precisamos saber a quem amamos e porque o amamos. O amor sem um objetivo, ou alguém real para amar, é somente uma boa intenção que nunca se transforma em doação, generosidade e renúncia. Para podermos nos doar sem cálculo e sem alarde, precisamos confiar naquele ou naquela que afirmamos querer amar.

Aprendemos a amar, talvez começando com alguém bem perto de nós. Alguém que precise de nós, mesmo que não entenda ou aparente dispensar o nosso amor. Nós acreditamos que nenhum gesto de amor ficará perdido. Se é verdade que o amor precisa de rostos, mãos e corações para amar e ser amado, precisa também da fé para não desanimar e desistir.

Tudo isso Jesus nos ensinou. Com a sua humanidade se solidarizou com todos os seres humanos que passam por este mundo. Na cruz, enfrentou e venceu a luta do bem contra o mal, porque amou e perdoou a todos, até aos seus agressores. Na ressurreição, abriu o horizonte da vida plena a todos aqueles e a todas aquelas que acreditam no amor de Deus e fazem do amor ao próximo o sentido das suas vidas. Estes, um dia, ouvirão as palavras tão esperadas: “Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo!” (Mt 25,34). As portas da Vida se abrirão. O Amor já as terá aberto.

 

  • Alcinéa,
    Sempre procuro melhor entender o evangelho, lendo o nosso Bispo, em seu blog. Dom Pedro é inteligente, sensato e sensível, como cristão e como homem. De forma poética, consegue, com simplicidade, típica dos grandes, ensinar o Envagelho de João, com uma clareza exuberante. Parabéns por inserir, em seu blog, os escritos de Dom Pedro!!!

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