Artigo dominical

A Pipa
        Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

          Uma pipa voava muito alta no céu. Um pássaro que passava por lá ficou curioso, porque nunca tinha visto algo semelhante. Alcançou a pipa e viu que estava ligada a um fio. Teve compaixão. Coitada – pensou e com uma bicada certeira cortou o fio. Imediatamente a pipa começou a endoidar. Açoitada pelos ventos mexia-se em todas as direções, sem rumo. O leve papel do qual era feita começou a rasgar. Uma rajada de vento mais forte a jogou por terra em pedaços. O pássaro espantado aterrissou perto dela e perguntou:

– O que foi que aconteceu? Eu achava que ia te libertar.

A pipa, toda esbandalhada, respondeu:

– Aconteceria a mesma coisa contigo se alguém cortasse o fio que te liga ao céu, como o meu fio me ligava à terra. Não era um fio de escravidão, mas de liberdade e de vida!  

Neste tempo de verão, muitas pipas cortam o céu. Coloridas e enfeitadas fazem a alegria de crianças e, muitas vezes, também de adultos com vontade ainda de brincar. Toda pipa nos faz sonhar um pouco, imaginando como seria prazeroso poder voar livres lá no alto do céu. No entanto, o voo da pipa depende da linha que a liga ao dono. É o vento que a mantém no alto, mas é o fio que controla os seus movimentos. Quem sabe mesmo empinar pipa sabe, também, quando deve soltar e quando deve prender a linha. Parece mágica, mas, de fato, é experiência. 

A página do evangelho deste domingo nos oferece a bem conhecida declaração de fé de Pedro quando, respondendo à pergunta de Jesus:

– Quem dizem os homens ser o Filho do homem? Ele disse:

 – Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo.

Continuando, Jesus declara Pedro feliz, porque foi o próprio Pai que o ajudou a entender a novidade do mistério do qual estava começando a participar. Em seguida, Jesus faz algumas promessas a Pedro. Ele será a “pedra” sobre a qual será construída a Igreja. Esta ficará firme e nunca será vencida pelas forças do mal. No final, Jesus fala das chaves do reino do céus e, usando uma linguagem pouco comum para nós, diz que tudo o que Pedro ligará na terra será também ligado no céu e o que ele desligar na terra será desligado no céu. Na linguagem da Bíblia, as chaves e a possibilidade de “ligar e desligar” indicam mesmo um “poder” especial dado a Pedro, mas fica para nós a pergunta: que poder é este e para conseguir o quê?

Como sempre, a resposta depende, em primeiro lugar, do jeito de como nós entendemos o nosso relacionamento com Deus. Muitas vezes usamos essas mesmas palavras quando falamos das pessoas com as quais nos sentimos “ligados”. São laços de amor, de afeto e amizade. São lembranças feitas de alegrias e saudades. São vínculos que desafiam espaços e tempos. Falando de forma mais banal e usando a linguagem “telefônica”, toda hora ligamos para alguém e desligamos, quando a conversa acabou. Queremos que as pessoas nos liguem e prometemos ligar para elas…Para chamar atenção de alguém, com o qual estamos falando, perguntamos: “Está ligado?”

Pedro tem a grande missão, junto com toda a Igreja, de manter os nossos laços de fé e amor nada menos que entre nós e com Deus. Isso porque o nosso relacionamento com Ele, antes de ser pessoal, é comunitário. Fazemos parte de um povo e de uma história de amor com a qual o próprio Deus quis nos “ligar” a si para sempre.

A nossa participação na caminhada do Povo de Deus nos permite estreitar esses laços com o nosso Deus. Unidos à Igreja conhecemos e entendemos a sua Palavra; celebramos, na Liturgia, os eventos da nossa salvação; vivenciamos através da fraternidade o mandamento do amor; somos confirmados, a cada dia, no caminho difícil, mas seguro, da fé e da esperança.

Neste caso, a nossa firme “ligação” Igreja-comunidade não é uma amarra que impede a nossa liberdade. É a certeza de não nos perdermos nos ventos da vida e na confusão das opiniões e das modas passageiras. Cortar esses laços vitais significa acabar muitas vezes dilacerados. Sem mais rumo algum. Como a pipa da história. 

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