Artigo dominical

 ‘Eu vim para servir’
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Chegamos ao início da Semana Santa e cabe bem refletir sobre a Campanha da Fraternidade. Este ano, no cartaz se vê o papa Francisco beijando o pé de um fiel ao qual acaba de lavar. Como Jesus lavou os pés dos discípulos naquela noite da última Ceia. Gesto de doação total e de legado para quem vai amar até o último instante da sua vida. Outro sinal daquela noite é o do pão e do vinho – corpo e sangue de quem vencerá a morte após ter passado por ela. Vida doada, do início ao fim. Vida gasta para dar sentido à vida de anônimos sofredores, excluídos, pecadores, julgados indignos do amor e do perdão de Deus.

A grandeza única e inigualável de Jesus não foi a força, o poder, a riqueza ou a solução milagrosa para o problema do

mal, foi o amor-serviço. Foi o primeiro, porque foi o último, o servo de todos. A vitória sobre o mal e a morte não foi pelo confronto ou a medição de força, foi pela entrega total, aparentemente, a derrota total, mas para vencer com a única arma que resgata a vida, que transforma tudo, que é esperança que nunca morre: o amor.

Jesus resumiu todo esse amor com uma palavra: serviço, para deixar entender que o amor verdadeiro é muito mais que um sentimento, uma imaginação, um projeto. Deve tornar-se gesto, ação. Talvez somente um pequeno passo rumo à vitória final, mas decidido, confiante, generoso. Outros passos, de outras pessoas de boa vontade, seguirão o caminho, imitarão aquele exemplo. Outras vidas serão doadas, sacrificadas, mais uma vez, aparentemente, perdidas. Na realidade, vitoriosas, porque motivadas por um amor puro, sem interesse, sem glória, sem reconhecimento. Como Jesus na cruz. Um amor mais do que humano, divino. Transformação das nossas fraquezas, erros e limitações transfiguradas no amor. “Onde está ó morte a tua vitória?” cantaremos alegres na noite de Páscoa.

Se Jesus veio para servir, não pode ser diferente para a Igreja, o povo de Deus que, com sua diversidade de dons e carismas, caminha na história humana chamado a continuar a missão do Salvador. A Igreja de Jesus sempre será tentada, como o seu Senhor, de usar do seu poder “espiritual” para disputar com o poder “temporal”. Houve épocas que os papas coroavam imperadores e reis, na ilusão de mandar ou, talvez, na esperança de que alguns deles servissem mais ao Reino de Deus que aos reinos deste mundo. Não deu certo. Com a permissão e a bênção da Igreja, o nome de Deus foi gravado em bandeiras de exércitos, em espadas e canhões. Hoje ainda está impresso em algum dinheiro. Pobre nome de Deus! Melhor desistir desse poder humano. Talvez, porém, hoje a maior tentação para a Igreja não seja essa, mas aquela da indiferença, da acomodação, de não querer sujar as próprias mãos. Uma Igreja muito bonita, mas que olha a si mesma, autocontempla-se. Fechada, como se as dificuldades humanas, as coisas erradas que acontecem na sociedade humana estivesse apenas fora dela e não tivesse nada para também arrepender-se e melhorar. Ou seja, uma Igreja que olha muito para o céu – e para si mesma – e se esquece de olhar onde pisa, no chão da história. Desencarnada. O contrário de Jesus.

Servir à humanidade custa. Porque servir, em si, não é gostoso, não dá grande satisfação. Na maioria das vezes, não é reconhecido e nem agradecido. No entanto, sem colaboradores ou servidores obedientes e submissos, os “grandes” também não fariam quase nada. Jesus também buscou seguidores, mas, a certa altura, chamou-os de “amigos” e não mais de “servos” (Jo15,15). Ele nos quer seus amigos, servidores do bem para todos, da verdade luminosa, da justiça libertadora, da fraternidade alegre, da partilha generosa, da vida respeitada, do amor que enxuga toda lágrima. Amigos-servidores dele, porque servidores do bem de todos.

Todo cristão é chamado a servir dessa maneira. Lá onde vive, na sua família, com o seu trabalho, com a sua paciência e confiança, com o seu esforço e sacrifício. Como pode, mas sem nuca desistir. Porque o “sal” não pode perder o sabor, porque não serviria mais para nada. O “fermento” também desaparece, mas a massa fica toda fermentada. A “luz”, enfim, não pode se esconder. Se for luz mesmo, clareia, onde quer que esteja. Serviço pessoal, portanto, de cada batizado. Somos chamados, porém, a sermos tudo isso juntos, unidos, muitos ou poucos que sejamos. Não será para alcançar o poder e repetir erros do passado. Será porque acreditamos na força que vem de estarmos juntos na busca do bem, da verdade, na construção de um Reino nunca perfeito neste mundo, mas para o qual vale a pena dar as nossas vidas. Como e com Jesus.

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