Artigo dominical

O pecado mais grave
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

 Certa vez, um rabi perguntou aos seus discípulos:
– É mais grave o pecado do corpo ou o do espírito?
– O pecado do espírito é mais grave – responderam alguns.
– Não! – responderam outros – É o pecado do corpo que é o mais detestável.

Então o rabi contou esta história: “Um rude camponês e um fazendeiro estudado infringiram as leis do reino. O rei decidiu não castigar o camponês e dar uma dura punição ao fazendeiro. Todos pediram explicação por essa preferência. O rei respondeu: ‘O pobre camponês pode não saber nada das leis do meu reino, mas o fazendeiro, desde muitos anos, frequenta a minha casa, conhece perfeitamente as leis. Apesar disso, porém, desobedeceu. Somente ele merece o castigo’”.

Concluiu o sábio rabi: – O corpo vem da terra e não sabe nada das leis do céu, mas o espírito é cidadão do alto e conhece as suas leis. O pecado do espírito é o mais grave.

No segundo domingo do Advento, encontramos João Batista “pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados” (Lc 3,3). Ele percorria toda a região do Jordão e, como veremos no próximo domingo, muitas pessoas atenderam ao seu apelo. Evidentemente não sabemos se discutiam sobre a gravidade dos pecados ou não; no entanto, tinham consciência dos seus “pecados”, ou seja, sabiam que, de forma mais ou menos grave, tinham infringido alguma lei “divina”. Com efeito, “pecado” não é, simplesmente, qualquer pensamento ou ato errado que fazemos. Também não é algo que se refere somente aos dez mandamentos. O que está em jogo é o grande mandamento do amor a Deus e ao próximo. Fora da lógica do amor, da gratidão e da doação, é bastante fácil encontrar desculpas para descumprir os mandamentos. Muitas vezes, ao longo dos evangelhos, Jesus desmascara o cumprimento interesseiro da Lei ou a desobediência disfarçada de boa ação. É o caso da assistência aos pais transformada em oferta ao templo, ou o dízimo e o jejum praticados para satisfazer o próprio orgulho.

Hoje, escutamos muitos dizendo que não fazem nada de errado. Outros se escondem atrás da pergunta: o que é pecado? O próprio assunto “pecado” parece algo de bem antigo, careta, para usar uma palavra na moda. Sem dúvida, passamos de uma maneira de nos expressar onde muitas coisas, desde criança, eram chamadas de pecado, à desculpa mais repetida com a qual queremos tirar a nossa responsabilidade pessoal: “todo mundo faz”. Assim, aprendemos que mentirinha de criança era pecado para ser confessado, mas outras coisas, bem mais sérias e graves, nos relacionamentos entre as pessoas, como a falsidade e o engano, viraram rotina e banalidade. Muitos gritam contra injustiças, desonestidade e corrupção, mas poucos assumem a própria parte de culpa, de desinteresse ou mesmo de colaboração com o crime.

Nos próximos dias, o papa Francisco abrirá o Jubileu Extraordinário da Misericórdia. Depois dele, nós também o faremos. Misericórdia significa perdão e compaixão, solidariedade e consolação. O nosso Deus é rico em misericórdia. O papa fala aos católicos e nos convida a reconhecer os nossos pecados para pedir perdão e fazer, assim, a experiência do abraço misericordioso do Pai. Contudo, para que isso aconteça, precisamos admitir que somos pecadores, ou seja, que fazemos o mal, deixamos o mal se alastrar, permitimos que corrompa as nossas consciências. Talvez pecamos mais por omissão que por outras culpas. Não colocamos o bem em lugar do mal. Não assumimos o nosso compromisso com a verdade e o bem. Não é possível que o bem seja tão fraco, que os cristãos não reajam à indiferença, que tenhamos perdido a esperança de reverter as situações erradas. O Ano Santo da Misericórdia pode ser, também, um tempo bom para a conversão, a mudança de critérios, a recuperação de valores éticos e morais. Todos nós temos uma consciência; lá tem algo de humano e de divino. Por isso, silenciar a nossa consciência seja, talvez, o pecado mais grave. O pecado do espírito.

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