Artigo dominical

“Tu és o meu Filho amado”
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

O lobo, cansado de caçar e de correr o dia todo para conseguir comida, resolveu se disfarçar de pastor para chegar mais facilmente perto das ovelhas. Com habilidade, fingiu ser o pastor e encaminhou-se ao rebanho na hora em que todos tiravam um cochilo. Com a vara bateu nas ovelhas, mas elas nem se mexiam, nem se espantavam. Então lembrou que elas obedeciam ao comando da voz do pastor e ele começou a gritar para fazê-las caminhar.

Esqueceu-se, porém, de disfarçar a voz e, assim, todos acordaram, inclusive os cães e o pastor. Logo reconhecido, o pastor e os cachorros prenderam o lobo espertalhão que, na fuga, ainda se atrapalhou com seus falsos trajes.

A mentira tem pernas curtas diz o provérbio. Talvez seja o caso de refletir sobre a sinceridade, a falsidade ou a indiferença a respeito do nosso ser cristãos. No domingo do batismo de Jesus, no rio Jordão, pelas mãos do Batista, encerramos o tempo do Natal.  O evangelho de Lucas nos apresenta ainda a dúvida do povo a respeito de João, mas logo a atenção se dirige a Jesus. “Enquanto rezava”, diz o evangelho, desce sobre ele o Espírito Santo e a voz do Pai declara que ele é o Filho muito amado. A oração revela a íntima união do Filho com o Pai e o Espírito Santo. Uma espécie de reconhecimento da identidade, ainda escondida, daquele homem que, aos poucos, irá falar e agir de uma forma tão nova e surpreendente. – Alguém “com au toridade” – dirá o povo. Um farsante, um impostor e blasfemo, dirão as autoridades.

Ainda hoje, as opiniões sobre Jesus estão divididas, continua sendo “sinal de contradição”. O que se espera é que, ao menos os cristãos, tivessem consciência clara de quem é Jesus na vida deles. Com efeito, a vivência da fé, que começa no dia do nosso batismo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, não pode ser uma mera formalidade, um ritual que os pais ainda cumprem para com os seus filhos, mais por costume do que por convicção. Longe de julgar as boas intenções dos mais adultos com os mais jovens, mas os números falam claro. Temos ainda bastante batizados, menos crianças na catequese para receber a Eucaristia e muito menos jovens para serem crismados. Quantos adultos são felizes de viver a própria fé como compromi sso sério e consciente? Não sei.  Pelo jeito, o batismo recebido não marca, como deveria, a identidade “cristã” da pessoa. Os que foram batizados pequenos não conseguem se reconhecer com perseverança e alegria na fé que lhe foi oferecida. Faltam bons exemplos? É culpa da sociedade? É a fé que não serve mais para a vida? Podemos ficar discutindo. No entanto, devemos reconhecer que os tempos mudaram e que a repetição de costumes não responde mais à realidade e à mentalidade de hoje. Para as novas gerações o que “sempre foi feito” não interessa tanto assim, querem entender, descobrir e se entusiasmar pessoalmente. Talvez queiram, simplesmente, “decidir” por si mesmos. Podemos criticá-los? Não deveríamos, nós mais adultos, ajudá-los na busca do sentido da vida, na escolha d e bons companheiros de caminhada, no discernimento dos valores que preenchem o nosso pobre coração humano?

O interessante é que não podemos dar uma resposta a todas essas perguntas, cada um por conta própria, porque, se é verdade que a fé cristã sempre será uma opção pessoal – ou seja, ninguém pode ser obrigado a acreditar – é verdade também que ninguém de nós inventa, cria ou escolhe em que acreditar. Não somos nós cristãos – e nem igreja nenhuma – a inventar Jesus Cristo, o que ele foi, fez e ensinou. Somente podemos procurar transmitir a fé nele na maneira mais fiel, coerente e envolvente possível. Ninguém pode medir a fé dos crentes, mas a vida deles manifesta o lugar que esta fé ocupa nas suas vidas. Fingir acreditar não serve. A máscara cai. Acreditar somente naquilo que nos agrada também não serve, atrapalha, porque ficaremos presos nas nossas próprias incertezas. Melhor uma fé luminosa, santa e alegre. Também nas horas difíceis. Digna, enfim, do nosso batismo.

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