Artigo dominical

O rosto de Jesus
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Um dia o monge Epifânio descobriu que tinha o dom de pintar belíssimos ícones. Queria pintar um que fosse a sua obra prima; queria pintar o rosto de Jesus. Mas onde encontrar um modelo certo que expressasse ao mesmo tempo, sofrimento e alegria, morte e ressurreição, divindade e humanidade? Epifânio não teve mais sossego, viajou a Europa toda perscrutando cada rosto. Nada. O rosto capaz de representar Jesus simplesmente não existia.

Uma noite, porém, quando estava repetindo as palavras do salmo: “A tua face, Senhor, eu procuro. Não me escondas o teu rosto…” pegou no sono. Teve um sonho. Um anjo o reconduzia junto às pessoas que havia encontrado e lhe mostrava um detalhe que tornava aquele rosto semelhante ao de Jesus: a alegria de uma jovem noiva, a inocência de uma criança, o sofrimento de um doente, o medo de um condenado, a bondade de uma mãe, o desânimo de um órfão, a severidade de um juiz, a hilaridade de um menestrel, a misericórdia de um padre, o rosto desfigurado de um leproso.

Epifânio voltou para o seu convento e começou a trabalhar. Um ano depois, o ícone estava pronto e o apresentou ao abade e aos confrades. Todos ficaram boquiabertos e caíram de joelhos. O rosto de Cristo era, simplesmente, maravilhoso; tocava o coração, questionava e alegrava. Inutilmente perguntaram a Epifânio quem tinha sido o modelo.

Ainda hoje podemos somente imaginar o rosto de Jesus. Artistas, santos e poetas continuam livres para representá-lo por meio de todas as artes antigas e modernas. Cada um de nós pode fazer o mesmo. Todos podemos dizer que possuímos o “nosso rosto” de Jesus.  É aquele que fala ao nosso coração. Mas ninguém poderá dizer ter o único e definitivo retrato do Senhor, porque ele não cabe em nenhuma moldura, também se, ao mesmo tempo, deixa-se encontrar por todos. A busca nunca vai acabar. No entanto não é por isso que o conhecemos menos ao ponto de confundi-lo com outros. Os Magos acertaram e adoraram aquele Menino – e somente aquele – com Maria, sua mãe. No meio de tantos que iam receber o batismo de penitência de João Batista, o céu se abriu sobre Jesus – e somente sobre ele – e a voz do Pai falou: “Tu és o meu Filho amado, em ti ponho o meu benquerer”.

Se for verdade que podemos fazer obras de arte diferentes sobre Jesus, ele, no entanto, continua o único Filho amado pelo Pai, da manjedoura de Belém até a cruz e o túmulo vazio da Páscoa. Nós cristãos acreditamos que o único Deus verdadeiro se fez conhecer, em sua plenitude, em Jesus. João na sua primeira carta escreve: “Todo aquele que nega o Filho também não possui o Pai. Quem confessa o Filho possui também o Pai” (1 Jo 2,23) e na segunda: “Todo aquele que se adianta e não permanece na doutrina de Cristo, não possui a Deus. Aquele que permanece na doutrina, esse possui o Pai e o Filho” (2 Jo 9).

Por que tanta insistência nessas citações? Porque estamos vivendo o Ano da Fé e, desde a sua abertura, os católicos são convidados a decorar e rezar os Símbolos de nossa fé: os “credos”. Afinal eles são a ampliação da fórmula do batismo cristão, obedecendo à ordem de Jesus de batizar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (cf. Mt 28,19). Lembram-nos o que afirmamos e acreditamos do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ao mesmo tempo, porém, defendem-nos de afirmações erradas, de proclamações que não tem nada a ver com a fé cristã. Uma maneira para nos alertar dos “falsários”, antigos e modernos, daquelas obras de arte que são as “profissões da fé”, os credos, e que nos foram transmitidas de geração em geração. Quem afirmar algo diferente, portanto, está falando de outro Jesus, talvez de outro Deus, é bom sabê-lo.

Podemos continuar a busca por um modelo do rosto de Jesus, mas que bom se ao rezarmos o Credo, ao professarmos sinceramente a nossa fé, caímos de joelho e ficamos admirados e atraídos pelo nosso Deus, agradecidos por ter enviado o seu Filho amado, que, ainda hoje, podemos encontrar, conhecer, amar e seguir.

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