Artigo dominical

A tentação da curiosidade
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

O dia estava muito quente. Um empregado trabalhava duro no jardim do seu patrão. Sem pensar duas vezes, começou a blasfemar gritando contra Adão e Eva porque, pensava, afinal foram eles a causa de tanto suor e fadiga. O patrão ouviu as suas imprecações, aproximou-se dele e perguntou:

– Por que estás xingando tanto assim Adão e Eva? Aposto que no lugar deles nós também teríamos feito a mesma coisa.

– Eu não – respondeu – irritado o trabalhador – eu teria resistido à tentação!

– Veremos – disse o patrão, e o convidou para o almoço.

Na hora marcada, o empregado apresentou-se à casa do senhor e foi levado a uma sala onde tinha uma mesa preparada com vários tipos de comida. O patrão lhe disse:

– Pode comer tudo o que quiser; somente não deve mexer na vasilha tampada que está no meio da mesa, até a minha volta.

O trabalhador, que estava com muita fome, aproveitou bastante da comida. No entanto, morrendo de curiosidade, não tirava os olhos da vasilha que estava no meio da mesa. O que estava escondido lá dentro? O patrão demorava e ele não resistiu. Bem devagarzinho levantou um pouco a tampa. Imediatamente saiu um rato. O empregado fez de tudo para pegá-lo e colocá-lo de volta. Mas a caçada foi difícil. Pratos caíram no chão e algumas cadeiras foram derrubadas ruidosamente. Com a zoada o patrão voltou e disse, sorrindo, ao seu funcionário:

– Meu amigo, daqui para frente será melhor xingar menos Adão e Eva, viu?

Uma historinha alegre para refletir sobre um assunto muito sério: a fragilidade humana. Cada um de nós tem as suas tentações e todos os dias experimentamos como é difícil resisti-las. Apesar dos alertas da nossa consciência sobre o erro que estamos para cometer, a tentação se apresenta sempre muito atrativa, fácil, vantajosa e sem perigo. Por que não aproveitar? Um pouco de risco também, muitas vezes, em lugar de desanimar, aumenta a vontade de provar a nossa esperteza. Como resistir? São Paulo diria: Quem me libertará deste corpo de morte? Ele mesmo responde: Graças sejam dadas a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor. (cf. Rom 7,24-25).

No primeiro domingo de Quaresma, sempre encontramos um evangelho que nos fala das tentações de Jesus no deserto. Tentações terríveis que o acompanharam a vida inteira. O que estava em jogo era a própria missão dele. Jesus podia ter aproveitado da sua fama de “messias” para chegar ao poder, à riqueza, ao inebriante sucesso humano. Com certeza também alguns dos seus seguidores queriam que ele instaurasse um reino poderoso neste mundo. Um reino onde ele seria o mais importante, onde seria deus! Esta é, e sempre será, a tentação de todo ser humano: aceitar ser criatura limitada e, portanto, admitir a própria dependência de Deus, ou querer ser “deuses” e assim travar uma luta sem fim onde o Outro acaba sendo o eterno rival.

Desde a primeira tentação apresentada pela Bíblia tudo não passa de um grande engano. Deus oferece ao homem e à mulher um jardim para que sejam felizes, dentro dos limites de serem “criaturas” amadas por Ele. Na relação de obediência amorosa a Deus realizarão o sentido de suas vidas. Para serem felizes o homem e a mulher devem confiar em Deus. No entanto não pode ter amor verdadeiro sem liberdade e, portanto, sem uma adesão consciente e responsável. É neste ponto que entra em cena o Tentador. Simplesmente ele distorce para o casal a imagem de Deus. Ele não é nada confiável: Mente – não é verdade que irão morrer – e é ciumento, porque não lhes deixa conhecer o bem e o mal, assim nunca serão como Ele. Os dois caem na tentação, duvidando da palavra de Deus. A opção de toda escolha não é simplesmente entre ter fé ou não tê-la, é entre confiar em Deus ou optar pela própria autossuficiência.

A falta de fé-confiança nos afasta, cada vez mais, de Deus e nos impede de compreender o seu amor. A obediência-confiança total de Jesus ao Pai vence toda tentação e reconduz toda a humanidade, uma vez por todas, ao reencontro com o Deus verdadeiro, rico em misericórdia.

Em Jesus acaba a disputa entre Deus e o homem, porque nele Deus se manifestou plenamente confiável. Para nós é possível novamente corresponder livremente ao amor de Deus, porque Ele mesmo nunca deixou – e nem deixará – de amar a humanidade, mesmo quando é desobediente, revoltada e pecadora. Aí está a força para vencer toda tentação. Muitas vezes, porém, ainda “confiamos” mais nas ilusões do Tentador do que nas Palavras de Deus. A quaresma é sempre um tempo bom para reavivar a nossa fé, para reconstruir em nós a imagem dEle que o mal desfigurou.

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