Estou aqui sentado, pensando na minha vida
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá
Muitos anos atrás, numa região da França, vivia um rei que nunca conseguia rir. Chamavam palhaços e humoristas de todas as partes do mundo para diverti-lo, mas o rei permanecia sério. Certo dia, um jovem se apresentou à corte declarando que tinha capacidade de fazer o rei rir. Ninguém acreditou, mas, para evitar serem acusados de ter jogado fora uma nova chance, permitiram que o jovem fosse até o soberano. Levaram-no até a sala do trono e assistiram a uma cena inacreditável: o jovem foi sentar-se perto do trono do rei e ficou calado o tempo todo. Depois de algum tempo, o rei, triste e desconsolado, perguntou-lhe:
– Você foi chamado para me divertir, por que não está fazendo nada para me fazer rir?
– O jovem, bem tranquilo, respondeu:
– Não tenho nenhuma intenção de fazer o senhor rir, estou aqui sentado pensando somente na minha vida.
Incrível! A absurda sinceridade do jovem fez o rei dar uma gargalhada poderosa e, assim, o bom humor voltou para a aquele pais.
Repetir que quem complica a vida muitas vezes somos nós mesmos é banal, mas é uma simples verdade. Em lugar de agir com sinceridade e transparência parece que tenhamos sempre algo para esconder, algo que nos ameaça e, portanto, vivemos na defensiva. Preferimos ficar calados para não nos expormos com as nossas palavras e não sermos criticados ou rebatidos. Outras vezes medimos nossos gestos e palavras por medo de sermos julgados pelos outros. Acontece também o contrário: falamos o que não devemos, condenamos ou absolvemos sem nenhum conhecimento da real situação, e assim por adiante. Pecamos por excessos de medo ou de superficialidade. Subestimamos a nossa capacidade de refletir e ponderar as coisas. Talvez bastasse sermos nós mesmos. Capazes de reconhecer os nossos defeitos – que não adianta esconder tanto assim – e de aproveita r dos dons que todos temos. Quantas vezes um gesto simples e espontâneo vale mais do que as formas sofisticadas de relacionamento, quando, por exemplo, o cerimonial nos obriga e a formalidade esvazia os próprios gestos.
No evangelho deste domingo, Jesus louva a fé do centurião. É um pagão, verdade, mas sincero e honesto. Até alguns dos anciãos, tão rigorosos e prontos a julgar os outros, reconhecem que o estimam. Ele também tem em grande consideração o empregado que está doente. Admitamos que não seja tão comum os patrões falarem bem dos seus empregados. Por fim, como bom militar, o centurião está acostumado a obedecer e a mandar para ser, por sua vez, obedecido. Parece mesmo que este homem não tenha nada para esconder. Diz o que pensa e age de consequência. A sua fé é simples e sincera. Também com Jesus tem o maior respeito. Não manda, pede. Não cobra, confia. Reconhece não ser digno de Jesus ir até a sua casa; propõe que diga uma só palavra e o servo ficará curado. Os evangelhos são sóbrios por natureza, mas desta vez Lucas expr essa com lucidez o raciocínio do centurião, sem inúteis enfeites ou rodeios de palavras. Jesus mesmo ensinou que devemos saber dizer sim, quando é sim, e não quando é não. “O que passa disso vem do Maligno” (cf. Mt 5,37).
Acredito que esta sinceridade e simplicidade devem caracterizar também, ou sobretudo, a nossa fé. Antes de ser explicitada e declarada no seu conteúdo, a fé deve surgir alegre e aprazível em nosso coração. Não pode ser um peso ou um conjunto de sofisticadas distinções, acolhidas ou não; deve ser uma entrega confiante àquele Deus que assim se fez conhecer, porque assim se manifestou em Jesus e, acreditamos, continua a nos amar e perdoar. A fé pode brotar de algumas simples reflexões sobre a realidade humana. Pensar em nossa própria vida de peregrinos neste mundo pode fazer rir o rei da história, mas é o primeiro passo. No silêncio interior, quando os palavreados se calam, ficamos somente na escuta do nosso coração. Sobressai o essencial. Rezamos para que seja a nossa fé-confiança em Deus-Amor. Para o resto? Talvez uma boa r isada resolva. Rir das nossas complicações é um bom conselho.