Artigo dominical

2090
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

 O Senhor Atílio estava para morrer. Os seus olhos percorriam as paredes do quarto nº 280 da melhor clínica do país.

– As probabilidades estão todas a nosso favor – dizia o médico – Num futuro bem próximo a ciência médica estará em condição de lhe devolver a vida. Com certeza poderemos curar a sua doença e assim o senhor viverá ainda por muitos anos.

O rico Sr. Atílio estava satisfeito com as palavras do médico. Morreu tranquilamente e o seu cadáver foi congelado. Sonhou estar deitado numa linda praia e abriu os olhos. Piscou algumas vezes e viu ao seu lado um homem desconhecido, careca e aparentando certa idade.

– Bom dia – disse o desconhecido.

– Bom dia – respondeu o Sr. Atílio.

– Que pendentes esquisitos o senhor tem nas orelhas – disse o Sr. Atílio.

– Não são pendentes. São antenas e nunca são desligadas – respondeu educadamente o desconhecido.

– Me desculpe, mas em que ano estamos? – Perguntou o Sr. Atílio.

– Em 2090 – respondeu o homem.

– Passou um bom tempo – disse o Sr. Atílio – o meu patrimônio foi conservado?

– Acredito que não, respondeu o desconhecido – tive que desembolsar muito dinheiro para fazê-lo ressuscitar.

– Foi muito gentil de sua parte – retomou o Sr. Atílio – mas… Diga-me: encontraram uma cura para a minha doença?

– Dizendo a verdade, eles tentaram por um bom tempo, mas depois tiveram que desistir.

Assustado, o Sr. Atílio se levantou com grande esforço na cama e disse:

– E agora o que vai acontecer?

– Não fique agitado, por favor; isso não é bom antes de um transplante de coração – disse com calma o desconhecido.

– Entendo – disse o Sr. Atílio, voltando a deitar-se. E perguntou:

-Tem alguma coisa que não funciona no meu coração? –

– Não – disse o desconhecido – no seu não, mas tem alguma coisa que não funciona no meu.

Apesar dos avanços da ciência a nossa condição humana é mortal. Não sabemos mais o que inventar para nos iludir que nunca morreremos. Amamos a vida, mas poderíamos amá-la mais ou amá-la de maneira diferente, sabendo, de antemão, que a deixaremos um dia. A questão não é simplesmente viver mais e mais, é, sobretudo, como viver. Não falo da tão badalada “qualidade de vida”, algo possível, hoje, mas que ainda existe para bem poucos. Falo do significado mais profundo da nossa existência.

Qual o sentido de estarmos neste mundo, nesta condição tão frágil de um lado e tão grande do outro?  Logo aparecem as contradições da vida. Desejamos muito viver, mas sabemos que vamos morrer. Desejamos uma vida feliz e gastamos muitas energias em fazer coisas e juntar bens que, afinal, teremos que deixar para os outros. Percebemos cada vez mais que temos capacidades para criar, inventar, transformar este mundo. Temos grandes possibilidades e, com isso, também, grandes responsabilidades. A esses dilemas cada um reage de forma diferente. Alguns nunca pensam seriamente no sentido da vida. Outros se satisfazem com os sucessos deste mundo e os bens materiais, por mais curta que seja a sua durabilidade. Enfim, há os que olham além desta realidade e buscam algo mais profundo, algo – ou alguém – que desafie os tempos e as limitações humanas. Não pode ser simples curiosidade, deve ser algo que dá sentido e valor a tudo o que fazemos neste mundo e além dele. Ou “alguém” que, ao encontrá-lo, dê luz de eternidade às coisas que passam.

No evangelho deste domingo, Jesus sente compaixão por uma mãe viúva que está levando para o enterro o único filho. Ele se apresenta como o “senhor da vida”, como alguém que pode dizer ao jovem, falecido, de levantar-se para, assim devolvê-lo, vivo, à mãe em lágrimas. Devem ter reparado que isso acontece na porta da cidade – lugar de entrada e saída, um limiar. Lá se encontram duas multidões: o cortejo de quem está levando o jovem falecido para o enterro e o cortejo dos discípulos de Jesus. É exagerado chamar um de cortejo da morte e o outro de cortejo da vida? No entanto esta é a mensagem do evangelho. Jesus é o profeta da vida nova, não simplesmente porque não vamos mais morrer, mas porque, com Jesus, a morte não tem mais a última palavra.

Tudo começa, porém, com a compaixão. Esta é a luz do amor, a luz que dá vida à vida. Sentir compaixão é o primeiro passo para vencer a indiferença, o egoísmo, para nos abrirmos ao outro percebendo, ao mesmo tempo, a nossa fragilidade e, portanto, deixando-nos também amar pelo outro. Esta é a vida nova que Jesus ensinou e viveu. Foi a compaixão do Pai que levou o Filho ao amor total na cruz e à vida nova da ressurreição. Cabe a cada um de nós decidirmos em quem confiar, de qual das multidões queremos fazer parte. A dos discípulos de Jesus ou não. Cuidado, porém, com as falsas promessas. Têm muitos senhores Atílios por aí.

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