Artigo dominical

VOCÊ CONTINUA SENDO UM BOM MENINO
Dom Pedro José Conti, bispode Macapá

É bastante famoso o diálogo acontecido entre padre Flanagan, fundador da Cidade das Crianças no Nebraska e Eddie um garoto de 10 anos que o xerife lhe tinha entregado para ver se  “dava um jeito”. Eddie tinha se tornado assaltante e ameaçava as pessoas com um revolver. Pe. Flanagan teve muita paciência com ele. Tentou conquistá-lo a qualquer custo, chegando a comprar doces e roupa especial para ele, mas o menino era mesmo impossível. Certo dia Eddie se apresentou no escritório do padre e lhe disse em tom ameaçador: – Vamos acabar de vez com esta história. Você tentou me comprar de toda forma. Eu aproveitei e quase cai na sua armadilha. Mas ontem decidi: chega! – Você é tudo fingido! – ainda gritou o rapaz. – Prova isso – o desafiou Pe. Flanagan – se não, fica calado -. – Acabei de dar um chute na freira: o que você me diz? – – Que você continua sendo um bom menino – – Você diz assim, mas não acredita, por isso é falso e mentiroso. Diga se não é verdade?- Pe. Flanagan respondeu com calma: – Um bom rapaz não é aquele que obedece em tudo aos seus mestres? – – Certo – disse Eddie – – Então – retomou o padre – você teve por mestres ladrões e assaltantes, todas pessoas que o levaram ao mal e agiu sempre como um bom aluno. A prova é o chute que deu na freira. – Eddie ficou boquiaberto com este raciocínio. Olhou para padre Flanagan e, pela primeira vez deu um sorriso, mas logo começou a chorar e caiu nos braços do seu exemplar educador. Quando Eddie deixou a Casa das Crianças, dez anos depois, era outra pessoa. – Agora você é um bom cristão, também se ainda meio grosso! – disse Pe. Flanagan ao despedir-se dele.

É sempre uma alegria para pais e educadores ver uma criança, um adolescente ou um jovem corresponder ao carinho e entender quanto é amado, também se aprontou e ainda apronta coisas erradas. Se reconhecer o amor recebido, um dia saberá corresponder. Parece mais difícil acontecer isso para adultos calejados, digamos, por experiências tristes e às vezes, convencidos mesmo que não exista ninguém bom neste mundo, capaz de amar o outro de graça. Sempre deve ter alguma fraude escondida. É difícil para quem foi muito explorado, enganado e iludido, acreditar na sinceridade do amor. No entanto, como cristãos, devemos dizer que existe, sim, alguém que nos amou e nos ama de antemão sem pedir nada em troca, simplesmente esperando a nossa resposta. É Jesus; ele ensinou e viveu tudo isso. O perdão que ele oferecia aos pecadores era a prova do amor infinito do Pai, acima de toda culpa ou mal feito. Era possível começar uma vida nova.

É fácil identificar na parábola dos dois devedores, aos quais são perdoadas as dívidas, as personagens principais da página do evangelho deste domingo. De um lado temos a pobre pecadora, já famosa e reconhecida por todos. Alguém pré-julgado da qual se podia falar com desprezo publicamente. Uma mulher perdida, afinal. Do outro lado temos um homem rigorosamente obediente à Lei, daqueles apontados como bons exemplos a serem imitados, correto, certinho, de fazer inveja.

Jesus não esconde as culpas da mulher pecadora; simplesmente abre os olhos ao fariseu orgulhoso da sua, ao menos aparente, perfeição. Por isso Jesus pergunta a Simão qual dos dois devedores perdoados ficará mais agradecido. Com efeito, entre a prostituta e o fariseu existe a diferença abissal de quem reconhece as suas culpas e quem as esconde ou aproveita da sua aparente honestidade para julgar os demais. A pobre mulher chora, beija e perfuma os pés de Jesus, considerando-se assim indigna de levantar os olhos para aquele homem tão diferente dos outros. Recebe o perdão e a paz e é elogiada pela sua fé. O fariseu esqueceu-se de acolher bem Jesus em sua casa, como quis esquecer-se dos pecados dele achando-os, talvez, uma dívida pequena demais. Pequena mesmo? Pode ser, mas sempre dívida que somente a generosidade do amor pode perdoar. Perdeu a chance de manifestar a sua gratidão.

Jesus reconhece a fé da pecadora arrependida; ele, por sua vez, bota fé na força do perdão. Como deve acontecer com um bom mestre que nunca desiste do discípulo até conduzi-lo num caminho melhor.

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