Artigo dominical

A mentira é feia
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

 Um jovem beduíno, vagando pelo deserto, chegou num lugar onde tinha um poço. Encostada nele, uma jovem muito bonita estava puxando água. O rapaz aproximou-se e disse à moça:

– Estou perdidamente apaixonado por você.

A jovem respondeu:

– Perto da fonte tem outra mulher, tão bonita que eu nem seria digna de ser a sua serva.

O jovem virou-se para olhar, mas não tinha ninguém. Então a moça falou:

– Tanto é bela a sinceridade, quanto é feia a mentira! Você diz que me ama, mas basta que eu lhe fale de outra mulher para que você me vire as costas!

 

Esta simples fábula da Arábia nos lembra a diferença que existe entre o que afirmamos, às vezes com entusiasmo, e as atitudes e as decisões concretas que depois tomamos. Como bem sabemos é muito mais fácil falar do que realizar o que prometemos. Pelas nossas palavras seríamos todos extraordinários, perfeitos, honestos e bondosos. Vice-versa, ninguém seria censurável, falso, mentiroso e nem egoísta. Não existiriam nem pecados e nem defeitos.

Com o evangelho deste domingo, Jesus nos convida a declarar a nossa fé, mas muito mais a colocá-la em prática. Em primeiro lugar, é apresentada a pergunta sobre o que as pessoas pensam dele. De certa forma, cada um pode pensar o que quiser. Nunca, ninguém deve ser obrigado a afirmar o que não acredita. Fé e mentira não podem andar juntas. No entanto é fácil entender que cada maneira de responder traz consequências diferentes. Fazer declarações bombásticas, para depois não aplicá-las em nossa vida seria, afinal, um enganar a nós mesmos antes de mentir para os outros. É por isso que Jesus quer saber dos seus discípulos o que eles pensam dele. Eles já deixaram muitas coisas para segui-lo e agora estão envolvidos com a sua própria missão. Jesus não quer enganá-los: devem saber que seguir o Cristo, o ungido do Pai, significa abraçar também, junto a ele, a cruz, aprender a doar a própria vida para salvá-la.

Não cabe a mim fazer estatísticas ou dividir os que se declaram católicos em grupos ou em categorias. Sempre podemos mudar para melhor, mas também, infelizmente, para pior. Muitos começam bem. Vivem os sacramentos da chamada Iniciação Cristã; ficam emocionados e prometem muitas coisas na hora do batismo, da crisma e da primeira eucaristia. Depois, os anos passam e se esquecem do caminho da comunidade junto à qual começaram a conhecer Jesus. Outros trocam, pulando pra cá e pra lá, buscando recuperar, talvez, o que um dia tinham encontrado e que deixaram escapar.

Estou falando de uma fé sólida, corajosa, atraente e, sobretudo, comprometedora. Perdoem-me a comparação. Mas para a fé, talvez, valha o raciocínio do treinamento, como para qualquer esporte, arte ou conhecimento. Um atleta que deixe de treinar perde a forma: corre menos, pula menos, cansa logo. Os dedos dos músicos perdem a agilidade e algumas pessoas desaprendem a ler, a escrever e a fazer as contas. O que parecia adquirido para sempre, fica perdido e se torna cada vez mais difícil recuperá-lo.

A fé deve crescer com a experiência da vida porque Jesus quer nos ajudar a viver. Ele se oferece para ser o nosso Senhor não para mandar, mas para indicar o rumo, para nos lembrar o que vale mais, para nos consolar e perdoar. Quer nos ensinar a amar de verdade enriquecendo de sentido todos os grandes amores humanos que podemos encontrar ao longo da vida. O amor do homem e da mulher, dos pais e dos filhos, dos amigos e amigas e de quem, em nome do Senhor, dispõe-se a servir os mais pobres e infelizes.

Carregar a nossa cruz para seguir Jesus significa amar sempre aqueles a quem, um dia, prometemos amar, também quando o amor pesa e exige sacrifício e doação. Devemos aprender a sair de nós mesmo, das nossas defesas e interesses, para doar, ao menos um pouco, da nossa vida, do nosso saber, da nossa profissão, da nossa alegria, da nossa fé e da nossa esperança. Podemos ser felizes alegrando os outros; assim gastaremos a nossa vida doando-a cada vez mais. Para isso precisamos provar a Jesus que o amamos. Sem lhe virar as costas. Sem nos deixar distrair. Sem mentiras e falsidades.

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