Artigo dominical

O carrinho de mão
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Numa fábrica havia roubo de mercadoria. Ninguém, porém, conseguia descobrir como isso acontecia. Foi contratada uma firma de investigação só para desvendar o mistério. Os investigadores decidiram conferir tudo o que saía da fábrica, quando os operários encerravam os seus turnos. A maior parte deles esvaziava espontaneamente os seus bolsos e mostrava o conteúdo das sacolas onde levavam a refeição. Tudo parecia normal. Somente chamava a atenção um homem que, todo dia, aguardava a sua vez na fila e atravessava os portões de saída com um carrinho de mão cheio de lixo. Os guardas passavam mais de meia hora conferindo o que, pensavam, podia estar escondido no meio daquela imundície. Nunca encontravam alguma coisa que valesse a pena roubar. No entanto os roubos continuavam. Certa noite, o guarda, já sem muita paciência, disse baixinho ao homem do carrinho:

– Escuta, eu sei que você está escondendo alguma coisa. Isso está me deixando louco. Se me disser o que está fazendo lhe prometo que não vou contar para ninguém.
– Simples – respondeu o homem – eu roubo os carrinhos de mão.

Muitas histórias de esperteza existem por aí. Entre as capacidades da criatividade humana existe também esta. Algumas demoram anos para serem desvendadas, outras se tornam lendas. Podemos nos perguntar se, no evangelho deste domingo, Jesus também quer nos ensinar a sermos “espertos”. Com certeza ele não quer nos propor a esperteza humana que serve para enganar os outros, tirar alguma vantagem e rir, depois, dos que caíram na armadilha. Nada disso. No entanto, podemos falar de uma “esperteza evangélica”.
Jesus quer nos ensinar a fazer cálculos não para enganar os outros, mas para cumprir até o fim a obra para a qual fomos chamados. Uma obra grande, muito grande. Também a guerra contra o mal é muito exigente. Viver o evangelho não é bobagem, algo de superficial, banal e sem valor. Está em jogo a nossa própria reputação. Se não der certo, os outros poderão zombar de nós. Neste caso, será que nós tivemos a ousadia de iniciar uma obra impossível? Nunca o bem vai vencer! Se não conseguimos isso o fracasso será a nossa vergonha!
A meu ver, a esperteza evangélica consiste praticamente em duas coisas. Primeiro devemos ter consciência das nossas fragilidades e limitações. Não seremos nós a resolver tudo, a sermos os grandes vencedores. O que podemos fazer é dar alguns passos conforme as nossas forças. Uma obra grande é sempre realizada através de pequenos avanços, momentos de espera e de paciência. Talvez nunca veremos o resultado final neste mundo; sempre seremos – e devemos ser –  humildes colaboradores. Operários, porém, que nunca desistem porque acreditam e confiam na bondade e na grandeza da obra que afinal, fique bem claro, é obra de Deus.
A outra condição é justamente a total dedicação a esta missão. Isso explica as palavras duras e exigentes de Jesus. É possível renunciar a tudo? Como conseguir nos desapegar dos afetos mais valiosos: pai, mãe, mulher, filhos, e até da nossa própria vida? Será que vão existir mesmo discípulos tão abnegados ou Jesus nos pede renúncias impossíveis? Mais uma vez devemos entender o sentido da radicalidade evangélica e as suas exigências. Quem aceita seguir a Jesus nunca deixa de amar as pessoas ou acaba ficando contra elas. O discípulo ama muito mais porque esta é a obra que o Senhor lhe pede: construir o Reino do amor, da paz e da justiça. Só que este é um amor bem exigente. É um amor de doação e não de egoísmo, de generosidade e não de domínio. Podemos dizer que o Reino começa em casa com as pequenas ações amorosas do dia a dia, junto às pessoas que mais deveríamos amar e servir.
Assim o Reino cresce e se espalha. Através dos filhos que amadurecem e continuam a obra. Através dos amigos que são contagiados pelo exemplo e o testemunho de nossa fé. Tem muitos carrinhos de lixo que podemos jogar fora dos nossos relacionamentos em casa e fora dela. Talvez precise de uma caçamba ou de um carrinho de mão. Mas, cuidado, espertos e decididos sim, ladrões e falsos não.

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