Artigo dominical

O vento
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Um jovem agricultor se encontrou, um dia, com muita dificuldade para pagar ao senhor do Condado o imposto anual da terra, da qual tirava o seu sustento. A quantia que ele devia era bastante elevada e já temia não conseguir angariar todo o dinheiro. Pediu conselho ao seu Rabi. O velho sorriu e lhe disse: “Vai ter com o senhor Conde e pergunta se ele quer lhe vender o vento das suas terras”.

O agricultor foi e fez como o sábio lhe tinha dito. Quando ele apresentou o seu pedido no palácio, todos riram da cara dele. No entanto o nobre conde quis entrar naquele negócio, porque o considerava, afinal, somente uma brincadeira. Na frente de todos os amigos e cortesãos, assinou um contrato regular com o qual cedia ao jovem o uso de todo o vento que soprava em suas terras. Aquela era uma região onde existiam muitos moinhos movidos pelo vento. Logo o senhor conde percebeu o engano. Com efeito, o jovem, todos os dias, ganhava um bom dinheiro cobrando dos moleiros o trabalho do vento.

Mais uma pequena narração sobre capacidade de um pobre resolver o seu problema, enganando o rico. O próprio Jesus, no evangelho deste domingo, conta-nos a parábola de um administrador que roubava e roubou ainda mais do seu patrão. O surpreendente da história é que o patrão prejudicado elogiou o administrador desonesto porque agiu com esperteza.

É evidente, pelas próprias palavras de Jesus, que ele não quis nos ensinar a lucrar com a desonestidade. Simplesmente nos convida a reconhecer a esperteza de quem cuida dos seus interesses, a todo e a qualquer custo, inclusive com o engano, e a inércia dos bons em usar dos bens deste mundo para multiplicar a bondade. Jesus aponta uma finalidade até para o dinheiro ganho com a malícia: usá-lo para fazer amigos, aproveitar do mal feito para realizar um bem.

Cuidado, porém, para não tomar ao pé da letra as palavras de Jesus. Poderíamos pensar que, tendo como fim um bem, seriamos incentivados a fazer algo de errado se esta ação nos permitisse alcançar a meta. Nenhum mal se justifica com a desculpa de obter algo que parece bom. Isto porque deveríamos nos perguntar, de antemão, que bem seria este: um bem talvez para alguns, mas que seria um mal para outros?

Jesus não fica imaginando ou promovendo discussões, ele é sempre mais simples e claro. O bem é aquele feito aos pobres, aos pequenos, aos necessitados, àqueles que um dia nos receberão nas moradas eternas. O bem feito a quem não pode devolver. É o bem sem cálculos, feito, porém, com a esperteza de quem não quer perder nenhuma oportunidade de transformar o lucro, talvez ainda resultado de exploração e de ganância, em solidariedade e partilha. Até chegar o dia em que não teremos mais exploração e lucros injustos, podemos fazer muitos irmãos felizes, podemos “administrar” os bens materiais deste mundo para o bem, a paz e a justiça.

O “verdadeiro bem” de que fala Jesus pode ser simplesmente o amor fraterno, sem ricos demais e sem pobres demais, sem exploradores e explorados, algo de semelhante às primeiras comunidades onde os cristãos se esforçavam para que não houvesse necessitados entre eles (cf. Atos 4,34).

O objetivo deste sonho-projeto de Jesus – que é o sonho do Reino de Deus – é colocar o ídolo dinheiro no seu devido lugar. O “deus” lucro e o “deus” mercado, não pode ser “senhores” tão importantes; “deuses” a serem adorados ao ponto que a eles se possam sacrificar vidas humanas, através da espoliação de direitos e da exclusão social. Talvez seja mesmo o caso de usar mais da nossa tão badalada inteligência humana para realizar um mundo mais justo e fraterno. Quando vai aparecer um “gênio” capaz de multiplicar a solidariedade e a partilha em lugar de multiplicar os lucros? Para quem acredita este “gênio” já veio, já falou e já foi crucificado. Cabe aos seus seguidores ser fiéis nas coisas grandes que ele nos entregou. Se até vendendo o vento um pobre pode melhorar de vida quanto mais deveria ser possível fazer isso praticando a palavra de Jesus cada dia de nossa vida. Sem enganos, porém.

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