Artigo dominical

As duas bolsas
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

 Certo dia, um jovem muito pobre, andando na feira, encontrou uma bolsa com dez moedas de ouro. Agradeceu a Deus pela sorte inesperada e resolveu gastá-las. No entanto sua consciência pesou e ele achou por bem voltar antes para casa para perguntar à mãe o que devia fazer com o dinheiro. Apesar da pobreza total, a mãe não titubeou:

– Volte já ao mercado, encontre quem perdeu as moedas e as devolva!

O jovem obedeceu. Antes ainda de chegar à feira viu um bom grupo de pessoas reunidas e um senhor desesperado, chorando a perda do seu dinheiro.  Pediu licença, apresentou a bolsa que tinha encontrado e perguntou se aquela era a perdida. O homem, rico e avarento, logo reconheceu que era a sua bolsa e a arrancou das mãos do jovem. Entendeu que por estar na frente de tantas pessoas devia dar-lhe alguma recompensa Não quis fazê-lo e inventou uma desculpa gravíssima. Começou a gritar:

– Ladrão, ladrão, aqui tinha vinte moedas de ouro, onde estão as outras?

Assim a confusão foi armada; o jovem foi segurado e ia ser entregue ao juiz, apesar das suas reclamações de inocência. O juiz chegou e logo percebeu a farsa. Se o jovem tivesse querido ficar com o dinheiro, podia ter ficado com tudo e não devolver somente a metade. Por isso, o juiz perguntou por três vezes ao rico:

– O senhor tem certeza que na sua bolsa tinha vinte moedas de ouro?

– Certeza absoluta – respondeu três vezes o rico avarento.

– Pois bem – sentenciou o juiz – cheguei à conclusão que hoje na feira foram perdidas duas bolsas com dinheiro: uma com vinte e uma com dez moedas de ouro. Sendo que ninguém está reclamando pela bolsa de dez moedas decido que esta seja imediatamente devolvida ao jovem que a encontrou e que se continue procurando a outra bolsa com vinte moedas. Quem sabe que ainda esteja por aí.

Coisas de outros tempos, sem dúvida. Talvez mais humanos. A parábola do evangelho deste domingo nos fala de um juiz corrupto que, porém, acaba fazendo justiça a favor de uma viúva por causa da insistência dela. Desta maneira, o Senhor quis nos ensinar a nunca desistir da oração e conclui com uma pergunta sempre questionadora: “Mas o Filho do homem, quando vier, ainda vai encontrar fé sobre a terra?”

Fé e oração só podem estar juntas. Quando estão separadas é para pensar se uma das duas, de fato, não esteja faltando. Se não temos fé, se não confiamos naquele que invocamos, a nossa oração serve somente para nós mesmos. Não tem ninguém para escutar e acolher o nosso pedido.  Do outro lado, dizer que temos fé, mas nunca invocarmos Aquele que está sempre pronto a nos escutar, significa ter uma fé vazia e, portanto, também inútil. Este “deus” não nos interessa.

Eu sei que muitos não aceitam estas considerações e se desculpam dizendo que têm fé, mas que, porém, preferem rezar sozinhos. Cada vez mais, a sociedade de hoje reduz a religiosidade de uma pessoa a uma questão particular. Cada um acredita se quiser e em quem quiser. Do mesmo jeito reza como quiser e a quem quiser. Ninguém mais precisa de igrejas, reuniões, mestres, ministros de culto e pastores. Ou escolhe quem mais lhe agrada. A tentação de cair neste “reducionismo” da fé e da oração é muito grande e, vamos ser sinceros, cômoda.

Cada um pode construir o deus que bem quiser, a sua própria imagem e semelhança, com as regras decididas por si mesmo, para ter a sua consciência em paz, sem precisar confrontar-se com outros ou acolher uma Palavra que, para quem acredita, vem de Deus, mas que os grupos religiosos parecem interpretar cada um do seu jeito. Uma bela gritaria e uma bela confusão.

Resultado: este “deus”, que afinal sou eu mesmo, cansa porque não tem nada de novo, nada cobra e tudo deixa passar. Portanto não é ninguém que me aguarde e se preocupe por mim. Um Deus sem rosto não pode ser um Deus de amor. Com isso, a oração é a primeira atitude que acaba e logo em seguida a fé esfria até se apagar. Diferente é para quem conhece bem o seu Deus, acredita que é amado por Ele e que pode amá-lo em resposta. A oração pode ser um pedido insistente, o grito de um pobre pecador, mas também pode ser o louvor e a gratidão de um filho que reconhece a bondade do Pai. Somente assim a fé continuará viva neste mundo.

Talvez estejamos precisando de algum “juiz” honesto que desmascare as nossas farsas.

  • Alcinéia, sempre vou à missa aos domingos e, às vezes, na pressa do sermão, nem sempre o padre consegue transmitir, com perfeição, as palavras de Cristo, que por vezes é “incompreensível”, Por isso, quando leio Dom Pedro, tudo fica infinitamente mais claro…!

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