Artigo dominical – A galinha e o milho

A galinha e o milho
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

 Uma galinha estava sentada no galinheiro, tranquila, sem nenhuma preocupação. De repente, na porta do galinheiro, apareceu um homem. Ela ficou com medo e fugiu. Quando voltou, o homem não estava mais lá, mas tinha milho no cocho. A galinha, cheia de curiosidade científica, começou a pensar: de onde vem o milho? No dia seguinte aconteceu a mesma história: quando a galinha voltou, encontrou novamente milho no cocho. Começou a suspeitar que tivesse alguma relação entre a vinda do homem e o milho. Era muito cedo para formular uma teoria; precisava ter mais dados e evidências. Observou que o caso se repetiu por 999 vezes. A galinha cientista e filósofa chegou à conclusão que entre o homem e o milho tinha uma relação de causa e efeito. Toda vez que aparecia o homem, aparecia também o milho. Estava comprovado que devia se tratar de uma lei incontestável da natureza. Assim, decidiu esperar o homem sem mais fugir. Este chegou pela milésima vez e a galinha correu ao encontro dele para agradecê-lo. O homem pegou a galinha e preparou o almoço.

Dá para rir, mas também para pensar, sem precisar de tanto rigor “científico”. Um pouco de milho bastou para ganhar a confiança da galinha e aproveitar dela.

No evangelho deste domingo, Jesus faz uma afirmação que parece mesmo uma certeza incontestável: “Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam” (Mc 10,42). Pelas palavras dele, esta situação parece bem conhecida por todos, algo de óbvio e indiscutível. Podemos pensar que aqueles eram os tempos do Império Romano e acreditar que hoje estejamos vivendo outra situação. Sem dúvida. Ao longo destes séculos, a chamada “democracia”, ou seja, o governo do povo, deu grandes passos. No entanto, muitas vezes, temos a impressão de estar ainda muito longe de uma verdadeira participação popular nas decisões que dizem a respeito à vida da maioria dos cidadãos. Alguns dias atrás, um juiz do STF disse, num desabafo na frente das telecâmeras, que estamos vivendo numa “cleptocracia”, ou seja, um governo de “ladrões”. Vamos parar por aqui. Algo mais preocupava a Jesus.

Entre os seus discípulos, alguns estavam querendo ocupar os lugares de prestígio e de poder. Eram os filhos de Zebedeu. Dois entre os primeiros que tinham deixado tudo para segui-lo, mas ainda tinham na cabeça os critérios humanos, baseados na ambição e no poder, algo muito difícil para se conquistar. Para isso, eles estavam dispostos a lutar e a sofrer com o Mestre. Darão a vida, sim, mas por causa do Evangelho, não para dominar ou tiranizar as nações porque, explica Jesus, continuando as palavras lembradas antes: “…entre vós, não deve ser assim” (v.43).

Para os seguidores dele, os critérios são outros: o contrário da mentalidade do mundo. Simplesmente porque Jesus não veio para ser servido, mandar e desmandar, mas para “dar a sua vida em resgate para muitos” (v.45). A palavra “resgate” é difícil para nós, mas era muito familiar para aqueles ouvintes. Os pobres e os pequenos estavam à espera do um tempo “jubilar”, um tempo de perdão de todas as dívidas (cf. Lv 25,23-55). Com efeito, ao longo dos anos, pelos erros ou pelas circunstâncias da vida, alguém podia ter contraído dívidas e correr o perigo de perder a terra ou a liberdade sua e da sua família, vendendo-se a si mesmo. Nesse caso, quem devia pagar o “resgate” era o parente mais próximo. Um gesto de solidariedade que humanizava as relações sociais e a economia.

Jesus quis, e quer, ser o nosso irmão, o nosso “parente” mais próximo. Assumiu a nossa humanidade, fez-se servo-escravo para libertar os irmãos caídos na escravidão do pecado e da morte. Para isso, está pronto a dar a sua própria vida. Nada de poder ou opressão, de exploração ou domínio, mas sim libertação e vida nova para todos os que se deixar amar por ele até o fim. Exemplo de generosidade, uma vez por todas, sem pedir nada em troca, puro amor. Dá para confiar nele?

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