Artigo dominical – O grande espelho

O grande espelho
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

 Numa grande cidade, houve uma exposição de quadros artísticos. Como acontece nessas exposições, há muitos que vão para se fazer de entendidos em arte ou para se exibir. Na antessala da exposição, colocaram um grande espelho. Talvez para ajudar os visitantes a se recomporem, após ter caminhado pelas ruas agitadas. Entre os primeiros visitantes, tinha uma senhora bem vestida e coberta de cosméticos. Ao chegar à frente do grande espelho, ficou indignada e começou a reclamar: – Vejam só! Pela amostra já se vê que tipo de exposição vai ser esta. Olhem este espantalho, aí no quadro, é horrível! Quando lhe disseram que aquilo era simplesmente um espelho, ela ficou toda envergonhada, mas já era tarde para remediar o estrago. Explicação: havia tempo que ela não se olhava no espelho para não admitir que a sua idade avançava.

Estamos iniciando o tempo litúrgico da Quaresma e sempre encontramos a página do evangelho das tentações de Jesus no deserto. Este ano, lemos a versão de Lucas. Não é difícil entender que quem escreveu quis apresentar uma síntese de todas as tentações que Jesus teve que vencer para cumprir a sua missão, mas, indiretamente também, este é o resumo de todas as tentações da aventura humana. As necessidades e os medos representados pela fome, podem nos levar a aceitar qualquer oferta ou oportunidade que acreditamos seja boa para o nosso interesse, sem levar em conta a verdade, a justiça ou o bem dos outros. A ilusão do poder e da sua glória passageira são ídolos exigentes; cobram uma verdadeira adoração apagando valores e sentido da vida. Por fim, tamb&eacut e;m o nome de Deus pode ser explorado para vantagem própria, desvirtuando o papel autentico da religião.

Às investidas do “diabo”, Jesus responde com as palavras da Escritura, recolocando o poder, a glória de Deus e a sua própria pessoa no devido lugar. Com efeito, o primeiro passo de toda tentação é confundir a situação. Por que escolher o difícil se existe um caminho mais fácil? Por que deixar de ser rico e poderoso se isso está ao alcance das nossas mãos? Por que nos preocupar com Deus e com os demais irmãos se, afinal, nós somos diferentes, superiores, merecedores de ter muito mais na vida? Seria burrice desperdiçar uma chance dessas. É por causa dessas distorções que caímos na tentação da ganância, do poder, de querer ser deuses.

No fundo essa é a história de cada um e da humanidade toda desde o início. Depois, como Adão, descobrimos que estamos nus, que somos pobres, e… mortais. Pensando bem, não está errado querer ser “como” Deus; é a nossa ideia de Deus que está equivocada. Jesus veio para nos ensinar isso. O Deus, Pai de Jesus, não é o Deus poderoso que quer dominar e esmagar o ser humano. Não tem sentido competir com ele. Ele não vai disputar o poder deste mundo porque não lhe interessa. Não vai resolver milagrosamente todos os problemas, porque quer que nos tornemos construtores da justiça e da paz, praticando a fraternidade e a partilha. Em Jesus, Deus se revelou como nosso companheiro de caminhada, acompanhando-nos – e isso é sempre difícil de entender – até à morte.

A “salvação” que Jesus veio nos oferecer pede a nossa colaboração, a nossa escolha livre e consciente, requer a coragem de vencer as tentações do egoísmo e do bem-estar individual para dar força ao amor. Infelizmente, o ser humano continua desconfiado, cultivando os seus sonhos de grandeza e de poder. Assim os conflitos não acabam e as disputas consomem grande parte das nossas energias. É urgente fazer um jejum prolongado das nossas ambições de grandeza. Com Jesus, precisamos aprender mais a misericórdia e a solidariedade. A primeira condição, porém, é ser sinceros com nós mesmos. Basta nos olhar no grande espelho. Ainda não percebemos que a nossa vida está passando e nós perdendo tempo com buscas inúteis e vazias? O nosso aspecto é mesmo ho rrível! Mas ainda dá para remediar, antes de passar vergonha; de vez.

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