As mãos vazias – Dom Pedro José Conti

As mãos vazias
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Após sua morte um homem se apresentou em frente ao Senhor. Cheio de orgulho mostrou as mãos e disse:

– Veja, Senhor, como as minhas mãos estão limpas!

O Senhor sorriu para ele, mas, cheio de tristeza, disse-lhe:

– É verdade, mas também estão vazias!

Domingo, encontramos o evangelho conhecido como o da “viúva de Naim”. Ao chegar àquela cidade com os seus discípulos e uma grande multidão de seguidores, Jesus encontrou outra turma. Estavam levando para o enterro um jovem, filho único de uma viúva. Ao ver as lágrimas daquela mulher, Jesus sentiu compaixão. Disse para ela não chorar; parou o cortejo, ordenou ao jovem que levantasse e o devolveu, vivo, para a mãe. Vendo o acontecido, o povo comentou: “Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o seu povo”.

Mais uma vez, neste Ano Santo da Misericórdia, encontramos Jesus sentindo e praticando a compaixão. Segundo o evangelista Lucas, ele é extremamente humano; sabe chorar com quem chora. Na sua frente estão um jovem cuja vida acabou e uma mãe ainda viva por fora, mas talvez já morta por dentro; sem mais vontade de viver, sem mais razões para viver. Não existe somente a morte biológica. Existem muitas outras mortes quando experimentamos o vazio da existência. Dentro das suas possibilidade, Jesus não fica só lamentando, como aquela multidão acabrunhada que, de fato, não tinha condição de fazer outra coisa: ele age e faz que o jovem volte a viver. Foi somente um sinal, mas o suficiente para revelar a todos, e para sempre, que a vontade última do Pai não é a morte, mas a vida.

Ainda passamos pela morte. Somos todos iguais neste caminho, mas não vivemos só para esperar o dia fatídico do traspasso, preparamo-nos para uma nova vida, a vida plena, aquela verdadeira que somente o Deus da Vida pode dar. O que aconteceu com o aquele jovem foi, de fato, uma sobrevida, somente alguns anos a mais. Foi o mesmo com todos aqueles que Jesus acordou do sono da morte. Foram anos mais felizes? Valeu a pena viver de novo, viver mais? A princípio, claro, que sim. Na realidade, não sabemos, a não ser que façamos coincidir o valor de uma vida com o número dos seus anos. Se fosse assim, Jesus não foi tão feliz. Ou foi?

Lanço uma pergunta: o Senhor – como Luca o chama – sentiu compaixão de quem ou de que? Da mãe e da sua dor, diz o evangelho. E pelo filho jovem, morrido na flor da idade, Jesus não teve compaixão? Talvez sim, mas Lucas não fala. No fundo, penso que Jesus nos deu um sinal que teve compaixão de todos, incluindo também nós. Quando morre alguém todos lamentamos, também se sabemos que antes ou depois isso iria acontecer. Ninguém é eterno. Mas, o que mais lamentamos? Os laços familiares interrompidos, o amor esvaziado por falta de quem nós amávamos. Não que tudo fosse sempre a mil maravilhas, sejamos sinceros, mas a morte nos tirou a possibilidade de amar mais, de corrigir erros, de fazer aquilo que sempre deixávamos para depois. Talvez de perdoar. Essa possibilidade desapareceu. Com a morte de uma das partes, não haverá mais um “depois” entre as duas.

Jesus teve compaixão do amor que faltava. Das palavras que podiam ter sido ditas e não serão mais pronunciadas; do afeto, do carinho, do tempo doado, que tinham sido deixados para outra oportunidade. Nunca mais teria essa oportunidade. Nem para fazer o mal, evidentemente. Contudo, o que arde no coração de quem fica e se despede de quem morre é o amor que faltou manifestar, oferecer, doar. Quantas ocasiões perdidas! Também se aquela mãe e aquele filho tivessem sido a melhor família do mundo, Jesus lhes ofereceu mais tempo, mais oportunidade, para inventar novos gestos e novas palavras de amor: dizer o que não deu tempo de dizer. Será por isso que o jovem acorda e… começa a falar?

Esse foi o sinal de Jesus; da sua compaixão com todos aqueles e aquelas que deixam o amor para depois. Sempre tem coisas mais urgentes para fazer.  É das nossas mãos vazias de bem que devemos ter medo, não da morte. Enquanto tiver possibilidade, devemos aproveitar. Amanhã pode ser tarde.

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