Crise alimentar, crise humanitária

Crise alimentar, crise humanitária
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

“Nenhuma região do planeta está isenta de uma possível crise alimentar bem próxima causada pela pandemia covid-19. A Organização das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura (FAO) em conjunto com o Programa Alimentar Mundial (PAM) prepararam uma lista de ao menos 27 países que correm o risco da fome e, em alguns casos, já estão vendo o desgaste da insegurança alimentar experimentando um aumento considerável do número de pessoas levadas à fome extrema”. Isso revela o relatório das duas Agências da ONU apresentado à imprensa alguns dias atrás. Nos próximos meses, as previsões, para alguns países da Ásia, da América e da África, são das piores. Também porque alguns desses países já viviam uma crise alimentar grave antes da pandemia. As causas s&at ilde;o d iversas: recessão econômica, instabilidade e insegurança, eventos climáticos extremos como seca ou inundações, pragas na agricultura. Como será o futuro? Quantos milhões de seres humanos morrerão pela fome? Quantas crianças não desenvolverão as suas capacidades por causa da desnutrição? O que acontecerá no Brasil?

No domingo do evangelho da “multiplicação” dos pães e dos peixes começo a minha reflexão com essas notícias. Não é uma historinha imaginária. É a duríssima realidade de milhões de seres humanos como nós, com as mesmas necessidades de alimento e de água. Com a mesma vontade de viver! Mas o que podemos fazer? Todos nós nos sentimos impotentes frente às dimensões da crise, no entanto a nossa consciência de cristãos e de pessoas “humanas” não pode nos deixar indiferentes. Se acreditamos, as palavras de Jesus podem nos ajudar a entender e, espero, também a agir.
A primeira palavra é “compaixão” (Mt 14,14). Ao sair do barco, Jesus vê o povo e se enche de compaixão. É o sentimento de quem abre o seu coração para deixar entrar o sofrimento dos outros. A dor alheia se torna também a nossa. Mexe conosco. O contrário, evidentemente, é fechar os olhos, virar as costas e esquecer ou a desculpa de sempre: eu não sabia! São tantas as formas para calar a nossa sensibilidade. Curioso: choramos e torcemos para que o bem triunfe assistindo a filmes e telenovelas, mas estamos prontos a julgar um pobre como preguiçoso e vagabundo. Quando desistimos de ser “humanos”, deixamos também de sermos imagem e semelhança de um Deus que se revelou amoroso e compassivo.

A segunda palavra de Jesus é um verdadeiro desafio para os discípulos: – Dai-lhes vós mesmo de comer! (Mt 14,16). Eles só têm “cinco pães e dois peixes”. Pouco demais para a fome da multidão. Contudo, dá para começar. Talvez o segredo esteja nisto: ousar algo novo, algo que parece impossível. Arriscar a partilha, arriscar uma nova economia mundial. Ilusão? Papa Francisco sempre nos fala para sermos criativos, de abrir caminhos novos, de não esperarmos pelos outros. Não é possível que uma humanidade tão fecunda de tecnologia nas comunicações, nas armas letais, nos gastos enormes para shows espetaculares, não saiba o que fazer para resolver a fome no mundo. Estamos chegando em Marte, mas estamos “perdidos” ainda por aqui, no planeta Terra, porque estamos “perdendo” milhões de vidas humanas.

A terceira palavra de Jesus é: – Trazei-os aqui (Mt 14,18). Ele pede que confiem nele, que acreditem que o impossível pode acontecer com a compaixão e a partilha. Mas não só naquele momento, por causa daquela fome, mas sempre. Jesus nos pede para aprendermos com ele a vencer o medo de sermos mais fraternos e solidários. É por isso que o evangelista Mateus nos deixa perceber, antecipadamente, os gestos da Eucaristia, o que Jesus fará na despedida da Última Ceia. Esse é o “milagre” que não pode parar de acontecer: uma turma de discípulos que continua a manter viva a memória-presença de Jesus, reparte o Corpo e o Sangue dele, para construir uma humanidade “nova” de irmãos, sem ódio, sem ganância, sem fome. A Eucaristia não é só “comunhão” com Jesus sacramentado, é também comunhão com aqu ele Jesus que está com fome e que um dia vai nos dizer “foi a mim que o fizestes”.

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