O livro de fábulas – Dom Pedro José Conti

O livro de fábulas

Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Foi um pai que contou este fato. “Toda noite a minha filhinha queria que eu lesse uma fábula antes de adormecer. No meio da história, ela já dormia. Logo, eu a colocava na cama. Estava cansado de ler sempre as mesmas coisas. Assim, certo dia, entrei numa livraria em busca de algo novo. A última novidade eram os audiolivros, ou seja, gravações de livros lidos por profissionais. Comprei logo uns dois audiolivros de fábulas para crianças e relativo aparelho para escutar. Uma maravilha! Ensinei à minha filhinha como tudo funcionava e ela ficou feliz. Ela ligava o aparelho, a história começava e ela…dormia. Funcionou por algum tempo. Depois, uma noite, minha filha me empurrou o velho livro de fábulas e me pediu para lê-lo novamente. Eu disse:

– Querida, não precisa eu ler. Já sabe como funciona o aparelho, é só ligar.

– Eu sei – me respondeu a criança – mas eu não posso me sentar no colo dele! – entendi o que minha filha mesmo queria. Não era a fábula, mas a mim, seu pai.”

No Quarto Domingo de Páscoa, sempre encontramos uma página do capítulo 10 do evangelho de João que fala do Bom Pastor. Além disso, é o Dia Mundial de Oração pelas Vocações. Todas as vocações, mas de maneira especial rezamos pelas vocações sacerdotais, religiosas e missionárias. Sem esquecer as nossas famílias, porque a família é o berço de todas as vocações. Foi Jesus quem mandou rezar, porque “a colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos” (Mt 10,37-38). Foi assim foi desde o começo: “chamou os que ele quis” (Mc 3,13). Nós devemos rezar pel as vocações, porque sentimos sua falta, mas é ele quem chama porque só ele sabe quantos e quais “pastores” precisam para sua Igreja.

É sempre bom lembrar que somos todos “chamados”, qualquer que seja a nossa situação pessoal, a sermos “testemunhas” do Evangelho de Jesus. Ele convida todos a segui-lo, também se de formas diferentes, e é nesta variedade de “vocações”, de serviços e ministérios, que se manifesta a riqueza da Comunidade dos seus discípulos. Os caminhos de santidade são diferentes, mas a meta, a construção do Reino de Deus, é a mesma para todos. O grande segredo da vida cristã é nos deixar envolver nesta “missão”.

Com efeito, Jesus não deixou nada escrito e nem um retrato, Ele chamou pessoas reais para continuar a repetir, explicar e viver as suas palavras. Quando praticamos o bem e a justiça, quando amamos e perdoamos, quando somos perseguidos por causa do Evangelho, somos a memória viva dele “vivo”. Não contamos a história antiga de um homem do passado, por glorioso e famoso que tenha sido. Com a nossa vida contamos a obra de Jesus que continua a querer buscar as pessoas, as suas ovelhas perdidas, escondidas, esquecidas. Nós todos somos chamados a emprestar-lhe a nossa voz para que outros irmãos e irmãs possam ouvir, novamente, aquelas mesmas palavras como ditas a eles e a elas, a cad a um e a cada uma. É a maravilha de chamar e nos sentirmos chamados pelo nome, reconhecer a voz de quem nos chama, saber quem é, saber que se interessa por nós, porque nos ama. Isso muito além do anonimato das nossas cidades, dos meios de comunicação de massa, das redes sociais, onde é fácil mentir e se esconder, porque tudo é de todos, muitas vezes sem consciência e responsabilidade. Por isso, Jesus precisa de “testemunhas”, de pessoas reais, concretas, apesar dos seus defeitos e limitações. Porque ainda, hoje, ele quer encontrar, conversar, explicar, abraçar, perdoar, repartir o pão de cada dia e o pão da Eucaristia. Nenhum livro, nenhum gravador, nenhum filme, nenhum WhatsApp pode substituir a amizade e a aproximação de um irmão ou de uma irmã. Jesus foi “gente”, não foi uma “ideia” ou um “esp& iacute;rito”. Por isso, chamou e chama pessoas; enviou e envia pessoas. Manda lançar as redes para pescar sempre a humanidade. Ainda quer carregar a todos nos seus ombros de Bom Pastor. Ou no colo? Tanto faz. Talvez somos nós que esquecemos a sua voz e o seu ombro. Será que o trocamos por algum aparelho?

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