O ouro do avarento

O ouro do avarento
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Um avarento juntou tudo o que tinha e o transformou numa barra de ouro que enterrou em seu jardim: com ele enterrou, também, sua alma e todos os seus pensamentos. Desde então, diariamente, ia inspecionar seu tesouro. Um de seus empregados, observando aquele vaivém, viu logo de que se tratava.  Desenterrou a barra de ouro e levou-a. Pouco depois, o avarento foi fazer sua inspeção. Quando viu o buraco vazio, começou a se lamentar e a arrancar os cabelos. Vendo-o nesse estado, um transeunte perguntou o que tinha acontecido e, compreendendo o que afligia o avarento, disse-lhe: “Por que ficar assim desolado? Tinhas o ouro e ao mesmo tempo não o tinhas. Basta pôr uma pedra no lugar onde estava a barra de ouro e imaginar que ele está lá. Pelo que vejo, mesmo quando o ouro estava lá, não fazias uso dele”.  Ter bens e não usufrui-los é mesmo que não ter.

A antiga fábula de Esopo nos ensina que ter um tesouro, mas não conhecer o seu valor ou, simplesmente, guardá-lo e não usá-lo, é como se não o tivéssemos. Assim penso que aconteça com muitos que se declaram cristãos, mas, depois, apressam-se a dizer que não são praticantes. Pode ser que, para desculpá-los, nunca tenham tido a possibilidade de apreciar, de verdade, o valor do presente que receberam quando foram batizados. Ou, apesar de achar bonito o fato de ser cristãos, por enquanto, não sentem necessidade disso para caminhar na vida. Assim a luz da fé fica escondida e não lhes serve para nada.

 

Com o primeiro domingo de dezembro, iniciamos o novo Ano Litúrgico e o Tempo de Advento, os dias que nos preparam para o Natal. Se fosse pelo comércio, já estaríamos celebrando as Festas de Fim de Ano, mas, como cristãos, nos damos de presente um pequeno tempo para lembrar e reconhecer o valor e o sentido desse evento. A fé cristã não é algo que se adquire uma vez por todas ou que seja reduzível a algumas questões doutrinais. A lista de verdades que repetimos de cor, quando rezamos o Credo, são mais que afirmações, são, perdoem a comparação, quase que a carteira de identidade do cristão, que se reconhece com filho amado daquele Deus no qual professa acreditar.

Como os traços de uma pessoa vão se formando ao longo da vida e são o resultado de herança biológica, mas também da educação recebida, sobretudo na formação do caráter, assim também a personalidade de cada cristão. Além disso, nós acreditamos nas maravilhas do Espírito Santo que distribui os seus dons com generosidade, dando coragem aos medrosos, sabedoria aos humildes, perseverança aos fracos. Por isso, não tenho dúvida em afirmar que a fé é um dom comparável a um tesouro preciosíssimo, mas do qual nem todos sabem apreciar o valor e a serventia na própria vida. Se, depois, à Fé juntamos a Esperança e a Caridade, também dons do Pai, nada falta ao cristão para cumprir a sua missão de paz e de amor ao longo dos poucos dias que passa neste mundo. No entanto &eacut e; fácil esquecer ou desvalorizar a fé, jogá-la fora ou deixá-la num canto, achando-a inútil ou até um empecilho para as próprias ambições individuais. Talvez, como muitas vezes acontece, descobrimos o valor de alguém, ou de alguma coisa, quando a perdemos.

A Igreja, como uma boa mãe, tem muita paciência e repete sempre de novo o anúncio da fé e do amor de Deus. Proclama de muitas formas a grandeza e a misericórdia do Pai, a obediência amorosa e exemplar do Filho e a incansável animação do Espírito Santo, fogo de toda missão. Se recomeçamos com o Tempo de Advento e, depois, com o Natal é porque a primeira descoberta do amor de alguém para nós é o sua atenção, a sua aproximação gratuita, sem cobrança ou interesse. Pura generosidade. Mais ainda quando, conscientemente ou não, gritamos por socorro, perdidos e confusos nas encruzilhadas da vida. Na escuridão, uma luz é sempre bem-vinda. A luz da fé, por fraca que seja, já serve para encontrar o caminho rumo ao único bem insubstituível, para encontrar o qual vale a pena deixar todo o resto: o próprio Deus e o seu amor infinito. Pensar que uma pedra e a nossa imaginação resolvem é pura ilusão. O verdadeiro Deus não tem substituto.

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