O soldado e o ovo

O soldado e o ovo
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Num hospital servido pelas Irmãs de Caridade, achava-se um soldado em tratamento. Certo dia, pediu que lhe trouxessem um ovo cozido. Poucos instantes após, uma das irmãs servia ao enfermo o ovo cozido; mas aquele indivíduo, querendo provar a paciência da religiosa, rejeitou o ovo, bruscamente, dizendo:

– Está duro demais.

Retirou-se a Irmã, em silêncio e, depois de alguns minutos, trouxe outro ovo; mas o doente o rejeitou, de novo, alegando:

– Está mole demais.

Sem mostrar o menor indício de impaciência, foi a Irmã, pela terceira vez, à copa e trouxe ao soldado um vaso com água fervente e um ovo fresco e disse-lhe com toda calma:

– O senhor tem aqui tudo o que é necessário para cozinhar o ovo, prepare-o do modo que lhe agradar.

Essa paciência inalterável da boa religiosa causou ao soldado tal impressão que não pôde deixar de exclamar:

– Agora compreendo que há um Deus no céu, uma vez que há tais anjos na terra. Por aí se vê que pela paciência se pode fazer um grande bem ao próximo.

O evangelho deste domingo nos apresenta, entre muitas outras coisas, a situação do amigo “impertinente” que de noite perturba a tranquilidade do vizinho pedindo-lhe comida emprestada por causa de uma visita inesperada. É tão grande a insistência do homem, que o outro vai atende-lo, diz o evangelho, se não por amizade para se ver livre dele e, digamos nós, voltar a dormir em paz. É evidente, porém, que o principal assunto desta página de Lucas não é a paciência do amigo – ou a própria paciência de Deus – mas a oração. Vendo Jesus rezar, os discípulos pedem que ele os ensine. Temos aqui a versão do Pai N osso segundo o evangelista Lucas. Somente um pouco mais curta da que usamos na liturgia e que encontramos no texto paralelo de Mateus.

Podemos resumir o ensinamento de Jesus dizendo que a oração deve ser, em primeiro lugar, “confiante”; como a atitude de um filho pequeno que, se espera, confie serenamente no próprio pai. Somente pais que não amam os seus filhos deixam de satisfazer os pedidos simples – peixe, ovo – que estes lhe apresentam. Outra característica da oração cristã deve ser a “perseverança”. Pedir ao Pai, insistentemente, não é uma humilhação para os filhos, mas sim o reconhecimento que não tem outro pai, mas somente um no qual confiam plenamente. Nesse sentido, a oração se torna também “de entrega”; a nossa vida está segura nas mãos e no coração de quem nos ama e que nós também amamos. Por fim, para não pensar que “busca” signifique pedir qualquer coisa e de qualquer jeito, Jesus nos ensina a pedir o dom do Espírito Santo. Sem a luz do Espírito a nossa oração correria o perigo de ser egoísta, interesseira e, quem sabe, capaz de pedir até vinganças e castigos para irmãos e irmãs que, infelizmente, ainda consideramos inimigos e não filhos do mesmo Pai misericordioso.

Quantas lições encontramos nesta página do evangelho! Por exemplo, para os pais que se acham na obrigação de satisfazer qualquer pedido dos seus filhos. Nesse caso, eles precisam também de “discernimento”, de “inteligência” e de “sabedoria”. Para todos os cristãos que desistem facilmente da oração, porque fraquejam na fé ou acham que Deus os ama pouco, porque não satisfaz na hora os seus caprichos. Esses precisam de muita “fortaleza”. Para todos aqueles que pensam ser Deus um velho bonachão, um inútil, fácil de se enganar, que – se ainda não desapareceu – irá passar a mão na ca beça de todos e de qualquer jeito, e, por isso, nunca rezam, porque, afinal, Deus não é coisa séria. Esses precisam mesmo do “temor de Deus”. Viram como foi fácil lembrar alguns dos dons do Espírito Santo? E ainda podemos pedir a fé, a esperança, a caridade. Precisamos de paz, de união, de honestidade, de “vergonha na cara”, e assim por diante. No entanto, insistimos em pedir sobretudo saúde, dinheiro, sucesso e poder. Que o Espírito Santo me perdoe: ele é mais do que a panela para cozinhar a nossa oração, ele é o fogo! É o que nos falta muito.

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