O valor da vida x o interesse obscuro da pequena burguesia

O valor da vida x o interesse obscuro da pequena burguesia
Valdice Holanda*

Interessante esse “debate” promovido pela Comissão de Educação da Câmara Municipal de Macapá – CMM sobre o retorno às aulas presenciais. Primeira observação a ser feita é a ausência de representação de trabalhador da educação, uma vez que a secretária de educação não nos representa.

Participaram do “debate” um conselheiro tutelar, um promotor de justiça (único que demostrou imparcialidade, e portanto, fez o contraponto), a secretária de educação municipal, a presidente do SINEPE (Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino) e um conjunto de profissionais da saúde, que foram uníssonas em dizer que as aulas presenciais podem e devem voltar, independente da existência de uma vacina.

Esses profissionais disseram que as aulas devem retornar porque o índice de mortalidade por Covid-19 entre as crianças é 37,5% vezes menor que em adultos, menos de 1%. A mortalidade é menor, mas existe. Portanto, pergunto aos pais: “Quem quer receber esse ‘bilhete de loteria’ premiado ao contrário?”.

Muitas falas em defesa de retorno às aulas presencias foram apoiadas pelo discurso dos efeitos psicológicos sobre a crianças, que já estão há muito tempo longe da “tia”. Do apelo que elas fazem para voltar à escola e poder ver a “tia” e os coleguinhas.

Houve até apresentação de estudo europeu com a indicação de que as escolas deveriam ser o último recurso que os governos deveriam usar para controlar uma pandemia. Os governos erraram. Melhor seria se tivessem mantido o ensino presencial e muito mais pessoas, morressem. Assim, a pandemia se encarregaria de fazer a tão sonhada “limpeza étnica” de Hitler.

Foi falado também que as famílias estão aterrorizadas, apavoradas, desinformadas e que aquele debate e as informações ali apresentadas eram para informá-las. “Só que não”, como dizem meus alunos.

Realmente senti falta de representação sindical do trabalhador da educação nesse “debate”. A transmissão e mortalidade entre crianças pode ser baixa, mas a escola não é formada apenas por crianças. Há os trabalhadores da escola, os familiares da criança e há crianças com comorbidades. Além disso, a recomendação das organizações de saúde, é manter o distanciamento social. “Como isso será possível em salas de aula superlotadas?”. Ainda tem o uso de máscara. Nem adultos, que tem maturidade, fazem uso correto desse item de segurança, imagine a criança, que não tem maturidade suficiente para compreender a importância da proteção facial.

A escola particular, que teve representação no “debate”, por meio do seu sindicato, garantiu as medidas sanitárias para o retorno. E a escola pública, que vive uma realidade totalmente diferente e precária, será que terá como garantir todas as condições e recursos necessários para a volta às aulas: medidor de temperatura, tapetes sanitizantes, adequada higienização das salas a cada troca de turno, equipamentos de proteção para alunos e profissionais da escola? Na escola pública falta papel higiênico, sabão e até pia nos banheiros. Aliás, até quando teremos sabão nas pias instaladas para o retorno às aulas? Será que os professores precisarão coletar para comprar o sabão e o álcool, quando acabar o que for disponibilizado pelo poder público? Sim, triste realidade da “tia coleta”, que já virou cultura nas escolas, para que o professor possa trabalhar.

Outra fala interessante foi a comparação com a abertura de bares e balneários. Levar a criança ao shopping ou ao balneário é facultativo a cada pai e de responsabilidade deste. Eu continuo em isolamento, pois entendo que a pandemia não acabou. Todavia, no caso de retorno às aulas, quem será o responsável quando a primeira criança morrer por contaminação na escola?

O retorno das aulas presenciais é importante? Sim, sem dúvida alguma. Entre tantos outros problemas, essa pandemia escancarou as desigualdades sociais existentes em nosso país, e mais especificamente em nossa cidade. São famílias que vivem em situação de submoradia, que são vítimas da exclusão digital, que não têm acesso à internet de qualidade, que têm apenas um aparelho celular (quando tem) para receber as tarefas dos vários filhos e esse aparelho não suporta tantos arquivos. Resumindo, ninguém melhor que o profissional da educação para saber a importância da volta às aulas, pois ele vivencia essa realidade diariamente. Esse profissional é quem melhor pode defender a notoriedade da escola como o caminho possível para a superação das desigualdades sociais, pois uma população que recebe educação de qualidade, forma uma nação rica. Quem não sabe, ou melhor, finge não saber, são os governantes, que buscam currais eleitorais, e oportunamente eles simulam fazer algo pela educação pública. Não será esse o verdadeiro motivo de retorno às aulas presenciais, antes das eleições municipais?.

Os professores também estão adoecendo psicologicamente. Esse não é um “privilégio” apenas das crianças. Nós também estamos sofrendo, longe de nossos ambientes de trabalho. Não estávamos preparados para essa pandemia. Ninguém estava. Tivemos que nos reinventar, enquanto professores. Aprender a usar ferramentas que não precisávamos antes, porque o contato era direto. Hoje, não temos uma jornada de trabalho definida. Trabalhamos a qualquer hora do dia, inclusive de madrugada, pois, muitas vezes, nossos alunos enviam suas demandas a qualquer hora. Não raramente, de madrugada.

Ainda que, muitas vezes, trabalhemos em escolas insalubres, sem as mínimas condições, queremos, sim, voltar às nossas aulas presencias. Hoje completo 21 anos de serviço público para o município de Macapá e já trabalhei em sala superlotada, mal iluminada, sem ventilação, suja. Ainda tive que ouvir da gestão que trabalharia muitos outros dias assim, pois não havia funcionário suficiente para fazer a limpeza na troca de turnos – um total desrespeito com o profissional. Agora, é inaceitável querer que eu trabalhe em uma sala lotada, em meio a uma pandemia, colocando a vida de meus pais idosos em risco – ambos têm 83 anos e comorbidades e sou a cuidadora deles.

Nós, professores, queremos voltar às nossas aulas presencias. Sabemos perfeitamente a importância da escola. Mas precisamos voltar com segurança, garantias. Não aceitamos ser cobaias de um teste de como será, para quiçá ser um premiado a morrer, ou ver um aluno nosso perder a vida para essa doença.

A educação é prioridade sim, mas a vida é prioridade maior ainda.

No mais, nós nos solidarizamos com as mães que necessitam trabalhar e não tem com quem deixar suas crianças. De fato, essa é uma realidade a ser considerada, porém neste momento, com certeza, a escola não é o lugar mais seguro.

*Valdice Holanda é professora da rede pública de ensino de Macapá

  • Eu sou contra o retorno das aulas presenciais pelo fato de que não tem uma cura para esse vírus e ele só vai acabar com o surgimento de uma vacina. Algumas escolas tem condições de voltar mais eu creio que as públicas principalmente elas não tem nenhuma condição uma estrutura pra esse retorno nos já perdemos praticamente o ano todo eu não acho necessário nos voltarmos esse ano

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