E assim nasceu um grande samba

 E assim nasceu um grande samba
Alcione Cavalcante

 alcione6aO Bar e Restaurante Ponto Certo funcionou durante muito tempo na charmosa Galeria Comercial, na Avenida FAB, entre a São José e a General Rondon. Ponto de encontro de funcionários públicos, boêmios, músicos, poetas, artistas plásticos, estudantes e eventual e furtivamente por moças tidas como avançadas para  os padrões da época.

Nos sábados,  invariavelmente fazendo chuva ou sol, lá se reuniam Alcy Araújo, Silas e Ezequias Assis, Artur Nery Marinho, Cordeiro Gomes, Álvaro da Cunha,  Pedro Silveira, Nonato Leal e muitas outras personalidade não menos notáveis com destaque na cena cultural do Amapá. Dizem que o Meton Júnior e o Zé Façanha já bicoravam as coisas por lá. Rapazes espertos, por isso eu acredito.

Como não poderia deixar de ser, rolava um eclético cardápio etílico, que variava de sofisticado Blood Mary (pedido pelo Álvaro da Cunha), passando pelo Cuba Libre (preferência do Alcy), gim , chegando a quase unanimidade, no caso a cerveja. Ainda que o tira-gosto fosse secundário, comumente se requisitava queijo. Mas o negócio mesmo eram as crônicas sobre o cotidiano, discussões sobre o quadro político e também muita, muita música, prosa e poesia.

Nesse cenário impregnado de acordes e letras, emergiu um dos maiores sambas do Amapá. Num desses sábados de encontros obrigatórios, chega o Alcy e se aproximando do Nonato Leal, confiante no talento e disposição do parceiro desfia o convite⁄intimação: “Temos um encargo importante e irrecusável – compor o samba enredo de Maracatu da Favela”.  Missão que foi aceita na hora.

Nonato conta que acertada a parceria o Alcy requisitou uma dose, provavelmente um Cuba,  solicitou ao garçom um pedaço de papel, sendo prontamente agraciado com um daqueles de embrulho comuns na época, e ali mesmo, naquele papel de embrulho na mesa dobar, escreveu a letra do samba.

Cumprida a etapa do Alcy caberia ao Nonato a construção da melodia, que num primeiro Smomento seria feita  posteriormente, pois justo naquela dia o Nonato estava sem seu violão. O ambiente estava propicio, a criatividade emergia dos copos e mentes, foi então que o Marlindo Serrano, que acabara de chegar,  se prontificou a apanhar o violão do músico já polido por grandes composições. A partir daí o talento de Nonato se impôs e em poucos minutos o samba estava formatado e pronto para entrar na avenida. A garantia de sua beleza e a antecipação de sua explosão na FAB pode ser medida de pronto. De imediato, todos os presentes no Ponto Certo aprenderam e passaram a cantar de forma entusiasmada o samba em sua plenitude.
Não deu outra, samba crescendo e ocupando as goelas dos brincantes da escola e da plateia, harmonia perfeita e evolução impecável. Resultado Maracatu Campeã do Carnaval. O samba‽ MÃE LUZIA, um dos maiores feitos até hoje e que homenageou uma das mais emblemáticas personalidades desta terra Tucuju.

Assim nasceu o samba de forma serena e alegre, assim como MÃE LUZIA aparava as crianças que nasciam no Amapá, aquele que o Alcy chamava de “O verde território da esperança”.                          

P.S. Essa história e Nonato Leal me contou, um dia desses, num inicio de noite muito agradável em sua residência.

  • Me deu um grande aperto no coração de ler tudo isso, uma saudade de algo que não vivi. Égua, como eu queria ter nascido nessa época e ter tido o prazer de vivenciar a boêmia gostosa que Macapá tinha. Queria ser personagem de histórias como essa, ou apenas um observador.
    Vale dizer uma coisa: não gostava de carnaval, mas comecei a gostar de tanto que leio você falar da Maracatu.
    Certo estou que se tivesse acompanhado a Macapá daquela época eu seria verde e rosa.
    Muito bom ver Macapá por aqui.

  • Muito bom. Me lembro do Ponto Certo, quando cursava o último ano do colegial, em 1974, e saia correndo, eu e meu parceiro Padreco, no momento do recreio, para tomar uma dose de rum montila com gelo, lavar o peritônio com uma cerveja e comer um pastel delicioso como tira–gosto. Aí estávamos prontos para a aula de física ministrado pelo saudoso Salomão Perez, o baixinho.

  • Informação histórica a ser comprovada, aquela da minha participação no evento. Como nunca fui de carnaval certamente eu estava lá por conta de alguns brotos presente, ou obedecendo ordens do tio Alcy.

  • História de conteúdo interessante e muito bem contada. Terminei de ler com uma imensa vontade de escutar o samba que nasceu do encontro desses grandes artistas do Amapá.

  • Muito legal essa mensagem. Voltei ao final dos anos 70 e meados dos anos 80, eu fui um dos frequentadores e vi várias vezes os poetas Alcy, Cordeiro gomes (Seguraobalde) vestidos de uma boa dosagem de algo etílico. Muito bom.

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