Artigo de Natal

“Eis aqui a serva do Senhor”
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Chovia muito. Uma senhora que viajava de taxi viu, à beira da estrada, uma velhinha que, toda molhada, estava esperando o ônibus. Tocada pela situação da pobre mulher, a senhora pediu ao taxista para encostar e parar. Convidou a idosa a entrar no carro e se ofereceu para deixá-la em sua casa, mesmo que, como logo soube, ela morasse bastante longe. Foi uma viagem demorada e o custo elevado. Quando, porém, a senhora abriu a bolsa para pagar, veio a surpresa.

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Artigo dominical

Como uma orquestra
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

 Artur Rodzinski foi um dos diretores mais famosos da Orquestra Filarmônica de Nova Iorque. Certa vez numa entrevista declarou: “Na nossa orquestra tem pessoas de toda nacionalidade, diferentes por jeito e temperamento. Aprendemos, porém, a esquecer simpatias, antipatias e diversidades de caráter por amor à música, à qual dedicamos nossas vidas. Muitas vezes me pergunto se os problemas do mundo não poderiam ser resolvidos buscando semelhante harmonia… Pensem quais resultados uma pessoa poderia alcançar controlando as próprias peculiaridades e ambições por amor à música… Somente quando cada um de nós e cada país aprenderá o segredo do amor, o mundo se tornará uma grande orquestra dirigida pelo maior Maestro de todos”.

Podemos considerar óbvias essas palavras ou simplesmente irrealizáveis, no entanto não deixam de ser verdadeiras e desafiadoras.

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Artigo dominical

A mensagem
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

 Vários anos atrás, quando ainda se usava o telégrafo, houve um concurso para operadores de radiotelegrafia. A sala de espera estava cheia de jovens em busca de trabalho. Aguardando a chamada para apresentar os seus currículos, todos brincavam e conversavam. Ninguém prestava atenção à mensagem em pontos e linhas, porque esta era a linguagem do telégrafo, que o alto-falante transmitia. Um jovem estava sentado tranquilamente num canto. De repente, levantou-se e entrou no escritório. Após alguns minutos, saiu. Tinha sido contratado como radiotelegrafista. Os outros ficaram com raiva e lhe perguntaram por que ele tinha passado na frente de todos, apesar de ter chegado depois.

– A culpa é de vocês – respondeu o jovem – não ouviram a mensagem?

– Qual mensagem? – perguntaram os outros. Ele explicou:

– Em código Morse, o alto-falante dizia: “O homem que nós procuramos dever ficar sempre atento. O primeiro que captar esta mensagem entre no escritório e ganhará a vaga de trabalho”. Foi o que eu fiz.

Um exemplo de como é importante ficarmos sempre atentos. Por causa de uma distração, ou mesmo por falta de atenção, podemos perder muitas coisas: oportunidades, provas e até mesmo a nossa própria vida ou ser causa de acidentes graves. Ainda hoje, eu me pergunto se o fato de ter errado a ponte na estrada para Laranjal do Jari não foi, talvez, uma falta de atenção minha na direção do carro.

No primeiro domingo de Advento, a Liturgia nos propõe sempre um evangelho que é um convite à vigilância. A breve parábola do homem que partiu e entregou a casa aos empregados, distribuindo tarefas para cada um, lembra-nos que ele pode voltar a qualquer momento. Assim, chegando sem aviso, pode encontrar dormindo os que deviam vigiar. Jesus insiste: vigiai!

Ficar atentos não significa só prestar atenção, mas também estar concentrados sobre um assunto ou sobre um trabalho. O contrário, portanto, não é somente dormir, mas também ficar distraídos, ocupados, aparentemente, em mil afazeres, mas, de verdade, em nenhum. Até para aprender na escola precisa um mínimo de atenção e de concentração. Sempre, para que um trabalho saia bem feito, precisa de atenção. De outra forma, a comida fica sem sal, o documento se perde, a parede sai torta, a peça se quebra, a máquina dá prego. Quantas vezes cobramos a atenção dos outros e, por nossa vez, somos perguntados se estamos escutando ou não o que estão nos dizendo.

Sem dúvida, a capacidade de concentração é um dom pessoal, mas, de fato, hoje, se não cuidarmos, ficamos mais atarefados do que temos condição. Queremos estudar e olhar a telenovela ao mesmo tempo. Atender ao celular e dirigir. Escutar música no fone de ouvido e conversar com alguém. Impossível! Até as máquinas multifuncionais, afinal, realizam só uma função por vez e as outras em seguida.

O vigiar, ao qual Jesus nos alerta, é, justamente, um convite a encontrar o que é mais importante e, a esta tarefa, dar a nossa maior ou total atenção. Vivemos numa sociedade onde a diversão está em toda parte. Parece que vivemos para nos divertir. Certo. A vida deveria ser alegre e feliz para todos. Só que a diferença entre diversão e distração é muito pequena. Viver a vida com alegria, não significa vivê-la com superficialidade. Divertir-se, não quer dizer correr atrás de toda novidade, ocupando o nosso tempo em atividades passageiras ou mesmo inúteis. Se é verdade que a vida não deve ser uma correria louca ou um sufoco medonho para sobreviver ou ganhar mais, não pode ser também tão vazia ao ponto de querer preenchê-la com qualquer coisa, infelizmente, por medo que o tempo não passe.

Jesus não quer nos amedrontar. Pede-nos para vigiar, porque esta é a capacidade de dar valor a nós mesmos, de não jogar fora os dons que recebemos, de usá-los para algo de bom e de grande. Na sala de espera, os jovens da história podem ter aprendido algum fuxico novo, mas o que prestou atenção à mensagem ganhou um trabalho. Quem fica atento ganha o sentido da vida.

Artigo dominical

O velho Matias
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Lá onde ele morava, todos consideravam o velho Matias um homem piedoso e justo porque observava escrupulosamente as prescrições da Lei. Na véspera de um sábado, ele estava voltando da roça carregando um feixe de lenha nos ombros. Improvisamente, à beira da estrada, encontrou um mendigo coberto de chagas que o suplicou de ajudá-lo com estas palavras:

– Não me deixes morrer aqui pelo caminho. Peço-te, me ajude!

Matias pensou consigo mesmo:

– Coitado de mim. O que devo fazer? Se socorrer este infeliz preciso largar a lenha que é o único sustento para a minha família. Se decidir abandoná-lo, me tornarei culpado de uma morte cruel. No primeiro caso, também, se eu fosse voltar para recuperar a lenha, seria tarde demais: o sol já teria se posto e serei obrigado a violar o sábado. Neste contraste de pensamento prevaleceu a piedade. O homem levou o mendigo até a vila e lhe arrumou uma hospedagem. Depois voltou para pegar o seu feixe de lenha. Quando chegou à cidade, ao pôr do sol, alguns murmuraram:

– Então é este o homem tão celebrado como piedoso e justo. Ele está cuidando dos seus negócios em dia de sábado! Naquele momento, o sol, que estava quase morrendo no horizonte, voltou atrás, iluminando como se fosse pleno dia o caminho daquele homem caridoso. E os murmuradores se calaram, tomados por um medo repentino.

Chegamos ao último domingo do ano litúrgico e celebramos a Festa de Cristo Rei. No final de toda atividade, torna-se necessário fazer um balanço e, para isso, precisa ter alguns critérios. Estes, por sua vez, dependem da finalidade do empreendimento. Se, por exemplo, a firma existe para lucrar, a avaliação da mesma será a respeito dos ganhos alcançados. Ninguém consegue manter, por muito tempo, uma atividade constantemente em perda. O desastre final, a falência, estaria garantido. Pode ser que a lógica econômica tenha pouco a ver com a nossa vida, mas ajuda a entender, também porque ter contas para pagar e dívidas para honrar, faz parte do cotidiano de muitas famílias. Por isso, não faz mal, mais uma vez, perguntarmo-nos se o balanço do amor da nossa vida é positivo ou está amplamente no vermelho. Nesse caso, temos uma dívida de caridade. Talvez pelejamos muito para ter bens, vantagens, afetos e atenções para nós, mas doamos muito pouco ou nada para os outros.

Jesus, com a parábola do julgamento final, quer nos lembrar as inúmeras ocasiões que temos ao longo da vida para construir fraternidade e misericórdia. As ações apresentadas são muito concretas. Nada de teoria ou de imaginação. Quem está com fome pede comida. Quem está sem nada, migrante, longe do seu país, pede uma casa para morar. Quem está com frio precisa de agasalho para se vestir. Quem está doente precisa de assistência médica, de hospital, de remédios, de carinho e compreensão. Quem está preso precisa de atenção, educação, perspectivas reais de uma nova vida. Discursos e promessas não resolvem. Precisa agir, na maioria das vezes, sem delongas, burocracias e adiamentos. Todos esses sofredores e sofredoras não são frios números de estatísticas ou matéria de noticiários, são pessoas, homens, mulheres, crianças, idosos, desconhecidos muitas vezes, mas que, por alguma circunstância, cruzam o nosso caminho. Podemos fingir que não existem? Podemos nos consolar sabendo que agora aumentou o número daqueles que têm maior poder de compra e por isso gastam mais, comem mais e viajam mais? Será que os pobres se tornaram invisíveis? Ou são os nossos olhos que ficaram cegos na frente da miséria, das lágrimas e das necessidades alheias? Afinal, como estão as contas da nossa religiosidade: ficamos somente na oração ou praticamos também as obras de misericórdia?

O extraordinário da parábola é que o próprio Jesus se identifica com os sofredores: – Foi a mim que o fizestes! – irá dizer aos generosos. Cada gesto de amor é uma luz para a nossa vida e para a vida de tantos que só sabem murmurar e criticar, mas nada fazem. Ao menos nós, os cristãos, saibamos escolher sempre o amor, para não ficar envergonhados no dia da verdade.

Artigo dominical

O fabricante de esteiras
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Um jovem monge, fabricante de esteiras, foi ter com o seu abade e lhe disse:

– Pai, o meu espírito está muito abatido. Faço de tudo para afastar esta tristeza, mas não consigo. O abade lhe deu este conselho:

– Eu tenho o remédio certo: crie um novo modelo de esteira. O noviço, tocado por esta proposta inesperada, obedeceu e voltou ao trabalho com mais afinco. Depois de um mês, com as suas mãos habilidosas, ele acabou de confeccionar uma belíssima esteira. No entanto, depois de alguns dias, o seu coração foi tomado novamente pela tristeza e o abatimento. De cabeça baixa, voltou a falar com o abade e lhe disse:

– O demônio da acédia me atormenta novamente, o que devo fazer?

– Inventa um novo modelo de esteira – repetiu o superior. O jovem obedeceu e, desta vez, a cidade inteira foi invadida por tecidos de palha e vime maravilhosamente entrelaçados. Com isso, o diabo ficou revoltado e disse:

– Com este monge não tem jeito. A cabeça dele está tão ocupada com a criação de novos modelos de esteiras que a oração dele está sempre viva e o seu coração sempre alegre!

A parábola dos talentos é muito conhecida. É fácil também nos deixar envolver pelo desenrolar da história. Ficamos curiosos nos perguntando quantos e quais “talentos” o Senhor nos deu, talvez com vontade de confrontá-los com os talentos dos outros. Será que o Senhor foi injusto conosco? Por que sempre achamos que ele deu mais e melhor para os outros? Também precisamos entender o que significa para nós multiplicar os dons e as aptidões que nos foram confiadas. Será que vamos dar conta? Quando o Senhor vier, para o balanço final, teremos mesmo alguns frutos para apresentar?

Com certeza devemos deixar de lado uma leitura, digamos, utilitarista desta parábola. A questão não pode ser aquela de ganhar mais. O Senhor Jesus sempre falou de juntar tesouros no céu e não neste mundo e chamou de insensato o rico que se deu por satisfeito porque tinha acumulado muitos bens. O fato de ter lucrado mais talentos é o resultado do trabalho e não a razão final do esforço.

Com efeito, o terceiro empregado simplesmente enterrou o talento, não o usou e também não se interessou por nada. Assim o patrão chama de servos bons e fiéis os primeiros dois empregados, mas chama de mau, preguiçoso e inútil o terceiro. Preguiçoso, porque não teve nenhuma preocupação com o uso do talento e inútil porque, não progrediu absolutamente em nada. Entendida neste sentido a parábola fica clara e desafiadora.

A questão não está em ter mais ou menos talentos – cada um de nós tem algo que recebeu totalmente de graça a começar pela própria vida – e nem em lucrar muito ou pouco, mas no fato de ter “trabalhado” ou não ter feito nada, ter desistido desde o início por medo do patrão ou mesmo por preguiça, por falta de iniciativa, por acomodação. Podemos resumir dizendo que estamos neste mundo não simplesmente para curti-lo ou desfrutá-lo, mas para transformá-lo numa realidade melhor nos deixando envolver num projeto grande e bonito que poderíamos chamar de “civilização do amor”.

O economista Adam Smith já dizia que “é o egoísmo do padeiro e não a sua generosidade, que nos fornece o pão de cada dia”. De fato, ele reconhecia que o lucro ou a ganância são as grandes molas que movem, desde sempre, a atividade humana. Quantas pessoas, por causa disso, gastam a vida intera para ganhar, cada vez mais, dinheiro ou aumentar o seu prestígio numa corrida sem fim. Não medem esforços quando a questão é o lucro, mas ficam preguiçosas e sem interesse quando o que está em jogo é a convivência fraterna, a solidariedade, o bem dos menos favorecidos. Somos muito ativos e criativos quando queremos ganhar dinheiro, mas pouco ou nada fazemos para vencer as injustiças, as desigualdades, as exclusões. Precisamos de mais coragem e determinação para ser mais criativos e comprometidos no amor. Desta maneira, daremos um sentido à nossa vida e manteremos ocupada a nossa mente e o nosso coração. Não teremos mais tempo para pensar somente no nosso bem-estar, aprenderemos a pensar mais nos pobres e esquecidos. Se não somos fabricantes de esteiras, todos podemos sempre ser fabricantes de amor. Mais criativos a cada dia.

Artigo dominical

O bem e o mal
Dom Pedro José Conti,Bispo de Macapá

Certo dia, um mestre perguntou aos seus discípulos:

 – Como vocês poderiam definir o ser humano dotado de razão?

Um aluno respondeu:

– Aquele que sabe distinguir o bem do mal. – Mas o mestre revidou:

– Também os animais sabem distinguir o bem do mal

– Qual é, então, a diferença para o ser humano que tem o uso da razão? – Perguntaram todos juntos os discípulos.

–  Aquele que, de duas coisas boas, sabe reconhecer a melhor e, de dois males, sabe reconhecer o pior.

O sentido desta anedota é um convite, muito simples, a usar da melhor maneira possível a nossa inteligência. Todos os dias devemos escolher muitas coisas, das mais comuns às mais complexas. Sempre somos levados a fazer comparações. Nem sempre o que aparece cômodo e barato compensa o seu preço. O que parece fácil e atraente, depois se revela não ser realmente o que estávamos procurando. Mais difícil ainda é escolher a melhor entre as coisas boas ou evitar a pior entre as coisas erradas. Nesse caso, precisamos apelar à nossa experiência e refletir bem sobre as consequências da nossa decisão. Uma boa inteligência aproveita sempre da nossa memória e daqueles em quem confiamos. Mas o que fazer quando algo de realmente novo aparece à nossa frente? Como decidir? Com que fazer comparações?

Foi o que aconteceu a Pedro, na página do evangelho que a Liturgia nos apresenta neste domingo. É a continuação do trecho refletido no domingo passado. A novidade que Jesus anuncia aos discípulos é para eles, no mínimo, surpreendente. Ele é sim o Filho do homem, o messias esperado, mas agora começa a falar de ir para Jerusalém e diz que lá irá encontrar sofrimentos, morte e, enfim, a ressurreição. Pedro reage, não entra no esquema dele essa morte. Uma coisa dessas é simplesmente impensável, melhor nem falar. Se isso chegar a acontecer, todos os planos dele, não ditos, mas sonhados, de sucesso, de grandeza e de poder vão cair por terra. Nada podia ser pior.

Ficamos espantados com a resposta de Jesus: – Vai para longe, Satanás!…porque não pensas as coisas de Deus, mas sim as coisas dos homens! – Para Pedro o melhor era viver, passar bem. A morte só podia ser o pior. Quem pensaria diferente?

É nesta altura que a razão, por si só, não sabe mais o que dizer. Precisa outra luz, uma nova visão: precisa a luz da fé. O melhor pode ser mesmo perder a vida para reencontra-la. Pode ser o caminho difícil do sofrimento para que algo de muito melhor, mas muito mesmo, comece a acontecer. Esta será sempre a novidade de Jesus: a cruz; ao mesmo tempo escândalo e loucura, mas, para quem acredita, caminho de salvação. Tudo isso não somente porque aquela morte foi do próprio Filho de Deus feito carne, mas porque foi a revelação plena do amor de Deus, inimaginável para os homens. Amar tanto ao ponto de, em seu Filho, fazer-se solidário com os fracos e pecadores, com os homens desobedientes e afastados. Amar a nós  todos também, com certeza, bem pouco merecedores de tão grande amor. No entanto, foi aquela vida doada que venceu o pecado e a morte. A maior derrota, foi a maior vitória sobre o mal. A decisão de Jesus de nos amar até o fim, foi o supremo gesto de amor, capaz de resgatar a humanidade inteira.

Ainda nos custa entender e reconhecer o valor dos gestos de generosidade. O sabem, porém, as mães que se sacrificam para que os seus filhos pequenos cresçam com saúde. O sabem os jovens que renunciam a alguma diversão para aperfeiçoar os seus talentos. O sabem, muito mais, todos aqueles e aquelas que fazem o bem – de mil formas e maneiras – sem pretender recompensas ou reconhecimentos. Custa ser diferente, agir diferente, mas sempre será este conjunto de gestos de amor, compaixão e solidariedade a tornar este mundo melhor. Com certeza não serão o egoísmo, a indiferença e a ganância.

É difícil para todos aprender a olhar as coisas com o olhar amoroso de Deus. O melhor para nós pode não ser o bem verdadeiro ou o bem maior para os demais. Em todos os casos, o pior será sempre não amar ou amar menos. Quando vamos aprender a escolher?

Artigo – Injustiça Eleitoral

Injustiça Eleitoral
José Carlos Fonseca

A cada eleição novos mecanismos são utilizados pela justiça eleitoral para inibir práticas criminosas dos políticos. Em vão, o que se vê rotineiramente é um crescente descumprimento das leis eleitorais.

Em qualquer canto da cidade, com incidência maior na periferia, se vê, ou se ouve notícias de cabos eleitorais oferecendo favores em troca de votos, pagamento de conta de luz, água, botijão de gás, receita médica, entre outros.

A boca de urna, que antes era feita no dia da eleição e próxima ao local onde o eleitor iria votar, daí o nome, se modernizou, hoje é feita uma lista prévia com valores estipulados para cada eleitor, que varia entre 20 até 100 reais, dependendo do cacife do candidato, quanto maior a lista melhor para o candidato, dinheiro não é problema.

A coisa é tão intensa que chega ao ponto dos eleitores disputarem quem consegue fazer parte do maior número de listas de boca de urna, quem consegue mais tem a admiração dos outros.

Essa prática, na maioria dos casos, é feita por candidatos a reeleição que ao longo de seus mandatos provisionam recursos de fontes duvidosas exatamente para este fim. A esses candidatos, que não tem voto por merecimento, pois, em nada contribuíram para a melhoria da qualidade de vida da população, resta uma única forma de se manter no poder: a compra de votos.

Isso é tão comum, que virou regra, a exceção é um candidato que cumpre a legislação eleitoral, quase nenhum.

Apesar das autoridades afirmarem que o povo sabe votar, não sabe, o poder econômico se sobrepõe aos interesses mais elementares da sociedade, sempre foi assim, o povo servindo de massa de manobra aos poderosos.

Causa uma sensação de impotência, humilhação e insegurança, um sentimento de desesperança pela certeza de que nada vai mudar, lamentável.

ALGUMA COISA ESTÁ ERRADA!

Artigo dominical

A Pipa
        Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

          Uma pipa voava muito alta no céu. Um pássaro que passava por lá ficou curioso, porque nunca tinha visto algo semelhante. Alcançou a pipa e viu que estava ligada a um fio. Teve compaixão. Coitada – pensou e com uma bicada certeira cortou o fio. Imediatamente a pipa começou a endoidar. Açoitada pelos ventos mexia-se em todas as direções, sem rumo. O leve papel do qual era feita começou a rasgar. Uma rajada de vento mais forte a jogou por terra em pedaços. O pássaro espantado aterrissou perto dela e perguntou:

– O que foi que aconteceu? Eu achava que ia te libertar.

A pipa, toda esbandalhada, respondeu:

– Aconteceria a mesma coisa contigo se alguém cortasse o fio que te liga ao céu, como o meu fio me ligava à terra. Não era um fio de escravidão, mas de liberdade e de vida!  

Neste tempo de verão, muitas pipas cortam o céu. Coloridas e enfeitadas fazem a alegria de crianças e, muitas vezes, também de adultos com vontade ainda de brincar. Toda pipa nos faz sonhar um pouco, imaginando como seria prazeroso poder voar livres lá no alto do céu. No entanto, o voo da pipa depende da linha que a liga ao dono. É o vento que a mantém no alto, mas é o fio que controla os seus movimentos. Quem sabe mesmo empinar pipa sabe, também, quando deve soltar e quando deve prender a linha. Parece mágica, mas, de fato, é experiência. 

A página do evangelho deste domingo nos oferece a bem conhecida declaração de fé de Pedro quando, respondendo à pergunta de Jesus:

– Quem dizem os homens ser o Filho do homem? Ele disse:

 – Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo.

Continuando, Jesus declara Pedro feliz, porque foi o próprio Pai que o ajudou a entender a novidade do mistério do qual estava começando a participar. Em seguida, Jesus faz algumas promessas a Pedro. Ele será a “pedra” sobre a qual será construída a Igreja. Esta ficará firme e nunca será vencida pelas forças do mal. No final, Jesus fala das chaves do reino do céus e, usando uma linguagem pouco comum para nós, diz que tudo o que Pedro ligará na terra será também ligado no céu e o que ele desligar na terra será desligado no céu. Na linguagem da Bíblia, as chaves e a possibilidade de “ligar e desligar” indicam mesmo um “poder” especial dado a Pedro, mas fica para nós a pergunta: que poder é este e para conseguir o quê?

Como sempre, a resposta depende, em primeiro lugar, do jeito de como nós entendemos o nosso relacionamento com Deus. Muitas vezes usamos essas mesmas palavras quando falamos das pessoas com as quais nos sentimos “ligados”. São laços de amor, de afeto e amizade. São lembranças feitas de alegrias e saudades. São vínculos que desafiam espaços e tempos. Falando de forma mais banal e usando a linguagem “telefônica”, toda hora ligamos para alguém e desligamos, quando a conversa acabou. Queremos que as pessoas nos liguem e prometemos ligar para elas…Para chamar atenção de alguém, com o qual estamos falando, perguntamos: “Está ligado?”

Pedro tem a grande missão, junto com toda a Igreja, de manter os nossos laços de fé e amor nada menos que entre nós e com Deus. Isso porque o nosso relacionamento com Ele, antes de ser pessoal, é comunitário. Fazemos parte de um povo e de uma história de amor com a qual o próprio Deus quis nos “ligar” a si para sempre.

A nossa participação na caminhada do Povo de Deus nos permite estreitar esses laços com o nosso Deus. Unidos à Igreja conhecemos e entendemos a sua Palavra; celebramos, na Liturgia, os eventos da nossa salvação; vivenciamos através da fraternidade o mandamento do amor; somos confirmados, a cada dia, no caminho difícil, mas seguro, da fé e da esperança.

Neste caso, a nossa firme “ligação” Igreja-comunidade não é uma amarra que impede a nossa liberdade. É a certeza de não nos perdermos nos ventos da vida e na confusão das opiniões e das modas passageiras. Cortar esses laços vitais significa acabar muitas vezes dilacerados. Sem mais rumo algum. Como a pipa da história. 

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Perdas e ganhos
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Certo dia, um jovem monge, após ter passado alguns meses no mosteiro, disse ao seu mestre:

– Mestre, refleti bastante; não penso em renunciar a tudo, agora que sou jovem. Vou fazer isso mais tarde, quando estiver mais velho. Agora existem coisas demais que quero experimentar no mundo.

Dito isso, deixou o mosteiro e foi embora. O mestre, naquela mesma noite, comunicou a notícia à comunidade com estas palavras:

– O nosso jovem noviço nos deixou, atraído pelo mundo. Ele acabará sendo como aquele homem que decidiu “deixar tudo” quando a mulher dele morreu, a sua casa pegou fogo e a sua colheita foi destruída pelos gafanhotos. Ao Senhor não interessa esse tipo de renúncia. Aquele que abandona o caminho da disciplina interior nunca estará pronto a “renunciar a tudo” até que ainda tenha alguma coisa à qual renunciar.

Neste domingo, celebramos a Assunção de Nossa Senhora ao céu e lembramos a vocação religiosa de tantos nossos irmãos e irmãs que respondem com alegria ao chamado do Senhor, trilhando os diversos caminhos da vida consagrada, através dos votos de pobreza, castidade e obediência. Em geral, pensamos nos religiosos e nas religiosas como pessoas que fazem grandes renúncias: dinheiro, vida matrimonial, autonomia nas próprias decisões. Verdade. Sempre pensamos no que “perdem” e esquecemos o que “ganham”.

Para entender isso, olhamos a Maria. Os evangelhos não nos fornecem tantos detalhes, mas o simples fato de insistir sobre o medo de Maria – e de José também – significa que Nossa Senhora devia ter o seu projeto de vida, provavelmente simples e humilde como as outras jovens da sua idade e do seu tempo. Nada demais e nada de menos. Talvez sonhava com uma vida pobre, mas feliz, um lar, alguns filhos. Tudo, porém, de acordo com promessas bem maiores porque partilhava a fé e a esperança do seu povo: a vinda do Messias.

Precisou, no entanto, de coragem para acolher a proposta de ser ela mesma a mãe do Salvador. Aparentemente, para os de fora, não mudou muito o seu sonho: teve um marido, um lar e um filho. Mas na realidade mudou tudo. Ela, a humilde serva de Nazaré acabou sendo a parte humana de um projeto divino. Ficou alegre e feliz porque acreditou, mas também sofreu a perda daquele Filho. Tornou-se a mãe da família daqueles que “põem em prática a palavra de Deus” (cf. Lc 11,28). Acabou sendo chamada de “bendita entre as mulheres”. Renunciou a muito, é verdade, mas ganhou muito mais. Por isso, desde já a contemplamos gloriosa no céu, participando, antecipadamente, daquela ressurreição que o Filho Jesus prometeu a todos aqueles que acreditarem nele.

Os nossos irmãos e irmãs religiosos e consagrados nos lembram sempre esses grandes horizontes da vida humana e cristã. Tem o horizonte das coisas que construímos e juntamos neste mundo. Nos dão alegria e satisfação. Faz bem aos pais “contemplar” os seus filhos, o seu lar, sobretudo quando este consegue ser uma pequena comunidade unida e amorosa. Faz bem às pessoas “contemplar” os frutos do seu trabalho, das suas fadigas. Tudo isso também é caminho de vida cristã e de santificação. No entanto existe para todos outro horizonte que não podemos esquecer: aquele que vai além das coisas deste mundo. É o céu, é o próprio Deus. Buscar essa meta não é alienação, mas libertação, porque significa julgar as coisas do mundo com o olhar de Deus e não com os critérios simplesmente humanos da acumulação e do sucesso. Quem olha para o céu ganha coragem para partilhar os bens deste mundo, amar os pequenos, socorrer os abandonados, consolar os aflitos, ir lá aonde poucos querem ir, porque custa sacrifício. Não são essas, afinal, as obras de misericórdia? Para todos, cada escolha, cada ganho, carrega também renúncias e umas perdas. O importante, qualquer seja a nossa “vocação”, é não perder nunca o amor a Deus e ao próximo. O resto passa, o amor ficará para sempre. Sejamos agradecidos aos religiosos e às religiosas que, muitas vezes no silêncio e no escondimento, apontam-nos metas mais altas e lucros imperecíveis.