Artigo dominical

Eucaristia: pão da unidade, alimento da missão
          Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Peço desculpa a Santíssima Trindade se, por esta vez, não refletirei sobre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Falarei um pouco sobre a Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, que celebraremos na quinta-feira da próxima semana. Pensamos de organizar, em 2016, um Congresso Eucarístico Diocesano, por isso iniciaremos, nesta data, dois anos que podemos chamar de “animação eucarística”. Tudo isso porque, em agosto desse, acontecerá em Belém, Pará, o XVII Congresso Eucarístico Nacional. A Arquidiocese se ofereceu para acolher, na capital paraense, este Congresso e, assim, solenizar os 400 anos da sua fundação. Como diocese vizinha e parte do mesmo Regional, nós também queremos viver intensamente o tempo que nos separa daquele evento celebrando o nosso Congresso Eucarístico Diocesano. Este evento deverá acontecer no final de última semana de maio de 2016, logo após a quinta feira de Corpus Christi.

Palavra de Deus, Liturgia e Caridade são os três eixos fundamentais da vida cristã. Em nossa Diocese, a respeito da Palavra estamos dando continuidade ao projeto de Círculos Bíblicos “A Palavra de Deus crescia”. Depois do Antigo Testamento chegamos, já no quarto ano, ao Evangelho de Mateus. O Projeto, lembramos, é para percorrer em dez anos toda a Bíblia. Palavra significa também oferecer uma boa evangelização e catequese a adultos, jovens e crianças. Muitos voluntários se dedicam a esse serviço precioso. Para a vida litúrgica, nunca deixamos de promover encontros de estudo e reflexão com os quais queremos colaborar com as pessoas que se dedicam à animação da Liturgia. Por fim, no campo da Caridade estamos comprometidos com diversas obras assistenciais e caritativas organizadas através das pastorais sociais, movimentos e grupos vários que, de muitas formas, colocam-se a serviço dos pobres e dos pequenos. Não faltam também incentivos para uma presença mais marcante e comprometida dos católicos nas organizações sociais, na política, na cultura e nos meios de comunicação.

Os próximos dois anos de “animação eucarística” têm como objetivo ajudar as nossas comunidades a integrar, ao redor da Eucaristia, todo o trabalho de evangelização e de caridade. Para um cristão, a participação na Missa dominical não pode ser o único momento de sua vida cristã como se fosse algo de separado do restante dos seus dias. Na Missa, todos nós escutamos a mesma Palavra, nos alimentamos com o mesmo Pão da vida, a Eucaristia, e devemos viver, na prática, o mandamento do amor. As maneiras de viver este amor fraterno serão conforme as possibilidades de cada um; no entanto, somente se tomarmos a sério o que escutamos – a Palavra de Deus – e o que celebramos – os Mistérios da nossa fé – podemos dizer que a Missa continua em nossas vidas. Por essa razão, e muitas outras, ninguém pode ser um simples espectador da ação litúrgica. Sem envolvimento com a nossa vida cotidiana, os momentos passados na Igreja ficam isolados, não incidem nas nossas decisões, não mudam a nossa maneira de pensar e agir.

Sempre queremos melhorar as nossas celebrações litúrgicas, mas isso não significa tanto caprichar nas músicas, nos gestos, no ambiente, quanto chegar a incidir na vivência cristã das pessoas. O ambiente, a acolhida, a animação podem ajudar, mas devem ser a Palavra, a Eucaristia e o amor fraterno a tocar no coração dos participantes. Isso corresponde a dizer que o cristão não somente deve participar da Santa Missa, mas, sobretudo, deve deixar-se alcançar pelo amor de Jesus que nos acorda do nosso torpor, consola-nos e fortalece em nossas fraquezas, envia-nos em missão. Também não basta simplesmente receber a Eucaristia: o Corpo “dado” de Jesus, o seu sangue “derramado”. Precisamos nos alimentar de Jesus para aprender de novo, com ele a fazer das nossas vidas um dom para os irmãos. Coragem, todos nós temos um longo caminho a percorrer.

Artigo dominical

A grande árvore
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Lao Tzeu estava fazendo uma peregrinação com os seus discípulos. Chegaram a uma floresta onde centenas de lenhadores tinham cortado as árvores. Toda a floresta estava cortada, menos uma árvore gigantesca com milhares de ramos cheios de folhas. Aquela árvore era tão grande que centenas de pessoas podiam sentar-se debaixo da sua sombra. Lao Tzeu ordenou aos discípulos de perguntar aos lenhadores por que aquela árvore tinha sido poupada. Eles responderam:

– Aquele gigante de ramos e folhas é absolutamente inútil. Não serve para nada. Os seus ramos são todos tortos e entrelaçados. Nem prestam para serem queimados, só fazem fumaça. Por isso não a cortamos.

Os discípulos voltaram para Lao Tzeu e relataram-lhe a resposta dos lenhadores. O mestre sorriu e disse:

– Sejais como esta árvore. Se fôreis úteis, vós sereis cortados e sereis transformados em móveis para a casa. Sejais como esta árvore, absolutamente inúteis… Então crescereis, grandes e majestosos, e muitas pessoas encontrarão sombra perto de vós. Não é importante o que vós fazeis para os outros, mas o que vós sois para eles.

É bem provável que as palavras do sábio nos tenham surpreendido. Ser inúteis pode servir de exemplo e de incentivo? Basta reparar, porém, que aquela árvore gigantesca era, sim, inútil para certas coisas, mas utilíssima para outras: oferecia uma sombra agradável para muitos e muitos. De graça, sem pretensões.

No domingo de Pentecostes, continuamos a nossa reflexão sobre o Espírito Santo. Desta vez dando atenção aos seus dons. Diz a primeira carta aos Coríntios: “há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito… A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum” (1Cor 12,4 e7). São Paulo teve muito trabalho para convencer os coríntios sobre o sentido e o valor dos dons do Espírito Santo. Eles achavam que alguns dons eram mais importantes que outros. Por isso, brigavam entre si. A ambição os levava a disputas e divisões. O apóstolo os repreendeu ensinando que os dons do Espírito deviam servir para a unidade e o bem de todos. Por fim, escreveu aquelas páginas maravilhosas sobre o corpo que precisa de todos os seus membros e sobre a caridade, o amor. Este, afinal, é o dom maior de todos, o único que vale mesmo.

A lição do apóstolo continua extremamente atual. Ainda damos valor a certos dons mais visíveis e, de certa forma, mais “úteis” e desprezamos outros mais humildes ou, pensamos, menos necessários. Tudo depende de como entendemos os nossos relacionamentos e qual deveria ser o uso destes benditos dons.

Vivemos numa sociedade onde a eficiência e o lucro tomam conta. Por isso, certas capacidades são muito valorizadas, outras não. Já deveríamos ter percebido que o sucesso de certas pessoas ou produtos depende mais do chamado “marketing” o que do seu valor real. Constroem-se estrelas para que brilhem até quando deem dinheiro, depois podem ser descartadas. Quantas pessoas sonham em ser famosas, nem que seja para alguns instantes, e quantos que já brilharam – o foram feitos brilhar – não aceitam mais a opacidade da vida comum.

Nas nossas comunidades também temos pessoas que parecem insubstituíveis, as únicas capazes de fazer as coisas, aquelas que aparecem mais. Tudo é dom de Deus. O que vale, porém, é a nossa unidade, o exemplo de fraternidade, sem disputas ou estrelismos. Precisamos de irmãos e irmãs que estreitem laços, que eduquem à paciência, à compreensão, ao perdão, que incentivem a generosidade e a gratuidade. Conheço muitas dessas pessoas; raramente aparecem nos mais altos degraus, mas são as verdadeiras colunas das nossas comunidades. Sabem escutar, consolar, propor, corrigir sem machucar. Afinal, elas sabem fazer o que? Aparentemente nada de importante, nada que apareça, mas alimentam o bem mais precioso: o amor. O amor que acolhe a todos, como a sombra daquela árvore. De graça.

Artigo dominical

O beberrão
Dom Pedro José Conti, Bispo
de Macapá

Certa vez, existia um homem piedoso que tinha um pai beberrão. Todas as vezes que ele bebia demais, caía pela rua e os moleques lhe jogavam pedras, batiam e caçoavam dele. O filho sentia uma grande angústia e desejava morrer para não assistir a tudo aquilo. Todos os conselhos, todos os pedidos para que o pai parasse de beber não tinham êxito. Enfim, o filho teve a ideia de propor ao pai de beber o quanto quisesse e do melhor vinho da cidade com a condição de que ficasse trancado em casa. A proposta foi aceita e a partir daquele dia o beberrão foi servido em domicílio. Um dia, porém, o homem piedoso viu um bêbado deitado no chão. Os moleques atiravam pedras e zombavam cruelmente dele. Então disse a si mesmo: “Eu preciso trazer, aqui, o meu pai para que veja este triste espetáculo. Quem sabe ele para de beber”. Dito e feito. No entanto, quando o pai chegou à frente do bêbado, debruçou-se sobre ele e, baixinho, falou-lhe no ouvido:

– Diga-me onde encontrou um vinho tão maravilhoso?

Evidentemente não coloquei essa anedota para convencer alguém a parar de beber. Foi só para lembrar como é difícil mudar as ideias e os costumes das pessoas. Dizem, por exemplo, que seja mais fácil mudar de religião do que de time de futebol. Muitos fatores determinam as nossas convicções: o ambiente familiar, a educação, a necessidade, a acomodação. Falo de coisas sérias e não simplesmente de gostos ou caprichos.

No domingo da Ascensão, na leitura do livro dos Atos dos Apóstolos, escutamos Jesus enviando os seus discípulos em missão. Devem começar em Jerusalém, depois na Judéia, na Samaria e até os confins da terra. No evangelho de Mateus, ele envia também a batizar e ensinar. Desde aquele dia, nunca mais a Igreja deixou de ser evangelizadora e missionária. Ao longo da sua história milenar muitas coisas mudaram. Não podia ser diferente se entendemos que os cristãos partilham as mesmas condições de todo ser humano na luta pela sobrevivência e o progresso.

Vez por outra a Igreja precisa de reformas, de renovação ou de encontrar novas maneiras para continuar a anunciar sempre o mesmo Evangelho do mesmo Senhor Jesus. Se a Igreja deixasse de evangelizar trairia o mandato do seu Mestre e Senhor, mas também perderia o seu próprio sentido. Tornar-se-ia um grupo fechado, autorreferencial, destinado a desaparecer. Se isso não aconteceu é, justamente, pelo esforço de transmitir, mais uma vez, a cada nova geração, a cada novo ambiente e situação humana a alegria da Boa Notícia de Jesus. Nunca faltaram perseguições, previsões sombrias e derrotistas, momentos difíceis dos quais a própria Igreja, hoje, pede perdão. No entanto todas as vezes parece que a comunidade dos cristãos tenha uma sobrevida. Novamente atrai e convence. Surge, então, uma pergunta: essa vitalidade de onde vem?

Sempre haverá quem tente explicar tudo isso com circunstâncias históricas favoráveis ou pelo aparecimento de grandes personalidades, famosos pensadores e líderes. Na realidade, para os cristãos, a resposta é uma só: quem conduz a Igreja, povo de Deus a caminho na história, é o próprio Espírito Santo. É ele que abre os corações à Boa Notícia do Evangelho, que faz parecer valioso o compromisso cristão, que dá coragem e confiança no Senhor. Esta ação “misteriosa” não dispensa o trabalho evangelizador e missionário dos cristãos, tanto no silêncio e no escondimento, como nas grandes pregações e obras de caridade. O trabalho dos discípulos é visível, mas o Espírito Santo, invisível, chega antes, abre as portas, conquista os corações. Não podemos duvidar: quem está convencido, ou convertido, muda primeiro no seu interior, na sua maneira de pensar e decidir. Essa é a obra do Espírito.

Ninguém mais via o nosso amigo beberrão caído na rua, tinha sumido “por fora”, mas, infelizmente, não tinha mudado em nada “por dentro”. Faltou-lhe o mais importante.

Artigo dominical

O procurador de verdade
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Um ocidental que amava se definir como “procurador de verdade” desejava muito conhecer um sábio mestre oriental. Quando chegou à vila onde vivia o sábio, impaciente como era, precipitou-se com muita pressa para a casa que lhes tinham indicado ser a morada dele. Agarrou a mão do homem, que estava sentado em oração, e despejou sobre ele uma saraivada de perguntas a respeito da vida espiritual. O homem escutou em silêncio, depois disse:

– Irmão, tenho três coisas para te dizer: primeiro, és agitado demais para aprender alguma coisa; segundo, estás pisando nos meus pés; terceiro, eu sou um empregado; o mestre mora na casa da frente.

Entre tantas maneiras de definir o ser humano, uma das mais apropriadas é reconhecê-lo como um animal inteligente. O homem é curioso, quer saber, quer entender o porquê das coisas e dos acontecimentos. A história da humanidade é pontuada por contínuos avanços em todos os campos do conhecimento. Sabemos, mais ou menos, como tudo isso começou, mas temos a impressão que nunca terá fim. Com efeito, para quem busca a verdade sobre a vida, nos mais variados campos, mais se avança, mais novos horizontes se abrem. Apesar do acúmulo de conhecimentos e de experiências do passado, cada ser humano, ao longo de sua existência, deve percorrer fadigosamente o seu caminho pessoal de busca do sentido da própria vida. Muitos estão dispostos a nos ajudar. Pais, mestres, companheiros de caminhada. No entanto, entre acertos e desacertos, têm perguntas às quais cada um de nós deve dar uma resposta. Quem se satisfaz em não responder está reconhecendo, de fato, que não sabe de nada ou, pior, não quer saber de nada. Sem perceber, está desistindo da aventura mais desafiadora e mais digna de todo ser humano: dar um sentido à própria vida.

No evangelho deste domingo, Jesus nos diz uma palavra bem conhecida: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Podemos entender a mensagem de muitas formas. Sugiro uma leitura muito simples: a vida é um caminho, porque todos estamos de passagem neste mundo. Mesmo sem pensar muito, todos nós desejamos ser felizes e, portanto, queremos acertar o caminho e a meta para não admitir o vazio ou a inutilidade da nossa existência. Significa que a busca da verdade – isto é, do caminho certo – também faz parte do nosso caminhar. Certa dose de angústia, de medo de errar, é saudável para quem aceita o desafio de procurar e não engole qualquer mentira por adocicada e bem embalada que seja.

Jesus se oferece para nos ajudar. Cabe a nós conhecê-lo bem para poder acreditar que é confiável e, com isso, segui-lo até a meta. Para conseguir isso, não podemos ter pressa porque Jesus foi um Mestre todo especial. Ele não ensinava com palestras ou algo semelhante; ensinava – e continua ensinando – com a sua própria vida. Para conhecê-lo, os discípulos tiveram que acompanhá-lo nas suas andanças. Viram como ele amava, como correspondia aos anseios e aos medos das pessoas, como dava esperança aos desanimados. Viram como viveu e como morreu. Eles demoraram a entender. Foi difícil mudar muitas das suas ideias, mas, no final, aceitaram serem as testemunhas da sua morte e ressurreição e deram as suas vidas pela causa do Evangelho.

Para conhecer Jesus precisa caminhar com ele ou, me deixem dizer, caminhar nele, ou seja, fazer da vida dele o caminho da nossa própria vida. Sempre seremos tentados a experimentar outros “caminhos”. Errar faz parte da busca. Não tenhamos receio em voltar. Jesus é o caminho difícil, estreito, pedregoso, porque é o caminho do amor e da doação. Mas também ele é o caminho certo para ir além deste mundo. Com ele e nele chegamos à vida eterna, a vida plena que somente Deus pode doar.

Que pena que muitos não tenham a paciência de procurar. Talvez o mestre não more muito longe. Na casa da frente? Em nosso coração? A busca continua.

Artigo dominical

O caminho perdido
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Alguns monges estavam atravessando o deserto junto com o seu abade. O noviço mais novo era o encarregado de guiá-los na peregrinação. Apesar da sua boa vontade, ele tinha perdido o rumo do caminho. O abade e os irmãos já tinham percebido que estavam dando voltas e que o seu guia estava na maior confusão. O velho superior, porém, não queria humilhar ou repreender o jovem na frente de todos. No entanto, estava escurecendo e continuar a caminhar sem rumo no deserto era muito perigoso. O abade, com santa simulação, disse:

– Estou muito cansado, não aguento mais, melhor parar.

Os outros monges todos juntos disseram:

– Nós também estamos sem condições de continuar, vamos deixar para amanhã.

De noite, o ancião ficou a sós com o jovem e, juntos, reavaliaram o percurso. Ao amanhecer, com a luz do dia, o jovem guia reencontrou o caminho certo e conduziu os irmãos todos ao o destino da viagem.

Simples e brilhante a solução que o abade e os irmãos encontraram para não humilhar o jovem noviço. Em geral, apontar os erros e os malfeitos dos outros nos dá certa satisfação. Sentimo-nos superiores. Na verdade, errar, duvidar, ficar confusos é comum. Melhor seria corrigir o irmão com paciência e carinho, dando a perceber que nós também precisamos ser corrigidos. O irmão ficará agradecido e o nosso orgulho silenciado.

No evangelho que nos apresenta a dúvida do apóstolo Tomé, Jesus nos dá o exemplo. Mais do que repreender ou reprovar o apóstolo incrédulo, o exorta a ter fé, a confiar nele e nos companheiros. Todo mundo tem dúvida e incertezas e podem ser motivadas por várias razões. A nossa cabeça dura, por exemplo. Às vezes são os outros que achamos pouco confiáveis. Por fim, o próprio objeto da fé pode nos parecer inacreditável. No caso da ressurreição do Senhor continua a ser difícil acreditar que o “impossível” tenha acontecido. Não só Tomé, mas todos os apóstolos demoraram em acreditar. Quando, porém, superaram os questionamentos e as incertezas, começaram a espalhar a Boa Notícia e enfrentaram qualquer perigo e perseguição.

Perguntar não está errado e nem é vergonhoso. Pior é quando desistimos de buscar as respostas e caímos na indiferença. Não tenho dúvida. Perguntar, querer entender, é sinal de interesse e de boa vontade. Revela o desejo profundo de acertar, de decidir com a própria inteligência, de encontrar o sentido grande da vida e dos acontecimentos. Espanta-me a segurança com a qual algumas pessoas chegam à conclusão que tudo o que diz a respeito da religião é sem sentido, pura imaginação, para não dizer idiotice. Evidentemente as coisas materiais e imediatas parecem mais confiáveis que uma Palavra de Deus transmitida de geração em geração.

É mais fácil se conformar com o que parece comum, com uma vida já programada, seguindo a lógica do consumo e do prazer. Custa buscar um sentido na vida, questionamo-nos sobre o que fazemos e o porquê o fazemos. Facilmente se percebe a angústia de quem não consegue ganhar mais, de quem nunca fica satisfeito com o que tem. Parece que fazer o bem, cumprir a justiça, desmascarar as mentiras e as falcatruas, construir uma sociedade mais justa e fraterna, interesse muito menos que a própria tranquilidade, o próprio bem- estar.

Talvez o que dá gosto à vida não seja ter tudo pronto, arrumado, pensado e resolvido pelos outros, mas, justamente, buscar caminhos novos – ou reabrir antigos – encontrar respostas a perguntas nunca plenamente resolvidas – ou sempre abertas, apesar dos milênios da história humana. A insaciabilidade do nosso coração é um dom que recebemos, um convite à busca. Querer anestesiá-lo é só adiar o reconhecimento das nossas fragilidades. Tenhamos medo da indiferença, não de buscar e questionar. Se formos sinceros encontraremos o caminho e ouviremos Jesus nos dizer: – Não sejas incrédulo, tenha fé! -. Chegaremos à meta.

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Páscoa é hoje, Páscoa é aqui,
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

      A festa da Páscoa chega sem alarde. Chega depois de um tempo silencioso, de recolhimento, caridade e oração: o tempo da Quaresma. Não tem os pisca-piscas do Natal e nem a correria de final de ano. Talvez seja melhor. O novo da Páscoa não está na exterioridade, mas sim numa passagem inesperada, acontecida no silêncio da noite, algo que será descoberto por algumas mulheres somente ao amanhecer do primeiro dia da semana. Mas a notícia se espalha logo, ainda inacreditável, mas real. Jesus está vivo! Aquele que amou sempre, que amou a vida toda, até os inimigos na hora da morte, venceu e agora triunfa glorioso.

Apesar das suas palavras, quase ninguém acreditava. A condenação pelas autoridades e a morte na cruz foram demais para os seus seguidores. Agora, também, com ele vivo e ressuscitado, ainda eles têm muitas dúvidas. Tudo é novo demais. Sempre será assim. Para acreditar na ressurreição de Jesus não basta a experiência, o bom senso, alguma explicação com a pretensão de ser histórica ou científica. Somente a fé pode acolher algo que é mais do que simplesmente humano, mais do que um sonho ou uma ilusão, algo que é o começo de uma vida nova. – Jesus é o Senhor! – ensinarão os apóstolos. – “Meu Senhor e meu Deus!”, dirá Tomé caindo aos pés do ressuscitado.

A cada ano, a cada Páscoa, precisamos reavivar esta nossa fé. Sempre corremos o perigo de achar quase normal o acontecido, de considerá-lo pouco atual, uma lenda do passado, bonita, mas útil só para consolar alguns desavisados. O tempo passa, as ideias mudam, a sociedade avança, o dia a dia nos sufoca. Por que perder tempo com tudo isso? Como cristãos, não devemos nos espantar; não cabe ao mundo testemunhar a fé na ressurreição de Jesus, cabe a nós provar, com as nossas vidas, que algo de realmente novo aconteceu e sempre está acontecendo. Jesus continua vivo, à frente do seu povo, caminhando conosco. Quem não deve e não pode desanimar, quem não pode perder o foco da novidade somos nós. Esta é a nossa missão.

Para superar o desânimo precisamos, talvez, recomeçar a acreditar, de uma forma nova e mais viva. A rotina cansa também os mais generosos, mas a fé reanima e a confiança sustenta. Aquele pingo de apóstolos não tinha nem recursos e nem prestígio. Não faltava o temor, mas eles arriscaram, perderam as suas vidas e a boa notícia cresceu. Hoje inventamos desculpas para justificar a nossa falta de entusiasmo. Queremos ver resultados antes de nos entregarmos à missão. Queremos ganhar alguma coisa antes de gastar tempo e energias. Queremos negociar com as coisas do mundo, queremos ter a nossa cota de fama e de sucesso, porque gostamos de aparecer.

Não foi esse o caminho de Jesus e nem dos apóstolos. Jesus falava do Pai a quem queria obedecer custe o que custar. Os primeiros cristãos só falavam de Jesus porque era ele o mais importante, era ele que tinha morrido na cruz e ressuscitado por amor a nós pecadores. Muitas vezes, nós mesmos, nos lembra papa Francisco, estamos demais preocupados com a nossa organização, a nossa segurança, a nossa doutrina. Esquecemos que o que vale é a mudança em nossas vidas, a conversão, o jeito novo de fazer o bem, jeito que sempre escandalizará os mundanos.

Outro segredo para não desanimar é entender que a Páscoa continua, não acabou naquele dia. Somente começou e continua acontecendo na vida daqueles que sabem amar e perdoar, naqueles que se esquecem de si para fazer felizes os outros; naqueles que comunicam alegria, esperança, constroem a fraternidade e a paz; aqueles que têm fome e sede de justiça. Quase sempre tudo isso é pequeno, muito pequeno. Acontece no silêncio das casas, dos corações, à vezes, entre lágrimas. Mas esta é a verdadeira novidade que marca a vida das pessoas e as faz voltar a sorrir e a se abraçar. É a vida de Jesus que venceu o mal e a morte uma vez por todas. Cantemos, sem medo, e sempre o Aleluia pascal. Feliz Páscoa para todos.       

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Três almas
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Após a morte, três almas, chegaram à morada do céu. A primeira aproximou-se da porta do Paraíso e a encontrou fechada. Desesperou-se. Cheia de raiva e de ódio, começou a gritar e a blasfemar. Aquele era o Inferno: o reino do desespero. Também a segunda alma veio até a porta do Paraíso e a encontrou fechada. Porém não desanimou; ao contrário, cheia de confiança, acendeu o fogo, pegou martelo e bigorna e começou a forjar grandes chaves de ferro, batendo com força e habilidade. Aquele era o Purgatório: o reino da esperança. Por fim, chegou à porta do Paraíso a terceira alma, não tentou abri-la, somente bateu e a porta se abriu. Aquele era o reino do amor.

No quinto domingo da Quaresma, deste ano, encontramos o evangelho da ressurreição de Lázaro. Jesus se apresenta como “a ressurreição e a vida”, pede às irmãs Marta e Maria para terem fé nele, e devolve a vida ao seu amigo. Esse é o último dos sinais através dos quais o evangelista João quer nos conduzir a entender e acolher Jesus. Ele, fonte de água viva, deu um novo sentido à vida da samaritana despertando-lhe a sede de Deus. Ele, como luz do mundo, abriu os olhos ao cego de nascença para que conhecesse o mundo e as pessoas, mas, sobretudo, alcançasse o fulgor da fé. Enfim, aquele que dali a poucos dias será morto na cruz chamou Lázaro de volta para esta vida terrena.  Assim, Jesus revela a força infinita do amor e da fé que fazem acontecer o milagre. Também com ele, a vitória da morte durará somente três dias. No domingo de Páscoa, ela perderá todo o seu poder, não será mais a última palavra desta vida.

Marta e Maria choram pelo irmão. Ambas cobram a ausência de Jesus. Por que o amigo não estava ali na hora difícil? Jesus partilha o sofrimento delas e, ao vê-las chorar, chora também. Diante das lágrimas de Jesus, os judeus se dividem: alguns reconhecem o amor dele para com o amigo, outros questionam que poder realmente ele tem já que não o poupou da morte. É neste momento que o amor precisa da fé e a fé se alimenta do amor. Vale para o nosso relacionamento com Deus e também com irmãos.

Para que as nossas profissões de fé não fiquem somente na abstração ou num conjunto de afirmações, mais ou menos convincentes, precisamos reconhecer o amor de Deus nas suas mais diversas manifestações em nossas vidas. Será o amor a nos fazer crescer como amigos de Deus, íntimos e confiantes nele. Sem amor, não há familiaridade; há somente formalidade e exterioridade. Não há verdadeira fé.

Do outro lado, para que as grandes declarações de amor se concretizem em gestos, atitudes e decisões, precisamos saber a quem amamos e porque o amamos. O amor sem um objetivo, ou alguém real para amar, é somente uma boa intenção que nunca se transforma em doação, generosidade e renúncia. Para podermos nos doar sem cálculo e sem alarde, precisamos confiar naquele ou naquela que afirmamos querer amar.

Aprendemos a amar, talvez começando com alguém bem perto de nós. Alguém que precise de nós, mesmo que não entenda ou aparente dispensar o nosso amor. Nós acreditamos que nenhum gesto de amor ficará perdido. Se é verdade que o amor precisa de rostos, mãos e corações para amar e ser amado, precisa também da fé para não desanimar e desistir.

Tudo isso Jesus nos ensinou. Com a sua humanidade se solidarizou com todos os seres humanos que passam por este mundo. Na cruz, enfrentou e venceu a luta do bem contra o mal, porque amou e perdoou a todos, até aos seus agressores. Na ressurreição, abriu o horizonte da vida plena a todos aqueles e a todas aquelas que acreditam no amor de Deus e fazem do amor ao próximo o sentido das suas vidas. Estes, um dia, ouvirão as palavras tão esperadas: “Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo!” (Mt 25,34). As portas da Vida se abrirão. O Amor já as terá aberto.

 

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Por amor a Deus
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Perto de uma mesquita, um jovem mendigo, sentado no chão, cantava com voz admirável um hino para Deus. Passou por aí um xeique e parou para escutar aquele canto suave. Quando acabou de cantar, o jovem estendeu a mão àquele senhor que tinha ficado impassível na frente dele e lhe disse:
– Pelo amor de Deus, eu lhe suplico, dê-me uma esmola.
O xeique tinha perdido a esposa fazia poucos dias e estava inconsolável. Tendo abandonado a fé, respondeu ao mendigo:
– Vou lhe ajudar; mas pelo seu canto bonito, não por amor a Deus.

Assim, falando, deixou cair algumas moedas de ouro no colo do pobre. Este, ouvindo aquelas palavras, disse-lhe:
– Como pode, meu irmão, apreciar o meu canto de louvor a Deus, se não o ama? Como pode compreender este hino, se não acredita nele? A minha voz não é, talvez, a voz dele?

Dizendo isso o mendigo afastou o cobertor que o cobria e sobre o qual tinham caído as moedas e lhe intimou:
– Retome o seu dinheiro!

O xeique curvou-se para recolhê-las e viu que o jovem não tinha pernas.
– Como eu teria podido viver sem Deus? Sem ter esperança nele? – disse ainda o jovem. O rico senhor afastou-se com o coração em tumulto sem dizer mais nada, mas, depois de alguns passos, percebeu que ele também estava cantando o mesmo hino de louvor a Deus.

Quantas vezes, se não estamos totalmente distraídos ou atordoados pelos afazeres da vida, uma palavra diferente ou uma situação imprevista nos obrigam a questionar a nossa própria fé. O que parecia certo fica confuso e o que estava escondido se torna claro. A luz da compreensão e a luz da fé são um dom de Deus. No entanto precisamos estar atentos para nos deixar iluminar, de verdade, por esta luz.

Jesus sempre se oferece como luz para quem quer sair da cegueira dos seus medos, das suas falsas seguranças ou do seu comodismo. O evangelho da cura do cego de nascença nos lembra de tudo isso. A ele, Jesus doa a luz dos olhos e a luz da fé, porque reconhece a sua sinceridade. Os pais dele ficam com medo e fingem não saber de nada. Os judeus, com os seus raciocínios, querem explicar o inexplicável, tudo para não ter que admitir que Jesus possa ser o enviado de Deus. Assim, por causa do medo e dos seus preconceitos, por não querer pôr em dúvida a própria visão de Deus, eles continuam na escuridão: perderam a possibilidade de acolher a luz que Jesus lhes oferecia.

Segundo a lógica dos fariseus, aquele homem tinha nascido cego por causa de alguma culpa dele ou dos pais dele. Imperfeição e pecado só podiam estar juntos. Também não queriam admitir que Deus pudesse se servir de um desconhecido como Jesus para curar um pobre cego, mais ainda infringindo a lei do sábado. No esquema religioso deles, não entrava a misericórdia e a liberdade amorosa de Deus. Preocupados em encaixar tudo na sua lógica, ficaram fechados às maravilhas do Pai, que estavam se manifestando nos gestos e nas palavras de Jesus.

Sempre acontece isso a quem se acha no direito de decidir o que Deus pode ou não pode fazer. Triste engano de quem pensa que sabe tudo e enxerga tudo, mas, na realidade, continua tateando na escuridão. Eles estavam vendo no cego, que agora enxergava, somente o pobre pecador e naquele que, diziam, o tinha curado, um perigoso charlatão. Jesus, ao contrário, viu no cego um irmão sofrido, expressão de uma humanidade excluída e desprezada precisando de luz. Assim surpreendeu a todos com as suas palavras e as suas ações. Esta luz continua a resplandecente para todos na escuridão da cruz; somente com os olhos da fé é possível enxergar tamanho amor.

Neste tempo de Quaresma, precisamos fortalecer e purificar esta nossa fé. Cegos não podem guiar outros cegos. Apesar das nossas limitações e fraquezas, somos chamados a ser luzes e a cantar sempre a grandeza do amor de Deus. Outros aprenderão também a cantar e a acreditar. Tudo por amor a Deus.

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O mais necessário
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Um mestre sufi muito pobre, faminto e cansado da viagem, chegou uma noite perto de uma aldeia e foi rejeitado. O povo de lá era de outra religião e não gostava de sufis. A noite era fria, o homem estava com fome, cansado e tremia de frio. Sentou-se aos pés de uma árvore, longe das casas. Os discípulos dele, por sua vez, estavam cansados e com raiva. De repente, o mestre começou a rezar, louvando a Deus com estas palavras:
– Ó meu Deus, tu és maravilhosos! Sempre me dás o que eu preciso.
Isso era demais. Um discípulo o redarguiu:
– Agora estás exagerando. Estas tuas palavras são falsas. Estamos aqui cansados, com fome e com frio. Nesta noite, poderemos ser assaltados por animais ferozes. Fomos mandados embora e não temos para onde ir. Por qual razão estás agradecendo a Deus? – O mestre respondeu:
– É verdade e o repito: Deus me dá o que eu preciso. Esta noite eu tenho necessidade de pobreza, de ser rejeitado, de ter fome e medo do perigo. Se não fosse assim, por que Deus me teria dado tudo isso? Deve ser mesmo aquilo que eu preciso. Se acredito que Deus cuida de mim, ele conhece as minhas necessidades. Não posso deixar de lhe agradecer.

Sem dúvida, o mestre daquela religião tinha muita confiança em Deus, ao ponto de conseguir louvá-lo e agradecer-lhe, apesar das dificuldades e privações que estava experimentando. Deus não quer o nosso sofrimento, mas talvez nos deixe faltar algo que, pensamos, nos seja necessário, para que consigamos descobrir algo mais necessário ainda. Essa foi a grande descoberta da mulher samaritana, quando encontrou Jesus à beira do poço de Jacó. Ela estava precisando de uma “água” muito diferente, para satisfazer uma sede bem mais profunda que aquela corriqueira, que a obrigava a ir ao poço todos os dias.

O que o evangelista João nos conta precisa de uma atenta e minuciosa compreensão. O diálogo entre Jesus e a samaritana é muito mais que uma simples troca de palavras entre duas pessoas. Jesus tem algo muito precioso para nos oferecer, mas quer que sejamos nós mesmos a querê-lo. Assim a conversa começa com um pedido inusitado. É ele mesmo que toma a iniciativa. Ele, um homem judeu, que pede água a uma mulher samaritana. Dessa forma, ele se coloca no mesmo plano dela. Todo ser humano tem sede e precisa de água para satisfazê-la. Sempre, todo dia, a vida inteira, se não quer morrer. Água e vida andam juntas, assim como a sede de amor e a sede de Deus que procuramos sem mesmo saber.

A samaritana não tinha tido uma vida feliz. A prova eram os cinco maridos deixados para trás. Também o encontro com Deus não era fácil. Quantas discussões sobre a religião, talvez inúteis para quem não as entendia. Mas agora ela tinha à sua frente alguém que lhe falava da sua vida com a liberdade de um profeta, sem julgá-la ou condená-la. Alguém que lhe falava de Deus, com a sabedoria de quem conhece as profundezas do espírito, além de toda disputa. Alguém que com a sua amizade estava lhe oferecendo uma água viva que ele tirava do profundo do seu coração aberto, sincero, coração de quem quer caminhar junto com todos aqueles que buscam um sentido mais profundo e bonito da vida.

Assim Jesus diz àquela mulher anônima, pobre e infeliz, algo que não vai dizer aos mestres e aos doutores da Lei, aos grandes e aos abastados deste mundo: ele é o messias, o enviado do Pai. Para entendê-lo e acolhê-lo precisa ter fome e sede de amor e de paz, ter sede do Deus verdadeiro. Os que somente buscam grandeza, riqueza e poder, os que se constroem um deus feito de leis e preceitos não vão entender.

Faz bem sentir falta de alguma coisa e de alguém. Somente assim ficará um cantinho em nossa vida para que o amor de Deus e do próximo o possa preencher. Mas sempre se o pedirmos agradecidos. Como um dom.