Artigo dominical

As duas bolsas
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

 Certo dia, um jovem muito pobre, andando na feira, encontrou uma bolsa com dez moedas de ouro. Agradeceu a Deus pela sorte inesperada e resolveu gastá-las. No entanto sua consciência pesou e ele achou por bem voltar antes para casa para perguntar à mãe o que devia fazer com o dinheiro. Apesar da pobreza total, a mãe não titubeou:

– Volte já ao mercado, encontre quem perdeu as moedas e as devolva!

O jovem obedeceu. Antes ainda de chegar à feira viu um bom grupo de pessoas reunidas e um senhor desesperado, chorando a perda do seu dinheiro.  Pediu licença, apresentou a bolsa que tinha encontrado e perguntou se aquela era a perdida. O homem, rico e avarento, logo reconheceu que era a sua bolsa e a arrancou das mãos do jovem. Entendeu que por estar na frente de tantas pessoas devia dar-lhe alguma recompensa Não quis fazê-lo e inventou uma desculpa gravíssima. Começou a gritar:

– Ladrão, ladrão, aqui tinha vinte moedas de ouro, onde estão as outras?

Assim a confusão foi armada; o jovem foi segurado e ia ser entregue ao juiz, apesar das suas reclamações de inocência. O juiz chegou e logo percebeu a farsa. Se o jovem tivesse querido ficar com o dinheiro, podia ter ficado com tudo e não devolver somente a metade. Por isso, o juiz perguntou por três vezes ao rico:

– O senhor tem certeza que na sua bolsa tinha vinte moedas de ouro?

– Certeza absoluta – respondeu três vezes o rico avarento.

– Pois bem – sentenciou o juiz – cheguei à conclusão que hoje na feira foram perdidas duas bolsas com dinheiro: uma com vinte e uma com dez moedas de ouro. Sendo que ninguém está reclamando pela bolsa de dez moedas decido que esta seja imediatamente devolvida ao jovem que a encontrou e que se continue procurando a outra bolsa com vinte moedas. Quem sabe que ainda esteja por aí.

Coisas de outros tempos, sem dúvida. Talvez mais humanos. A parábola do evangelho deste domingo nos fala de um juiz corrupto que, porém, acaba fazendo justiça a favor de uma viúva por causa da insistência dela. Desta maneira, o Senhor quis nos ensinar a nunca desistir da oração e conclui com uma pergunta sempre questionadora: “Mas o Filho do homem, quando vier, ainda vai encontrar fé sobre a terra?”

Fé e oração só podem estar juntas. Quando estão separadas é para pensar se uma das duas, de fato, não esteja faltando. Se não temos fé, se não confiamos naquele que invocamos, a nossa oração serve somente para nós mesmos. Não tem ninguém para escutar e acolher o nosso pedido.  Do outro lado, dizer que temos fé, mas nunca invocarmos Aquele que está sempre pronto a nos escutar, significa ter uma fé vazia e, portanto, também inútil. Este “deus” não nos interessa.

Eu sei que muitos não aceitam estas considerações e se desculpam dizendo que têm fé, mas que, porém, preferem rezar sozinhos. Cada vez mais, a sociedade de hoje reduz a religiosidade de uma pessoa a uma questão particular. Cada um acredita se quiser e em quem quiser. Do mesmo jeito reza como quiser e a quem quiser. Ninguém mais precisa de igrejas, reuniões, mestres, ministros de culto e pastores. Ou escolhe quem mais lhe agrada. A tentação de cair neste “reducionismo” da fé e da oração é muito grande e, vamos ser sinceros, cômoda.

Cada um pode construir o deus que bem quiser, a sua própria imagem e semelhança, com as regras decididas por si mesmo, para ter a sua consciência em paz, sem precisar confrontar-se com outros ou acolher uma Palavra que, para quem acredita, vem de Deus, mas que os grupos religiosos parecem interpretar cada um do seu jeito. Uma bela gritaria e uma bela confusão.

Resultado: este “deus”, que afinal sou eu mesmo, cansa porque não tem nada de novo, nada cobra e tudo deixa passar. Portanto não é ninguém que me aguarde e se preocupe por mim. Um Deus sem rosto não pode ser um Deus de amor. Com isso, a oração é a primeira atitude que acaba e logo em seguida a fé esfria até se apagar. Diferente é para quem conhece bem o seu Deus, acredita que é amado por Ele e que pode amá-lo em resposta. A oração pode ser um pedido insistente, o grito de um pobre pecador, mas também pode ser o louvor e a gratidão de um filho que reconhece a bondade do Pai. Somente assim a fé continuará viva neste mundo.

Talvez estejamos precisando de algum “juiz” honesto que desmascare as nossas farsas.

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O vento
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Um jovem agricultor se encontrou, um dia, com muita dificuldade para pagar ao senhor do Condado o imposto anual da terra, da qual tirava o seu sustento. A quantia que ele devia era bastante elevada e já temia não conseguir angariar todo o dinheiro. Pediu conselho ao seu Rabi. O velho sorriu e lhe disse: “Vai ter com o senhor Conde e pergunta se ele quer lhe vender o vento das suas terras”.

O agricultor foi e fez como o sábio lhe tinha dito. Quando ele apresentou o seu pedido no palácio, todos riram da cara dele. No entanto o nobre conde quis entrar naquele negócio, porque o considerava, afinal, somente uma brincadeira. Na frente de todos os amigos e cortesãos, assinou um contrato regular com o qual cedia ao jovem o uso de todo o vento que soprava em suas terras. Aquela era uma região onde existiam muitos moinhos movidos pelo vento. Logo o senhor conde percebeu o engano. Com efeito, o jovem, todos os dias, ganhava um bom dinheiro cobrando dos moleiros o trabalho do vento.

Mais uma pequena narração sobre capacidade de um pobre resolver o seu problema, enganando o rico. O próprio Jesus, no evangelho deste domingo, conta-nos a parábola de um administrador que roubava e roubou ainda mais do seu patrão. O surpreendente da história é que o patrão prejudicado elogiou o administrador desonesto porque agiu com esperteza.

É evidente, pelas próprias palavras de Jesus, que ele não quis nos ensinar a lucrar com a desonestidade. Simplesmente nos convida a reconhecer a esperteza de quem cuida dos seus interesses, a todo e a qualquer custo, inclusive com o engano, e a inércia dos bons em usar dos bens deste mundo para multiplicar a bondade. Jesus aponta uma finalidade até para o dinheiro ganho com a malícia: usá-lo para fazer amigos, aproveitar do mal feito para realizar um bem.

Cuidado, porém, para não tomar ao pé da letra as palavras de Jesus. Poderíamos pensar que, tendo como fim um bem, seriamos incentivados a fazer algo de errado se esta ação nos permitisse alcançar a meta. Nenhum mal se justifica com a desculpa de obter algo que parece bom. Isto porque deveríamos nos perguntar, de antemão, que bem seria este: um bem talvez para alguns, mas que seria um mal para outros?

Jesus não fica imaginando ou promovendo discussões, ele é sempre mais simples e claro. O bem é aquele feito aos pobres, aos pequenos, aos necessitados, àqueles que um dia nos receberão nas moradas eternas. O bem feito a quem não pode devolver. É o bem sem cálculos, feito, porém, com a esperteza de quem não quer perder nenhuma oportunidade de transformar o lucro, talvez ainda resultado de exploração e de ganância, em solidariedade e partilha. Até chegar o dia em que não teremos mais exploração e lucros injustos, podemos fazer muitos irmãos felizes, podemos “administrar” os bens materiais deste mundo para o bem, a paz e a justiça.

O “verdadeiro bem” de que fala Jesus pode ser simplesmente o amor fraterno, sem ricos demais e sem pobres demais, sem exploradores e explorados, algo de semelhante às primeiras comunidades onde os cristãos se esforçavam para que não houvesse necessitados entre eles (cf. Atos 4,34).

O objetivo deste sonho-projeto de Jesus – que é o sonho do Reino de Deus – é colocar o ídolo dinheiro no seu devido lugar. O “deus” lucro e o “deus” mercado, não pode ser “senhores” tão importantes; “deuses” a serem adorados ao ponto que a eles se possam sacrificar vidas humanas, através da espoliação de direitos e da exclusão social. Talvez seja mesmo o caso de usar mais da nossa tão badalada inteligência humana para realizar um mundo mais justo e fraterno. Quando vai aparecer um “gênio” capaz de multiplicar a solidariedade e a partilha em lugar de multiplicar os lucros? Para quem acredita este “gênio” já veio, já falou e já foi crucificado. Cabe aos seus seguidores ser fiéis nas coisas grandes que ele nos entregou. Se até vendendo o vento um pobre pode melhorar de vida quanto mais deveria ser possível fazer isso praticando a palavra de Jesus cada dia de nossa vida. Sem enganos, porém.

Artigo dominical

Assim como nós perdoamos
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

João Esmoler, patriarca de Alexandria, encontrou uma maneira simples para convencer um rico senhor a fazer as pazes com o seu inimigo. Certo dia mandou chamá-lo com a desculpa de querer falar de negócios. Depois lhe pediu que ficasse para participar da Missa que, em seguida, ia celebrar na sua capela particular somente com a presença do sacristão. A este, o patriarca ordenou que, durante a oração do Pai-Nosso, silenciasse quando chegassem às palavras: perdoai-nos as nossas ofensas…Quando chegou o momento, todos começaram a rezar o Pai-Nosso em voz alta, mas às palavras “ Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido” se ouviu somente a voz daquele senhor. O santo João olhou para ele e disse:

– Meu amigo, eu lhe imploro, reflita sobre o que acabou de dizer neste momento tão solene da celebração. Para ser perdoado deve também saber perdoar.

Então o nobre jogou-se aos pés do santo e prometeu reconciliar-se com o seu desafeto.

No evangelho deste domingo, Jesus é criticado porque dava atenção aos publicanos e pecadores. A parábola que ele contou para explicar a sua atitude, na realidade, é formada por três parábolas. A mais conhecida é, sem dúvida, aquela dos dois irmãos, dos quais o menor sai de casa com a sua parte de herança, esbanja tudo e volta somente quando lhe faltam comida e dignidade. No entanto todas as três parábolas nos apresentam dois momentos distintos: a dor da perda e a alegria do reencontro.

O pastor sente a falta da centésima ovelha que se perdeu e não se quieta até encontrá-la. A mulher que perdeu uma das dez moedas, varre a casa toda até encontrá-la. Ambos chamam amigos e vizinhos para festejar. Também o pai da terceira parábola sofre pela saída do filho. Aos servos e ao outro filho repete que aquele que voltou “estava morto e voltou a viver, estava perdido e foi encontrado”. Precisa fazer festa. Uma grande festa. No entanto este pai nos parece inerte. Não reagiu quando o filho deixou a família e não foi atrás dele depois. Não o ameaçou quando saiu e nem o repreendeu quando voltou. Ao contrário, foi ao seu encontro e o abraçou. Igualmente não obrigou o filho maior a entrar para participar da festa, simplesmente “insistiu” com ele; pediu, não mandou. Que pai é este?

Talvez esteja aqui o segredo do evangelho e da maneira de Deus nos amar. O que parece fraqueza é a força de Deus. O que parece desistência é a bondade do Pai. Nós somos os filhos pecadores, desobedientes, ingratos que esbanjam as riquezas recebidas. Somos também os filhos que não saíram da casa, mas lá permaneceram insatisfeitos, interesseiros, prontos a reclamar, julgando os outros, incapazes de entender o coração misericordioso do Pai.

O caminho que Deus escolheu para nos salvar não foi o caminho do poder e da imposição. Estes geram ódio, revolta, disputa. A aparente “inércia” do Pai tem o nome do Filho, tem a força da cruz do Filho. Jesus se colocou ao lado dos pecadores, ele que não tinha culpa se fez pecado, diz São Paulo (cf. 2Cor 5,21). Jesus mostra o rosto misericordioso do Pai que quer ganhar a confiança dos seus filhos para que correspondam livremente ao seu amor. Somente assim os dois filhos podem reconhecer-se como tais. Sem a experiência da gratuidade e da  liberdade do amor, a casa paterna não pode ser alegre e festiva. Até que os filhos se sentem empregados, com o desejo de fugir ou obrigados a ficar por medo do Pai, a casa paterna não acolhe, sufoca. O Pai não quer filhos infelizes, sente compaixão por eles. Prefere esperar, aguardar, fica olhando de longe, preparando o abraço do perdão. Quando o filho menor decide voltar, corre ao encontro dele. E quando o filho maior não quer entrar na festa, sai para suplicá-lo. Somente Deus pode ser um Pai assim. Parece não fazer nada e faz tudo, porque ama e perdoa.

É no silencio do nosso coração que Ele deixa ecoar as suas palavras de perdão. Aquelas que Jesus ensinou. Ele quer que aprendamos a sermos irmãos e não inimigos, quer que vivamos a misericórdia e a compaixão. Tem música e barulho de dança. A festa do perdão vai ser inesquecível. Dá vontade de entrar, não dá?

Artigo – Área de Livre Comércio ainda sob ameaça

Área de Livre Comércio de Macapá e Santana ainda sob ameaça
Randolfe Rodrigues

PSe nada fosse feito, a Área de Livre Comércio de Macapá e Santana (ALMCS) deixaria de existir no final deste ano. No entanto, ao conseguimos incluir o Artigo 9º na Medida Provisória 613/2013, que deu origem ao Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 20/2013, foi assegurada a prorrogação até 2024 dos benefícios fiscais em todas as de Áreas de Livre Comércio atualmente existentes, inclusive na ALCMS.

Ao incluirmos o Art. 9º impedimos a ocorrência de efeitos nefastos sobre a economia do Amapá. Em termos práticos, o fim do regime implicaria no aumento de aproximadamente 25% no valor de 50 produtos comercializados em Macapá e Santana. Não estamos falando apenas de produtos industrializados importados, geralmente associados à imagem de zona franca, mas também àqueles de uso diário, a exemplo da gasolina e de utensílios domésticos, uma vez que parte dos benefícios fiscais é estendida a estes bens, mesmo sendo produzidos nacionalmente.

A interrupção dos benefícios fiscais atingiria não apenas o comércio atacadista e o mercado consumidor local, mas repercutiria na elevação dos índices de desemprego e do custo de vida regional, sobretudo porque uma das razões para a concessão desses benefícios foi a de atenuar o impacto do nosso isolamento geográfico e das dificuldades de abastecimento no custo de vida local.

Além disso, o fim da ALC de Macapá e Santana significaria também o fim de uma importante fonte de recursos para obras de infraestrutura realizadas sob a égide da Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), como o distrito industrial de Santana, o porto, a Orla de Santa Inês e a duplicação da Av. Salvador Diniz, dentre outros.

Pois bem, agora o PLV 20/2013 aguarda a sanção presidencial e observam-se movimentos pelo veto do Artigo 9º.  Tratam-se dos mesmos atores que sempre tentaram prejudicar nossa área de livre comércio, como na década de 90 com as cotas de importação ou com a edição da draconiana portaria 021 do Ministério da Fazenda, que proibiu o retorno de viajantes em intervalos inferiores a um mês, atingindo diretamente os “sacoleiros” da época. Isso para não falar das oscilações abruptas do câmbio e tantos outros obstáculos à existência do nosso regime aduaneiro especial.

Assim, para garantir a conquista é necessário nos articularmos. Já tomamos a iniciativa de encaminhar um Ofício à Presidenta Dilma, assinado pelos senadores dos Estados da Amazônia que abrigam ALCs, no qual enfatizamos a necessidade da sanção do PLV sem vetos.

É fundamental estabelecer uma ampla corrente de amapaenses em defesa da prorrogação da vigência da nossa Área de Livre Comércio.  Empresários, por meio de suas Associações de Classe; profissionais liberais, estudantes, trabalhadores, enfim, convido a sociedade amapaense para nos unirmos por esta causa que é de todos nós: contra o veto do Artigo 9º do PLV 20/2013!

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O carrinho de mão
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Numa fábrica havia roubo de mercadoria. Ninguém, porém, conseguia descobrir como isso acontecia. Foi contratada uma firma de investigação só para desvendar o mistério. Os investigadores decidiram conferir tudo o que saía da fábrica, quando os operários encerravam os seus turnos. A maior parte deles esvaziava espontaneamente os seus bolsos e mostrava o conteúdo das sacolas onde levavam a refeição. Tudo parecia normal. Somente chamava a atenção um homem que, todo dia, aguardava a sua vez na fila e atravessava os portões de saída com um carrinho de mão cheio de lixo. Os guardas passavam mais de meia hora conferindo o que, pensavam, podia estar escondido no meio daquela imundície. Nunca encontravam alguma coisa que valesse a pena roubar. No entanto os roubos continuavam. Certa noite, o guarda, já sem muita paciência, disse baixinho ao homem do carrinho:

– Escuta, eu sei que você está escondendo alguma coisa. Isso está me deixando louco. Se me disser o que está fazendo lhe prometo que não vou contar para ninguém.
– Simples – respondeu o homem – eu roubo os carrinhos de mão.

Muitas histórias de esperteza existem por aí. Entre as capacidades da criatividade humana existe também esta. Algumas demoram anos para serem desvendadas, outras se tornam lendas. Podemos nos perguntar se, no evangelho deste domingo, Jesus também quer nos ensinar a sermos “espertos”. Com certeza ele não quer nos propor a esperteza humana que serve para enganar os outros, tirar alguma vantagem e rir, depois, dos que caíram na armadilha. Nada disso. No entanto, podemos falar de uma “esperteza evangélica”.
Jesus quer nos ensinar a fazer cálculos não para enganar os outros, mas para cumprir até o fim a obra para a qual fomos chamados. Uma obra grande, muito grande. Também a guerra contra o mal é muito exigente. Viver o evangelho não é bobagem, algo de superficial, banal e sem valor. Está em jogo a nossa própria reputação. Se não der certo, os outros poderão zombar de nós. Neste caso, será que nós tivemos a ousadia de iniciar uma obra impossível? Nunca o bem vai vencer! Se não conseguimos isso o fracasso será a nossa vergonha!
A meu ver, a esperteza evangélica consiste praticamente em duas coisas. Primeiro devemos ter consciência das nossas fragilidades e limitações. Não seremos nós a resolver tudo, a sermos os grandes vencedores. O que podemos fazer é dar alguns passos conforme as nossas forças. Uma obra grande é sempre realizada através de pequenos avanços, momentos de espera e de paciência. Talvez nunca veremos o resultado final neste mundo; sempre seremos – e devemos ser –  humildes colaboradores. Operários, porém, que nunca desistem porque acreditam e confiam na bondade e na grandeza da obra que afinal, fique bem claro, é obra de Deus.
A outra condição é justamente a total dedicação a esta missão. Isso explica as palavras duras e exigentes de Jesus. É possível renunciar a tudo? Como conseguir nos desapegar dos afetos mais valiosos: pai, mãe, mulher, filhos, e até da nossa própria vida? Será que vão existir mesmo discípulos tão abnegados ou Jesus nos pede renúncias impossíveis? Mais uma vez devemos entender o sentido da radicalidade evangélica e as suas exigências. Quem aceita seguir a Jesus nunca deixa de amar as pessoas ou acaba ficando contra elas. O discípulo ama muito mais porque esta é a obra que o Senhor lhe pede: construir o Reino do amor, da paz e da justiça. Só que este é um amor bem exigente. É um amor de doação e não de egoísmo, de generosidade e não de domínio. Podemos dizer que o Reino começa em casa com as pequenas ações amorosas do dia a dia, junto às pessoas que mais deveríamos amar e servir.
Assim o Reino cresce e se espalha. Através dos filhos que amadurecem e continuam a obra. Através dos amigos que são contagiados pelo exemplo e o testemunho de nossa fé. Tem muitos carrinhos de lixo que podemos jogar fora dos nossos relacionamentos em casa e fora dela. Talvez precise de uma caçamba ou de um carrinho de mão. Mas, cuidado, espertos e decididos sim, ladrões e falsos não.

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Perdoe-me por eu ser tão burro
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Quando ainda seminarista, João Maria Vianney, o futuro santo Cura d’Ars, tinha grandes dificuldades na escola. Não conseguia entender as noções mais simples. Os superiores do Seminário o mandaram de volta para casa inúmeras vezes, mas ele teimava em querer voltar. Já tinha 21 anos e sentava na escola com alunos que tinham dez anos a menos do que ele. Um desses alunos, com onze anos, começou a ajudá-lo nos estudos. João Maria era muito agradecido ao seu pequeno mestre, no entanto as dificuldades continuavam. Ele não entendia, esquecia,  perdia-se, não conseguia se expressar direito. Certo dia, o menino queixou-se disso com os outros colegas da turma. João Maria escutou a conversa. Levantou-se da sua mesinha, ajoelhou-se na frente do colega e lhe disse: “Perdoe-me por eu ser tão burro!”.

Devemos reconhecer que a humildade foi uma das grandes virtudes dos santos. Não deveria ser diferente para nós que queremos seguir Jesus e praticar os seus ensinamentos. Mais uma vez, ele nos manda o seu recado. O faz por meio de uma parábola. Bom observador e conhecedor dos corações humanos, Jesus viu a ambição das pessoas em ocupar os primeiros lugares numa refeição na casa de um dos chefes dos fariseus. Não perdeu a oportunidade de convidar a todos a serem mais humildes, a não exaltar-se tanto, achando-se superiores aos outros. Muito mais sábio é aquele que senta no último lugar. Se merecer, será chamado mais perto do anfitrião. Se não, ficará tranquilamente no seu lugar, sem passar a vergonha de ser convidado a sair para dar lugar a outro mais importante.

É tão simples o ensinamento de Jesus que parece óbvio. No entanto parece mesmo que nós todos sejamos ambiciosos por natureza, que cada um de nós tenha uma autoestima tão grande que seja capaz de conduzir-nos ao orgulho, à arrogância, à busca de posições privilegiadas. Muito difícil é aceitar ficar para trás. Todos queremos aparecer, ser notados, chamar atenção.

Vivemos na sociedade das aparências, das disputas e da propaganda. Não importa se a nossa imagem é falsa, corrigida pelo computador, ou enfeitada por palavras enganosas. O que vale é estar na frente. Exageramos com os adjetivos superlativos. Tudo é apresentado como o melhor; nunca teve algo comparável na história. Os chamados “campeões” não aceitam comparações. Alguns já foram declarados os melhores do milênio. Talvez do milênio passado, porque o novo mal começou. Depois de tanta exaltação nossa e dos bajuladores de plantão, quando percebemos que, obviamente, tem outros melhores de que nós, sofremos como se fosse o pior fracasso do mundo. A distância que separa a glória do desespero e da depressão está se tornando curta demais.  Estamos exagerando, estamos perdendo o bom senso e a consciência das nossas limitações humanas.

É por isso que a humildade é uma grande virtude e é a virtude dos grandes homens e das grandes mulheres. Grandes de verdade e não somente pelas aparências ou a propaganda. “Quem se humilha será elevado” nos lembra Jesus neste domingo (Lc 14,11). A alegria da verdadeira pessoa humilde não está em aparecer, mas em ter consciência do seu valor e, ao mesmo tempo, das suas limitações. Sabe que pode colaborar, e muito, para o bem de todos e coloca os seus talentos a serviço dos outros. Sabe também promover as qualidades dos outros, não precisa competir, porque cada um também tem as suas qualidades e deveria saber usá-las para o bem comum. O exemplo mais simples são as nossas próprias famílias. Se todos querem disputar quem manda mais, a convivência vira um inferno. Mas se o pai é pai, a mãe é mãe e os filhos sabem ser filhos e, com isso, todos colaboram com o seu papel, nasce a paz familiar e cresce a alegria de estar junto. Também as crianças, que não podem colocar dinheiro em casa, alegram a todos com as suas brincadeiras, a sua animação, o seu carinho. Elas, juntas com outros pequenos, como os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos, poderiam ser as primeiras a serem convidadas para uma festa, porque nunca poderão devolver da mesma forma. Dizendo a verdade, os pais esperam que um dia elas, as crianças crescidas, devolvam o amor recebido. Elas o farão, sim, com a condição de ter experimentado a gratuidade do amor e da doação. Não o saberão fazer se somente viram disputas, interesses, negociações. Talvez nos faça bem ficar de joelho e dizer desta vez ao próprio Senhor, mais ou menos, como São João Maria Vianney, que ele nos perdoe por sermos tão burros no nosso orgulho perdendo assim a oportunidade de fazer o bem, amar e ser amados pela grandeza própria do amor e da humildade. Sem outros objetivos ou adjetivos.

Artigo – Expectativa de Vida: É o Saneamento, governantes!

Expectativa de Vida: É o Saneamento, governantes!
Sérgio La-Rocque*

Informação divulgada pelo IBGE no dia 02 de agosto, sexta-feira, noticiava que a expectativa de vida da população brasileira aumentou 11,24 anos em três décadas.  Embora, penso, não tanto veloz como poderia, mas é de fato uma boa notícia; estamos indo em frente e temos hoje uma vida muito melhor que no tempo de nossos avós.

A melhoria na renda e os programas sociais foram, entre as causas apontadas pelos analistas, as mais evidenciadas.  A importância e contribuição desses fatores são inegáveis, entretanto, acho que foi dado pouco destaque ao fator mais determinante para o alcance desse patamar: o Saneamento básico, cujas ações abarcam o abastecimento de água tratada, o manejo de água pluvial, a coleta e tratamento de esgoto, a limpeza urbana, o manejo de resíduos sólidos, além do controle de pragas e de agentes patogênicos.

Com se vê, sua atividade é ampla. Tomemos, então, como foco, por um momento, o seu componente mais impactante: a água tratada.

É sabido que com o advento, no final do século XIX, do processo de tratamento de água para consumo público, por desinfecção com cloro, a expectativa de vida da população mundial aumentou em cerca de 20 anos. Nos EUA, por exemplo, as autoridades sanitárias dão a esse processo os créditos por um aumento de 50% na expectativa de vida do País no século XX.

De fato, a cloração da água potável é uma das maiores conquistas da história da saúde pública. Posteriormente a ela foi associada, a fluoretação, a fim de prevenir a cárie dentária, contribuindo sobre maneira para a saúde bucal da população, cujo uso, embora remonte a 1945, se tornou obrigatório no Brasil somente em 1975.

Vejamos agora o caso do Amapá, que conforme o IBGE apresentou um crescimento na expectativa de vida de sua população além de 12 anos, acima inclusive da média nacional. Não tenho dúvida que a ampliação dos serviços de abastecimento de água, desde a criação da CAESA no final dos anos sessenta do século passado até hoje, responde por mais da metade desse resultado. Hoje, praticamente todos os municípios do estado possuem Sistemas de Tratamento de Água.

Pela análise dos dados levantados pelo IBGE é possível constatar que os melhores resultados são alcançados pelos estados que apresentam maior cobertura na oferta da água tratada.

Mesmo considerando toda a precariedade que o fornecimento de água tratada ainda possui, demos um significativo salto.

Imaginemos então o que poderíamos termos alcançado se tivéssemos atingido a tão sonhada universalização desse serviço e se os nossos governantes realizassem a atividade de Saneamento básico em toda a sua plenitude, como objetivo permanente, de forma consistente, simultânea e integrada?

Não tenho dúvida que se houvesse essa vontade política, o nosso salto de qualidade seria muito maior e em muito menos tempo.

Não se trata de nenhuma fantasia, mas de algo que podemos realmente realizar, bastando para tal uma decisão radical de principio – cumpra-se!

*Sérgio La-Rocque é engenheiro químico/MBA, trabalhou no grupo CAEMI, VOTORANTIM, SRC e JPE Engenharia. Foi presidente da CAESA, diretor e presidente da COSANPA, Secretário de Transportes do Amapá e Diretor-Presidente da ARSAP. Atualmente e consultor de gestão, engenharia e relações institucionais, associado ao escritório Bemerguy & Ferreira advogados.

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Cada janela é alcançada pelo sol
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

 Um homem duvidava do amor de Deus. Estava desesperado. Um dia, porém, quando estava vagando sem rumo pelas colinas perto da sua cidade, encontrou um padre. Este, vendo a tristeza estampada no rosto dele lhe perguntou:

– Meu irmão, o que é que o aflige tanto?
– Estou me sentindo completamente só – respondeu o homem.
– Eu também estou só – disse o padre, no entanto, não estou triste.
-Talvez porque você tenha a companhia de Deus – replicou o outro.
– Falou certo – continuou o padre.
– Eu, ao contrário, não tenho nenhuma amizade com Ele. Não consigo crer no seu amor. Como é possível que Ele ame todos os homens um por um? Como é possível que ame a mim?
– Você está vendo a nossa cidade lá em baixo? – perguntou o padre – Está vendo todas as casas? Está vendo as janelas de cada casa?
– Estou vendo tudo isso, sim – respondeu o homem.
– Então, não deve se desesperar. O sol é um só, mas cada janela da cidade, também a menor e a mais escondida, é alcançada pelo sol em alguma hora do dia. Talvez você perdeu a esperança, porque deixa fechada a janela de sua casa!

Como de costume, durante o mês de agosto, refletimos sobre as diferentes vocações na Igreja e na sociedade. No primeiro domingo agradecemos ao Senhor pela resposta que os padres diocesanos, religiosos e missionários deram ao chamado de servir ao Povo de Deus através do ministério ordenado. É difícil em poucas palavras resumir a missão do padre. Às vezes pensamos que, não tendo família, tenha uma vida folgada. Livre das preocupações da maioria dos pais, ou mães, de família: sempre atrás de serviço e de dinheiro para pagar as contas, mas os padres se preocupam, sim, com famílias, crianças e jovens, só que são filhos… dos outros.

Outras vezes pensamos que o padre tenha uma vida solitária, talvez triste. Pode acontecer, porque é humano, mas em geral vive no meio das pessoas e sabe transmitir esperança, alegria e paz. Tudo isso porque, dizendo em poucas palavras, o padre é chamado a proclamar a verdade sobre Deus e sobre o homem. Uma verdade que não pode, não consegue e nem quer guardar somente para si.

A primeira verdade que deve anunciar é o amor de Deus. O padre da historinha convidou o homem triste a abrir a janela do seu coração para deixar entrar a paz e o amor de Deus. Não é Ele que deixa de nos amar; somos nós que damos pouco valor a este amor e não nos deixamos alcançar por ele. Quantas pessoas vivem fechadas em si mesmas ou em seus negócios. Parece não existir mais nada fora delas. Saber que são amadas pelo Pai não significa ter resolvidos, milagrosamente, todos os seus problemas. É mais do que isso. É abrir-se a algo e a alguém maior do que nós. É dar um sentido a tudo o que fazemos, abrir horizontes, criar laços de fraternidade, além dos lucros, das trocas de favores e do nosso exclusivo bem-estar, vivendo a experiência maravilhosa que “Há mais felicidade em dar do que em receber” (At 20,4).

Uma segunda verdade que o padre não pode calar – e por causa disso, muitas vezes não é bem acolhido – é sobre a transitoriedade da nossa vida e de todos os bens materiais. É o evangelho deste domingo. O padre, claro, não pode chamar alguém de louco, como fez Deus na parábola que Jesus contou. No entanto deve exortar as pessoas a não gastar inutilmente os dons que receberam de Deus para enriquecer sozinhas, juntando tesouros para si mesmas. Jesus não teve medo de alertar contra a ilusão da ganância e do poder. Convidou a sermos ricos perante Deus e não perante os homens. A riqueza de Deus é a misericórdia, para Ele valem o bem, feito sem recompensa, o amor e a vida doada. Tudo o contrário daquilo que sempre proclama o mundo.

Talvez seja por isso que não é fácil ser padre, por ter a missão de não enganar, de não iludir com promessas interesseiras. O que vale mesmo é encontrar aquele que somente pode satisfazer todas as nossas fomes e sedes: Jesus Cristo. Ele nos conduzirá ao Pai, com a força do Espírito Santo. Mas também nos conduzirá aos irmãos, sem exclusões e sem exploração. Ele nos dará a alegria de construir amizades, de ter alguém em quem confiar, sem medo de amar, perdoar, partilhar. Essas são as verdadeiras riquezas que vale a pena acumular. Nem precisa de celeiros, porque elas já estão guardadas no coração de Deus.

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A mentira é feia
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

 Um jovem beduíno, vagando pelo deserto, chegou num lugar onde tinha um poço. Encostada nele, uma jovem muito bonita estava puxando água. O rapaz aproximou-se e disse à moça:

– Estou perdidamente apaixonado por você.

A jovem respondeu:

– Perto da fonte tem outra mulher, tão bonita que eu nem seria digna de ser a sua serva.

O jovem virou-se para olhar, mas não tinha ninguém. Então a moça falou:

– Tanto é bela a sinceridade, quanto é feia a mentira! Você diz que me ama, mas basta que eu lhe fale de outra mulher para que você me vire as costas!

 

Esta simples fábula da Arábia nos lembra a diferença que existe entre o que afirmamos, às vezes com entusiasmo, e as atitudes e as decisões concretas que depois tomamos. Como bem sabemos é muito mais fácil falar do que realizar o que prometemos. Pelas nossas palavras seríamos todos extraordinários, perfeitos, honestos e bondosos. Vice-versa, ninguém seria censurável, falso, mentiroso e nem egoísta. Não existiriam nem pecados e nem defeitos.

Com o evangelho deste domingo, Jesus nos convida a declarar a nossa fé, mas muito mais a colocá-la em prática. Em primeiro lugar, é apresentada a pergunta sobre o que as pessoas pensam dele. De certa forma, cada um pode pensar o que quiser. Nunca, ninguém deve ser obrigado a afirmar o que não acredita. Fé e mentira não podem andar juntas. No entanto é fácil entender que cada maneira de responder traz consequências diferentes. Fazer declarações bombásticas, para depois não aplicá-las em nossa vida seria, afinal, um enganar a nós mesmos antes de mentir para os outros. É por isso que Jesus quer saber dos seus discípulos o que eles pensam dele. Eles já deixaram muitas coisas para segui-lo e agora estão envolvidos com a sua própria missão. Jesus não quer enganá-los: devem saber que seguir o Cristo, o ungido do Pai, significa abraçar também, junto a ele, a cruz, aprender a doar a própria vida para salvá-la.

Não cabe a mim fazer estatísticas ou dividir os que se declaram católicos em grupos ou em categorias. Sempre podemos mudar para melhor, mas também, infelizmente, para pior. Muitos começam bem. Vivem os sacramentos da chamada Iniciação Cristã; ficam emocionados e prometem muitas coisas na hora do batismo, da crisma e da primeira eucaristia. Depois, os anos passam e se esquecem do caminho da comunidade junto à qual começaram a conhecer Jesus. Outros trocam, pulando pra cá e pra lá, buscando recuperar, talvez, o que um dia tinham encontrado e que deixaram escapar.

Estou falando de uma fé sólida, corajosa, atraente e, sobretudo, comprometedora. Perdoem-me a comparação. Mas para a fé, talvez, valha o raciocínio do treinamento, como para qualquer esporte, arte ou conhecimento. Um atleta que deixe de treinar perde a forma: corre menos, pula menos, cansa logo. Os dedos dos músicos perdem a agilidade e algumas pessoas desaprendem a ler, a escrever e a fazer as contas. O que parecia adquirido para sempre, fica perdido e se torna cada vez mais difícil recuperá-lo.

A fé deve crescer com a experiência da vida porque Jesus quer nos ajudar a viver. Ele se oferece para ser o nosso Senhor não para mandar, mas para indicar o rumo, para nos lembrar o que vale mais, para nos consolar e perdoar. Quer nos ensinar a amar de verdade enriquecendo de sentido todos os grandes amores humanos que podemos encontrar ao longo da vida. O amor do homem e da mulher, dos pais e dos filhos, dos amigos e amigas e de quem, em nome do Senhor, dispõe-se a servir os mais pobres e infelizes.

Carregar a nossa cruz para seguir Jesus significa amar sempre aqueles a quem, um dia, prometemos amar, também quando o amor pesa e exige sacrifício e doação. Devemos aprender a sair de nós mesmo, das nossas defesas e interesses, para doar, ao menos um pouco, da nossa vida, do nosso saber, da nossa profissão, da nossa alegria, da nossa fé e da nossa esperança. Podemos ser felizes alegrando os outros; assim gastaremos a nossa vida doando-a cada vez mais. Para isso precisamos provar a Jesus que o amamos. Sem lhe virar as costas. Sem nos deixar distrair. Sem mentiras e falsidades.