Pinóquio: ficção ou realidade?

Pinóquio: ficção ou realidade?
Ricardo Viveiros*
Há certos temas que são como certos sentimentos, embora ocorrentes tornam-se recorrentes. Portanto, diante do que está acontecendo na CPI da Covid-19 no Senado Federal, voltamos todos a falar sobre algo que se faz presente e causa indignação a quem, como muitos de nós, não tem esse péssimo hábito: mentir.

Foi na Itália que um jornalista chamado Carlo Lorenzini, nascido em Florença em 1826, escrevendo histórias infantis sob o pseudônimo de “Collodi” (o vilarejo de sua mãe, na Toscana) criou um personagem que – para a eternidade – se tornaria símbolo dos que contam mentiras. Em 1881, nascia o travesso “Pinocchio”, com suas histórias escritas por Collodi e desenhadas por Eugenio Mazzanti.

Dizem que o jornalista e escritor era muito solitário, assim teria imaginado um velho marceneiro desejoso de ser pai, “Gepeto”, que ao encontrar um belo pedaço de madeira idealizou fazer uma marionete para ter companhia. Sua vontade que o boneco tomasse vida foi tão forte, que o sonho aconteceu.

O pequeno Pinóquio, que significa pinhão em italiano, tem o hábito de contar mentiras. Mas, toda vez que faz isso, seu nariz cresce e é descoberto. Além de mentiroso, também desobediente foge e se perde embarcando em uma aventura repleta de mistérios, que o leva a descobrir os perigos do mundo. Se você ainda não leu, procure conhecer porque o livro é bem interessante.

Meu saudoso pai desde cedo educou-me a sempre falar a verdade. E me fazia ler a história do Pinóquio lembrando que a mentira tem pernas curtas, mas nariz grande. A imagem ficou para sempre. No ofício de jornalista, deparei com vários “pinóquios” da vida real. Em todas as profissões; muito mais na política. Segundo a Psicologia, as pessoas mentem para protegerem a si mesmas, para evitar confrontos, polêmicas, confusões; como também, para se fazerem importantes ou se incluírem em um grupo. São problemas relacionados com a falta de autoestima.

Há mentiras históricas que não se consegue apagar: o homem veio do macaco; raios não caem duas vezes no mesmo lugar; palavra saudade não tem equivalente em nenhum outro idioma; muralha da China pode ser vista do espaço; foram os ingleses que inventaram o futebol; o tango é argentino ou uruguaio; a Amazônia é o pulmão do Mundo. E por aí vão as mentiras que se tornaram “verdades” por terem sido repetidas muitas vezes, e sem contestação.

Nestes tempos em que a demagogia tem estado mais presente do que nunca – com as fakes news sendo usadas pelo populismo irresponsável -, ao ver a pandemia sendo relativizada e o negacionismo gerar graves problemas no combate à real doença que já matou em torno de 450 mil pessoas no Brasil, nem temos o direito de, como é tradição, brincar com as pessoas contando mentiras.

Não há mentira “perdoável”, como se costuma justificar o erro. Não existe régua de medir mentira, se pequena ou grande. Mentira é mentira. Além do que, já temos um grande mentiroso que está causando muita tragédia, ao invés de apenas educar de maneira lúdica como o genial Pinóquio faz há 140 anos.

*Ricardo Viveiros é jornalista, professor e escritor. Doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, membro honorário da Academia Paulista de Educação (APE) e autor, entre outros, dos livros “Justiça Seja Feita”, “A Vila que Descobriu o Brasil” e “Pelos caminhos da Educação”.

Artigo dominical

Felicitas
Dom Pedro José Conti –
Bispo de Macapá 

Felicitas era uma ajudante da paróquia católica de Gisengi em Ruanda. Quando aconteceu o genocídio, tinha acolhido na casa dela um grupo de hutus que corriam o perigo de serem massacrados pelos tutsis. O irmão dela era coronel e a tinha avisado que estava arriscando a vida. Felicitas escreveu para ele: “Irmão muito querido, agradeço a sua ajuda, mas salvar a minha vida agora significaria abandonar as quarenta e três pessoas das quais me sinto responsável. Escolho, por isso, morrer por elas. Meu irmão, reza para que todos possamos chegar à Casa do Pai. Dá um abraço forte à nossa mãe velhinha e ao nosso irmão. Eu rezarei por ti quando estiver com Deus. Veja de preservar a sua saúde. Muito obrigada por ter pensado a mim. Tua irmã Felicitas Miyteggaeka”. Quando os soldados chegaram para prendê-la, junto com as pessoas que tinha protegido, disse: &ldqu o;Chegou o momento de dar o nosso testemunho. Vamos”.

Chegando ao final do Tempo Pascal, antes das solenidades de Ascensão e Pentecostes, a Liturgia da Palavra nos apresenta, através de trechos diferentes, o grande – e único – mandamento de Jesus: aquele de nos amarmos uns aos outros (Jo 15,17). O amor fraterno deve ser o sinal distintivo dos “amigos” dele e o fruto produzido deve permanecer, ou seja, continuar a florescer e frutificar para sempre. Todo amor verdadeiro é a consequência da generosidade, da doação que cada ser humano pode fazer de si mesmo em prol dos outros, mas, diz Jesus, o amor “maior” é de quem “dá a vida para os seus amigos”. A referência à entrega dele na cruz é evidente. Ele mesmo nos deu o exemplo desse amor maior. Por esse amor total deveríamos sempre ser agradecidos e firmes no seguimento de Jesus, convencidos que esta é a única possibilidade de resgate do ser humano de todos os tempos e de todos os lugares. Como o de Jesus, o amor verdadeiro não conhece fronteiras nem de espaço e nem de tempo. É um caminho que deve ser percorrido. Quem entra nele, sempre deixa rastros, atrai. Outros o seguirão, porque oferece uma alegria diferente, uma felicidade e uma paz que somente assim se encontram. Quem doa com generosidade e sem interesse, também recebe com fartura os “dons” reservados a quem “permanece” no amor do Senhor.

“Dar a vida” pode ser mesmo morrer para salvar alguém ou solidariedade com as vítimas numa trágica circunstância. A história tem muitos exemplos disso, alguns conhecidos, outros que ficarão guardados no coração amorosos de Deus. No entanto, o mandamento do amor não pode ser reservado para alguns raros momentos de heroísmo e desprendimento, deve tornar-se o jeito de viver ordinário do cristão. Jesus pede a todos para “dar vida”, ou seja, trabalhar, lutar e nos unir para que todos “tenham vida e vida em abundância” (Jo 10,10). Para entender isso é bom lembrar que o contrário de “dar vida” é tirar vida, limitar ou mesmo desprezar e desvalorizar a vida dos outros. Todos somos tentados a cuidar em primeiro lugar de nós mesmos. Talvez seja uma questão de sobrevivência, mas, muitas vezes, é fruto mesmo do egoísmo. Os antigos padres da Igreja já ensinavam que a roupa que guardamos no armário e não usamos é a roupa do pobre que não tem o que vestir. Quem deve decidir o que não lhe serve e que pode ser partilhado é cada um de nós. Acumular sem necessidade pode ser mesmo tirar o sustento de outros, condená-los a uma vida miserável. Não é isso, evidentemente, o que exalta a sociedade de hoje pela qual somos conduzidos a comprar e consumir muitas coisas das quais antes nem sentíamos falta, mas que depois se tornam indispensáveis à nossa vida. Desse jeito, vai sobrar muito pouco para os pobres.

A nossa irmã Felicitas foi heroína um dia, mas o seu amor e o seu martírio começaram muito antes, quando acolheu em sua casa os hutus perseguidos. Eram de outra raça e, naquele momento de guerra tribal, inimigos, mas ela nem pensou nisso. A generosidade não se improvisa. Se aprende aos poucos. Para nós cristãos, só olhando a Jesus.

O crítico e as obras de arte

O crítico e as obras de arte
Dom Pedro José Conti – Bispo de Macapá

Um senhor tinha um grave problema de miopia, no entanto se gabava de ser um grande entendedor de obras de arte. Certa vez, foi visitar um museu com alguns amigos. Na entrada, tropeçou e quebrou os óculos. Ficou praticamente sem visão. Nem por isso quis desistir de explicar aos visitantes a beleza das obras de arte que estavam em exposição. Parou na frente daquilo que pensava ser o retrato de um corpo inteiro e começou a falar. Com o jeito de quem entende, disse que a moldura era absolutamente imprópria, que o homem estava vestido de forma ordinária e até vulgar. Segundo ele, o artista tinha escolhido um sujeito bem caipira, sem elegância alguma.

Aquele senhor não parava de apontar detalhes e mais detalhes, até que a mulher dele aproximou-se com discrição e disse ao ouvido dele: “Querido, você está na frente de um espelho!”

Neste Quarto Domingo do Tempo Comum, o evangelho de Marcos nos apresenta Jesus ensinando e curando na sinagoga de Cafarnaum. Nas sinagogas, não se faziam sacrifícios, como no Templo, só se proclamavam, pregavam e rezavam as Escrituras. É por lá, bem longe de Jerusalém, dos sacerdotes, escribas e doutores da Lei que Jesus inicia a sua missão. Ou seja, afastado daqueles que eram considerados as máximas autoridades no campo da religião. No entanto o povo escuta Jesus falar e fica admirado com o seu ensinamento. O evangelho não diz que Jesus ensinava “contra” alguém, simplesmente diz que ele falava “como quem tem autoridade e não como os mestres da Lei”. Com isso ficamos curiosos para saber onde estava a diferença. Mas Marcos vai ainda mais longe. Apresenta Jesus curando um homem possuído por um espírito mau que acaba de chamá-lo de “Santo de Deus& rdquo;. Jesus manda que se cale e que deixe de perturbar aquele pobre coitado. Mais uma vez, o povo fica admirado e além de reconhecer a autoridade de Jesus, que manda até nos espíritos maus, admite a novidade do ensinamento dele. Assim nós ficamos mais curiosos ainda: o que Jesus ensinava mesmo?

Talvez nós esperaríamos um resumo das palavras de Jesus, mas nada disso nos deixou o evangelista, somente fala de “autoridade” e de “novidade”. Não faz isso pelo gosto de sintetizar as coisas; ao contrário, o faz para nos ajudar a entender o essencial. A “novidade” não está nas palavras e na quantidade delas, mas no próprio Jesus: ele mesmo é a Palavra viva. Além do Novo Testamento dizer-nos isso de muitas formas, os Padres da Igreja ensinaram que tudo o que Deus tinha comunicado durante séculos de história ao seu povo ficou “concentrado” numa “palavra” só: a pessoa de Jesus. Isso corresponde a dizer que Deus comunicou à humanidade mais que uma doutrina, um conjunto de normas, uma Lei ou um Livro. Em Jesus, com a vida dele doada, Deus quis comunicar a si mesmo e o seu jeito de ser.

A “autoridade” e a “novidade” de Jesus continuam a nos convidar à conversão, a segui-lo com presteza e generosidade. Ele prometeu que o Espírito Santo nos lembraria tudo o que ele tem ensinado. O contrário é, evidentemente, o espírito mau que reconhece o Santo de Deus, mas não se deixa transformar pelo amor, não busca a Comunidade onde essa Palavra continua a ser proclamada. Esta é, sabemos, outra grande novidade. A Palavra viva deve ser oferecida a todos, porque todos, a começar pelos pobres, doentes e excluídos, são filhos muito amados pelo Pai que o Filho veio revelar.

Com certeza, Jesus ensinou também com palavras, alguns dos seus discursos ficaram, mas João diz que seria impossível contar tudo o que Jesus fez e ensinou, porque “nem o mundo inteiro poderia conter os livros a serem escritos” (Jo 21,25). Significa que o quanto foi escrito deve ser suficiente para encontrar, conhecer e acreditar em Jesus. Talvez sejamos nós que esquecemos onde devemos procurar o que é verdadeiramente sempre novo e fascinante. O Crucificado, que “não tinha aparência e nem beleza” (Is 53,2) é a maior “obra de arte”, o ser humano mais perfeito, porque nos amou até o fim. Amou de antemão também os inimigos e os ingratos. Só Deus pode amar assim. Quantos de nós continuamos a nos olhar no espelho. Falamos, falamos, mas… só de nós. Enxergamos muito mal.

A comunicação pode ajudar a combater o coronavírus e salvar vidas!

A comunicação pode ajudar a combater o coronavírus e salvar vidas!
*Isabel Rodrigues

Números são frios, mesmo se expressivos, não têm alma, não contam histórias de vida. Talvez por essa razão não sensibilizem a todos. Fosse o contrário, os mais de 200 mil brasileiros mortos e os mais de oito milhões de infectados pelo coronavírus seriam mais do que suficientes para inibir as aglomerações de compras de Natal e as baladas da virada do ano. Centros comerciais ficaram lotados e festas para lá de animadas foram realizadas no campo, litoral e cidade. Especialistas dizem que o vírus também “comemorou” e que o tamanho da sua “alegria” será demonstrado nas estatísticas de fechamento de infectados e mortos no mês de janeiro. Esperam-se números assustadores. O quadro que se desenha é complexo: hospitais de grandes centros revelam capacidade esgotada em suas UTIs. E os hospitais de campanha, vale lembrar, foram desmobilizados!

A agitação de final de ano, não se pode negar, já era esperada e as suas consequências previsíveis. Porém, pouco ou nada foi feito para inibi-las. Nesse momento, as diferentes ferramentas de comunicação, se utilizadas (e da forma correta), com frequência e ênfase necessárias, por certo ajudariam a mitigar os danos que já estamos vendo. Informação verdadeira e oportuna, não é segredo, salva vidas!

Os veículos de comunicação, cada um a seu jeito e de acordo com suas preferências políticas, têm cumprido, é verdade, o seu papel de informar. Mas será que o formato jornalístico alcança e impacta a todos como se deve e precisa? Será que este formato tem o poder de mudar atitudes? Pelo que se viu até o momento, não, sobretudo no período do final de ano.

É fato que o governo federal não tem grande apreço pela comunicação de serviços, principalmente se voltada para ações relacionadas à pandemia. Para ele, a Covid-19 não passa de uma gripezinha. Mas não é, já está mais do que provado que se trata de uma enfermidade grave e que a sua “segunda onda” aparenta ser mais agressiva do que a primeira. Por essa razão, a população precisa ser alertada e de forma incisiva, apesar do início da vacinação, de que ainda não dá para relaxar e dispensar o uso dos aparatos de proteção (máscara e higienização das mãos) assim como do isolamento social (quando possível) e do distanciamento físico. Aglomerações nem pensar!

Discursos políticos e análises jornalísticas de profundidade não conseguiram tocar os corações e mentes dos cidadãos. Muitos seguem dando de ombros para os perigos já comprovados. Já passou da hora das autoridades, as Estaduais na falta da Federal, convocarem o talento de profissionais para desenvolverem campanhas de comunicação, utilizando os diferentes meios para sensibilizar a população, sobretudo a parcela mais jovem, que ainda se imagina imune aos efeitos do coronavírus.

Campanhas comunicacionais com o intuito de sensibilizar e alertar a população foram realizadas no passado e com excelentes resultados: de prevenção a AIDS, pelo uso do cinto de segurança, de economia de água durante períodos de seca prolongada, dentre outras. É certo que uma campanha bem feita e criativa produziria o efeito desejado, além, é claro, de fortalecer a importância da vacinação.

Até que se vacine a maior parte da população brasileira, com qualquer uma das vacinas disponíveis, a melhor forma de combater o coronavírus é consumir informações de qualidade (verdadeiras!), e seguir sem resistência as orientações preventivas oferecidas pela ciência. A vida vale este esforço!

*Isabel Rodrigues é mestre em comunicação e cultura midiática e professora das faculdades de Relações Públicas e Jornalismo da FAAP e da Universidade Católica de Santos.

Ao Acaso – Por Rui Guilherme

AO ACASO
Rui Guilherme

Vale a pena passear-se ao acaso no emaranhado das ideias no momento em que, a bem da verdade, não se tem ideia concreta sobre o que discorrer? É, se não provável, pelo menos possível deixar-se vaguear a pena… Epa! A pena?!? O dedo pelo teclado sem saber exatamente o que vai acontecer.

Pois que salte daí uma crônica bem quentinha, saída do forno cerebral. O assunto? Meu Deus! É o que não falta! As eleições já acabaram em quase todo o Brasil, mas a disputa ainda vai para um primeiro turno na capital do Amapá. Agora, se me ponho a discorrer sobre o pleito em Macapá, não sei ao certo o que dizer. Aí vem Buda, o Iluminado, em meu socorro, ensinando que, quando não se sabe o que fazer, o melhor que se pode fazer é não fazer nada. Em seguida, pede a palavra o Abraham Lincoln (acho que foi ele; se não foi, bem que podia ter sido) e acrescenta:-  “Nunca me arrependi diante de todas as vezes em que mantive minha boca fechada. É melhor manter-se calado e deixar que todo mundo pensa que você é uma besta do que abrir a boca e pôr-se a falar, dando a todos a certeza de que precisavam.” Hony soît qui mal y pense…

Ora, bem. Que as eleições fiquem para que sobre elas discorram os analistas políticos, o que não é bem o meu caso. Não que o assunto seja tedioso. No mais das vezes, é palpitante, tanto no sentido lato de fazer até exaltaram-se os ânimos, quanto no sentido estrito, em que se pode dizer que, quando o tema é política, todo mundo tem palpite para dar e vender.

E esta segunda onda da Covid 19? Será que vale a pena desancar os jovens que, de saco cheio de tanto ficar em casa, de tanto andar por aí de máscaras que vão desde as mais sisudas, aquelas descartáveis compradas na farmácia, até as mais inventivas, como as que trazem o escudo do time do coração (Flamengo, se faz favor, que nem o vice=presidente Mourão)), passando pelas estampadas com coraçõezinhos ou de couro de onça, até as transparentes, permitindo ver o sorriso de quem gastou uma grana mandando clarear a dentadura; os jovens, que, na sua usual rebeldia, deixam a máscara de lado, esquecem até de levar o álcool em gel e saem à rua para juntar-se à multidão nas raves, ou para patinar e pedalar, ou buscam a liberdade das praias. Falar sobre a jeunesse dorée e sua alegre irresponsabilidade dá sempre samba. Só que não me atrevo a criticar a mocidade. Corro o risco de acharem – e haverá sempre quem o faça – que no fundo, no fundo, crítica à joie de vivre das gatas e gatões é pura dor de cotovelo de um escrevinhador que, ao meter-se no meio deles, seria olhado com ironia, tachado de coroa ou, quando menos, recomendado:- “Vai pra casa, titio!”

É, não tenho pique para enfrentar a buliçosa contra-argumentação da moçada. Na verdade, nem pique, nem saco, nem certeza de querer fazê-lo. A pandemia cobra muito de velhos e novos. Comezinha lógica obriga a censurar aqueles que, intoxicados da pressão gerada pelo lockdown, aglomeram-se nos bares e nos clubes e boates para celebrar a vida, ainda que disso resulte o crescimento nas taxas de contaminação e favoreçam a perpetuação da pandemia. Ademais, há que pensar naqueles que são forçados a ganhar a rua acotovelando-se em veículos de transporte público, porque, se não forem trabalhar presencialmente, não têm como levar o pão para suas casas.

Raia no horizonte a esperança das vacinas. Com elas, muito mais eficientes que as mandingas usadas pelos nossos avós mais remotos para enfrentar a peste bubônica e males assemelhados; com possibilidades de debelar o grande mal muito maiores do que as relíquias de santos, veneráveis dentes ou pedacinhos de ossos, lascas da Santa Cruz que, se fossem todas  autênticas, teriam levado o Império Romano a ser considerado historicamente o maior derrubador de árvores para confeccionar cruzes; tornar-se-iam as legiões de César inimigos das florestas mais ameaçadores que os madeireiros ilegais da Amazônia. Com elas, com as vacinas, prenuncia-se a vitória da humanidade sobre essa morte negra do terceiro milênio. Então, bem que eu podia juntar-me à coorte de escribas e tecer loas à ciência moderna e seus agentes das mais diversas nacionalidades. Mas… não dá. A inspiração não bate, por mais arrebatador e atual que seja o tema.

Amigo querido e talentoso escritor recentemente mandou-me obra de sua lavra em que fala do brasileiro e seu complexo de vira-lata ao se comparar com povos tidos como mais adiantados. Sem querer, magoei meu dileto companheiro ao deixar escapar que tudo quanto ele dizia tinha timbre de mais lídima verdade – e isso lhe trouxe algum agrado. Mas eu, com essa minha cabeça dura fiz aquilo que Lincoln dizia que nunca devia ter feito: deixei escapar, em minha análise, que as ideias bem alinhavadas do confrade, se de um lado expressavam reta verdade, por outro careciam de originalidade. Só que a culpa não era dele, e, sim, do tema abordado. De todo modo, abri minha boca e permiti que ele, se alguma dúvida tinha de que eu era um néscio, agora disso tem cristalina certeza. Faça o que digo, mas não faça o que eu faço. E, com esse fecho que de original não tem absolutamente nada, encerro estes cismares que, de novo, de original, de interessante, não têm a mais leve sombra. São ideias esparsas, meditações em hora de ócio, puro rol de besteiras produzido por mero acaso.

Apagão no Amapá foi um crime

Apagão no Amapá foi um crime
Por Randolfe Rodrigues

Na noite de terça-feira 17 de novembro, exatamente duas semanas após o início do suplício pelo qual passam os amapaenses em função do mais longo apagão da história, o Amapá se viu novamente mergulhado nas trevas, com mais uma interrupção geral do fornecimento de energia a quase 90% da sua população, incluindo a capital Macapá.

O martírio inaceitável dos amapaenses começou há 15 dias, na noite de 3 de novembro, quando um incêndio inutilizou dois transformadores da subestação operada pela empresa Isolux (Gemini/LMTE – Linhas de Macapá Transmissora de Energia). Deu-se início ao caos, já que simplesmente não havia nenhum backup ou plano B para continuar o fornecimento de eletricidade: o transformador reserva tinha ido para manutenção em dezembro de 2019 e nunca retornou.

O Operador Nacional do Sistema (ONS), a Aneel e o governo sabiam dessa vulnerabilidade, mas nada fizeram para exigir da empresa a operacionalidade da unidade reserva. Deixaram o Amapá numa estrada com os pneus carecas e sem estepe.

Foram quase quatro dias de apagão total em 13 dos 16 municípios do estado. Nesses dias instalou-se um caos generalizado, pois, sem energia, também passou a faltar água; caiu a comunicação por internet e telefone; não havia como abastecer os carros e os postos com gerador ostentavam filas intermináveis, o mesmo acontecendo nos caixas eletrônicos (máquinas de cartão não funcionavam).

Os danos se seguiram com os alimentos que se perderam nos refrigeradores. Empreendedores tiveram prejuízos incalculáveis, viram-se cenas lamentáveis como disputa para comprar gelo, desaparecimento de velas e água mineral das prateleiras dos supermercados, somente sendo encontradas a preços escorchantes.

Em outras palavras, reduziram-se a pó a dignidade e a cidadania do povo amapaense devido à irresponsabilidade de uma concessionária de serviços públicos e pela omissão do governo federal em fiscalizar o setor.

Observem o disparate: o Amapá produz em torno de 900 MW de energia em quatro hidrelétricas e consome aproximadamente 200 MW, exportando o excedente para o resto do país. Como pode um estado superavitário em energia ficar às escuras?

A energia foi sendo restaurada de forma precária, apenas a partir do sábado, dia 7 de novembro, com racionamento e rodízio que amenizou, mas ainda ficou longe de restabelecer a normalidade. Os horários divulgados não têm sido cumpridos. Para completar, há relatos de muitos casos em que a energia retorna com sobrecarga queimando equipamentos, dentre outros infortúnios.

Nosso mandato entrou com dois pedidos na Justiça Federal que foram acatados: o primeiro exigia que a Isolux restaurasse a energia em sua plenitude no prazo de três dias, mas a empresa não cumpriu e terá que arcar com multa de R$ 15 milhões.

Na outra decisão, se determina a prorrogação do pagamento de mais duas parcelas do auxílio emergencial, no valor de R$ 600, para que os amapaenses possam ser ressarcidos de seus prejuízos.

Lamentavelmente, o governo Bolsonaro informou que vai recorrer da decisão judicial, negando esse alento à população mais carente do estado.

Em qualquer país com um governo sério o ministro das Minas e Energia já teria sido demitido. As diretorias da Aneel e do ONS já estariam sentadas no banco dos réus por omissão criminosa. A Isolux (Gemini/LMTE) já tinha que ter tido sua concessão cassada, sendo obrigada a pagar pelos danos causados à população.

Seguiremos cobrando a solução definitiva e segura para o fornecimento de energia no Amapá e a punição exemplar aos responsáveis por este apagão criminoso.

*Randolfe Rodrigues é senador (Rede-AP)

O Amapá e a segurança energética – Por Ruy Smith

O Amapá e a segurança energética
Ruy Smith*

Com o Apagão instalado no Amapá, já experimentamos os efeitos advindos desse evento: colapso nos serviços públicos, nas atividades econômicas e no bem-estar do povo; e um esforço de guerra pra manter serviços imprescindíveis, como hospitais. A infra de energia amapaense não conta, por óbvio, com a tão desejada segurança energética!

Voltando um pouco no tempo, muitos lembram que o então senador Sarney, eleito por 3 vezes pelo Amapá, por anos a fio prometeu a chegada do linhão, trazendo energia abundante; sem energia o Amapá estaria fadado à estagnação econômica, era a tônica da época.

Vale dizer que o popular “linhão” é uma linha de transmissão integrante do SIN – Sistema Interligado Nacional, uma rede formada por produtoras de energia (hidrelétricas, térmicas, eólicas, etc.) e linhas de transmissão de energia elétrica cobrindo grande parte do território nacional. Aqui faço um parêntese: a minha impressão é de que todo o tempo que o linhão demorou pra chegar até o Amapá foi devido à falta de viabilidade econômica do empreendimento, com altos investimentos para a pequena demanda local; a partir do momento em que hidrelétricas foram se instalando no Amapá, as coisas andaram – viramos exportadores de energia, com as hidrelétricas amapaenses ligadas ao linhão!

Pois bem, com o linhão à porta, para o Amapá consumir a energia gerada em qualquer parte do país foi necessário construir uma interface que adequasse a energia transmitida pelo linhão àquele padrão já utilizado pela distribuidora local, a CEA. Tal interface, para 13 municípios atingidos pelo Apagão, é a subestação rebaixadora sinistrada. O Amapá veio a perceber que 80% de seus municípios sempre esteve  dependente de uma única via de transmissão (o linhão) e uma única subestação – esta com 3 transformadores, 2 danificados pelo fogo e 1 backup sem manutenção regular.

Portanto, sem um Plano B planejado, mesmo com hidrelétricas em operação no Amapá, o plano emergencial adotado pelo governo federal para estancar a fase aguda da crise consiste em fornecer energia direto da hidrelétrica Coaracy Nunes – a única que possui subestação rebaixadora própria e agora fornece energia à CEA sem passar pelo linhão – bem como, ter conseguido recuperar o transformador backup para reativar a rebaixadora de Macapá, contratar 45Mw de energia de geradores e trazer 1 transformador do Jari, que ficou sem cobertura, para instalar na rebaixadora de Macapá e  ampliar a oferta de energia. Os geradores estão sendo instalados e o transformador do emprestado do Jari está em montagem.

Óbvio que essas ações de emergência são necessárias para superar a fase aguda da crise, como já dito, mas não servem ao Amapá mesmo considerando um prazo relativamente exíguo. Explico: a UHE Coaracy Nunes possui produção sazonal e, mesmo com reservatório recuperado em pleno inverno, gera cerca de 20% da demanda; a rebaixadora de Macapá, agora contando com um transformador recuperado e outro do Jari, estará sem backup nos transformadores e, assim passível de eventual falha incontornável; os grupos geradores – que vieram para suprir parte da demanda e a única fonte de energia disponível para ampliar eventual demanda ao longo dos próximos meses – são soluções em desuso, caras e poluidoras.

O Amapá nunca teve segurança energética na era do linhão; teve sorte. Hoje, com as alterações emergenciais feitas no sistema, tem menos ainda. Urge que, ao mesmo tempo em que caminham as ações emergenciais, nossos parlamentares federais, o governador do Estado, os prefeitos dos municípios atingidos, usem esse momento de exposição nacional do problema energético amapaense para pressionar, com inteira razão, por medidas que possam trazer a segurança necessária. Nesse ambiente, 2 pontos creio que são essenciais: a recomposição das rebaixadoras de Macapá e Laranjal, e a construção de linhas de transmissão e rebaixadora, independentes,  formando um sistema alternativo ao linhão à partir das hidrelétricas que temos, cuja capacidade instalada alcança 3x o que consumimos.

A empreitada em busca da nossa segurança energética demanda bastante recurso e tempo. De onde virá o recurso é uma questão afeita ao convencimento político junto ao governo federal. Como será alcançada, é questão técnica de alçada dos especialistas do MME. A questão principal é que o Amapá não precisa mais passar por um Apagão, outra vez. Entretanto, nesses próximos meses, contaremos com a sorte!

*Ruy Smith é engenheiro mecânico e ex-deputado estadual

Deve trabalhar para viver – Dom José Conti

Deve trabalhar para viver
Dom Pedro José Conti – Bispo de Macapá

Contam os monges anciãos que, certo dia, João, o pequeno, disse a um irmão mais velho:

– Quero ser livre das preocupações e não trabalhar. Quero adorar o Senhor sem parar”. Tirou a veste de monge e foi para o deserto. Depois de uma semana, voltou com aquele irmão. Quando bateu na porta, o monge, de dentro, sem abrir, perguntou:

– Quem é? – Respondeu:

– Sou João, teu irmão.

Mas o velho monge rebateu:

– João se tornou um espírito e não vive mais entre as pessoas!

João suplicou:

– Sou eu! Mas o irmão não abriu a porta e o deixou no desespero até a manhã seguinte.

Quando saiu lhe disse:

– Se és um ser humano deves trabalhar para viver.
João, o pequeno, se arrependeu e disse:

– Me perdoe, irmão, porque errei.

A parábola dos talentos, que encontramos no evangelho deste domingo, é muito conhecida e, como outras parábolas, presta-se a diversas leituras. A primeira mensagem está em continuidade com que refletimos nas últimas semanas: o Senhor nos quer “vigilantes”, ou seja, a espera da volta dele – que é a nossa própria vida nos dias que passamos neste mundo – e deve ser um aguardá-lo ativo, alegre e comprometido. Nada de preguiça, sonolência e acomodação. O exemplo mais prático para entender isso é o da entrega dos “talentos”, qualquer coisa eles representem. O certo é que somente quem soube multiplicá-los será premiado e chamado de servo “bom e fiel”. Quem, ficou com medo ou achou o “dono” severo e exigente demais e acabou enterrando o único talento recebido, será chamado de servo “mau, preguiçoso” e, enfim, “inútil”.

A essa altura devemos nos perguntar se o Senhor Jesus queria falar mesmo de bens materiais ou, sobretudo, de outros tesouros preciosíssimos que a todo custo devem ser traficados. Uma coisa não exclui a outra. Hoje entendemos, por exemplo, que a própria natureza é o primeiro “dom” que o Pai criador entregou à humanidade e que, com seu respeito e sustentabilidade pode, ou não, ser fonte de vida ou de morte para os habitantes do planeta. A “cura” da criação nos aparece cada vez mais urgente e de responsabilidade de todos. Uma humanidade digna de ser “humana” mesmo e não mera consumidora e exploradora de riquezas não pode mais pensar só no lucro da geração atual, deve saber enxergar mais longe se quiser preparar um futuro melhor para todos. De outra forma, nunca acabarão as guerras para o controle das riquezas e nunca haverá fraternidade e partilha.

Talvez precisemos redescobrir e reavaliar outros tipos de “talentos”, menos materiais, mas igualmente – ou mais – valiosos. Simples. Se achamos que o ser humano se satisfaz somente com o famoso “pão”, deixamos de lado outros bens. Jesus nos ensinou que precisamos também da Palavra de Deus, ou seja, de escutar sempre e de novo a proposta daquele que colocou em nossos corações muitos outros desejos e sonhos que nunca ficarão satisfeito com o que encontrarmos e construirmos neste mundo. Hoje, a grande questão do chamado “progresso” é que não pode mais ser somente material.

O “crescimento” pede novos equilíbrios com a natureza, novos relacionamentos mundiais, novo respeito pela existência de todos os seres vivos. Papa Francisco fala de “sobriedade feliz”. Lembra-nos que “tudo está interligado”. É simplesmente imoral querer construir “ilhas” de felicidade isoladas para poucos privilegiados. Seriam somente lugares de egoísmo e desprezo para os demais, numa vida triste cheia de barulho e superficialidade.

Penso que, afinal, seja esse o grande “trabalho” dos cristãos, daqueles que querem contribuir com a construção do Reino de Deus e não dos ilusórios reinos humanos. Temos um “tesouro” imenso, incalculável, de amor, de criatividade para organizar novas economias, novas fraternidades, novos relacionamentos. Sempre os cristãos sonharam com novas “cidades” mais semelhantes com a “cidade do céu”. Nunca faltaram profetas e mártires para isso. O pior é desistir de ser cristão ativos, cada um com as suas capacidades, numa comunhão de compromisso e bondade. Orar não é fugir, se esconder, mas saber para que se reza e, sobretudo, para que se vive.

As eleições e a demência brasileira

As eleições e a demência brasileira
Leonardo Torres*

O Brasil está cada vez mais demente: presidente com sentimento persecutório e contra vacina, senador fugitivo escondendo o dinheiro nas nádegas, candidatos canastrões que fazem estripulias para chamar atenção e conquistar votos. Enquanto isso, a fome e a miséria aumentam, as matas são incendiadas e as mortes pelo COVID-19 não cessam. E ainda, a aprovação do presidente cresce, por ter implementado um auxílio emergencial que não foi ele quem planejou.

Nem mesmo Kafka, Huxley, Saramago ou Shakespeare sequer imaginariam escrever um romance comparável ao que nosso país passa neste momento. Não somente porque os personagens que atuam no palco político são peculiares, mas também porque o público que os assiste atuar – os eleitores – também estão cada vez mais dementes.

A palavra “demente” provém “da-mente”. Aqui exclui-se qualquer conotação pejorativa da palavra. Vale lembrar Edgar Morin quando afirma que o ser humano é Sapiens e Demens, ou seja, pautado tanto pela racionalidade quanto pelas emoções e pela mente.

Apesar da neurociência já ter provado que é impossível separar a racionalidade das emoções, temos que tomar cuidado para não cair em racionalismos. De acordo com E. Morin, o racionalismo é uma razão tendenciosa, autoritária e paranoica, ou seja, são aquelas justificativas simples e fáceis de se entender que normalmente elegem e projetam suas emoções em um inimigo. Por exemplo: as fake news nas últimas eleições para presidente promoveram em grande parte da população brasileira um contágio desses racionalismos e suas emoções projetadas.

É possível escapar desse circo? Não, mas é possível e importante incluir nesta equação a variável da consciência e da racionalidade (sem ismos). Estas são responsáveis pela reflexão crítica dos acontecimentos atuais. E aquela frase de C. Jung: “até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamá-lo de destino”, coloca a responsabilidade desse circo demente de eleitos e eleitores nas mãos dos cidadãos. Nós, brasileiros, devemos saber se vamos continuar batendo palmas e incentivando os eleitos a dançar ou se usaremos nossas mãos para votar corretamente.

*Leonardo Torres é psicoterapeuta junguiano e palestrante