A comunicação pode ajudar a combater o coronavírus e salvar vidas!

A comunicação pode ajudar a combater o coronavírus e salvar vidas!
*Isabel Rodrigues

Números são frios, mesmo se expressivos, não têm alma, não contam histórias de vida. Talvez por essa razão não sensibilizem a todos. Fosse o contrário, os mais de 200 mil brasileiros mortos e os mais de oito milhões de infectados pelo coronavírus seriam mais do que suficientes para inibir as aglomerações de compras de Natal e as baladas da virada do ano. Centros comerciais ficaram lotados e festas para lá de animadas foram realizadas no campo, litoral e cidade. Especialistas dizem que o vírus também “comemorou” e que o tamanho da sua “alegria” será demonstrado nas estatísticas de fechamento de infectados e mortos no mês de janeiro. Esperam-se números assustadores. O quadro que se desenha é complexo: hospitais de grandes centros revelam capacidade esgotada em suas UTIs. E os hospitais de campanha, vale lembrar, foram desmobilizados!

A agitação de final de ano, não se pode negar, já era esperada e as suas consequências previsíveis. Porém, pouco ou nada foi feito para inibi-las. Nesse momento, as diferentes ferramentas de comunicação, se utilizadas (e da forma correta), com frequência e ênfase necessárias, por certo ajudariam a mitigar os danos que já estamos vendo. Informação verdadeira e oportuna, não é segredo, salva vidas!

Os veículos de comunicação, cada um a seu jeito e de acordo com suas preferências políticas, têm cumprido, é verdade, o seu papel de informar. Mas será que o formato jornalístico alcança e impacta a todos como se deve e precisa? Será que este formato tem o poder de mudar atitudes? Pelo que se viu até o momento, não, sobretudo no período do final de ano.

É fato que o governo federal não tem grande apreço pela comunicação de serviços, principalmente se voltada para ações relacionadas à pandemia. Para ele, a Covid-19 não passa de uma gripezinha. Mas não é, já está mais do que provado que se trata de uma enfermidade grave e que a sua “segunda onda” aparenta ser mais agressiva do que a primeira. Por essa razão, a população precisa ser alertada e de forma incisiva, apesar do início da vacinação, de que ainda não dá para relaxar e dispensar o uso dos aparatos de proteção (máscara e higienização das mãos) assim como do isolamento social (quando possível) e do distanciamento físico. Aglomerações nem pensar!

Discursos políticos e análises jornalísticas de profundidade não conseguiram tocar os corações e mentes dos cidadãos. Muitos seguem dando de ombros para os perigos já comprovados. Já passou da hora das autoridades, as Estaduais na falta da Federal, convocarem o talento de profissionais para desenvolverem campanhas de comunicação, utilizando os diferentes meios para sensibilizar a população, sobretudo a parcela mais jovem, que ainda se imagina imune aos efeitos do coronavírus.

Campanhas comunicacionais com o intuito de sensibilizar e alertar a população foram realizadas no passado e com excelentes resultados: de prevenção a AIDS, pelo uso do cinto de segurança, de economia de água durante períodos de seca prolongada, dentre outras. É certo que uma campanha bem feita e criativa produziria o efeito desejado, além, é claro, de fortalecer a importância da vacinação.

Até que se vacine a maior parte da população brasileira, com qualquer uma das vacinas disponíveis, a melhor forma de combater o coronavírus é consumir informações de qualidade (verdadeiras!), e seguir sem resistência as orientações preventivas oferecidas pela ciência. A vida vale este esforço!

*Isabel Rodrigues é mestre em comunicação e cultura midiática e professora das faculdades de Relações Públicas e Jornalismo da FAAP e da Universidade Católica de Santos.

Ao Acaso – Por Rui Guilherme

AO ACASO
Rui Guilherme

Vale a pena passear-se ao acaso no emaranhado das ideias no momento em que, a bem da verdade, não se tem ideia concreta sobre o que discorrer? É, se não provável, pelo menos possível deixar-se vaguear a pena… Epa! A pena?!? O dedo pelo teclado sem saber exatamente o que vai acontecer.

Pois que salte daí uma crônica bem quentinha, saída do forno cerebral. O assunto? Meu Deus! É o que não falta! As eleições já acabaram em quase todo o Brasil, mas a disputa ainda vai para um primeiro turno na capital do Amapá. Agora, se me ponho a discorrer sobre o pleito em Macapá, não sei ao certo o que dizer. Aí vem Buda, o Iluminado, em meu socorro, ensinando que, quando não se sabe o que fazer, o melhor que se pode fazer é não fazer nada. Em seguida, pede a palavra o Abraham Lincoln (acho que foi ele; se não foi, bem que podia ter sido) e acrescenta:-  “Nunca me arrependi diante de todas as vezes em que mantive minha boca fechada. É melhor manter-se calado e deixar que todo mundo pensa que você é uma besta do que abrir a boca e pôr-se a falar, dando a todos a certeza de que precisavam.” Hony soît qui mal y pense…

Ora, bem. Que as eleições fiquem para que sobre elas discorram os analistas políticos, o que não é bem o meu caso. Não que o assunto seja tedioso. No mais das vezes, é palpitante, tanto no sentido lato de fazer até exaltaram-se os ânimos, quanto no sentido estrito, em que se pode dizer que, quando o tema é política, todo mundo tem palpite para dar e vender.

E esta segunda onda da Covid 19? Será que vale a pena desancar os jovens que, de saco cheio de tanto ficar em casa, de tanto andar por aí de máscaras que vão desde as mais sisudas, aquelas descartáveis compradas na farmácia, até as mais inventivas, como as que trazem o escudo do time do coração (Flamengo, se faz favor, que nem o vice=presidente Mourão)), passando pelas estampadas com coraçõezinhos ou de couro de onça, até as transparentes, permitindo ver o sorriso de quem gastou uma grana mandando clarear a dentadura; os jovens, que, na sua usual rebeldia, deixam a máscara de lado, esquecem até de levar o álcool em gel e saem à rua para juntar-se à multidão nas raves, ou para patinar e pedalar, ou buscam a liberdade das praias. Falar sobre a jeunesse dorée e sua alegre irresponsabilidade dá sempre samba. Só que não me atrevo a criticar a mocidade. Corro o risco de acharem – e haverá sempre quem o faça – que no fundo, no fundo, crítica à joie de vivre das gatas e gatões é pura dor de cotovelo de um escrevinhador que, ao meter-se no meio deles, seria olhado com ironia, tachado de coroa ou, quando menos, recomendado:- “Vai pra casa, titio!”

É, não tenho pique para enfrentar a buliçosa contra-argumentação da moçada. Na verdade, nem pique, nem saco, nem certeza de querer fazê-lo. A pandemia cobra muito de velhos e novos. Comezinha lógica obriga a censurar aqueles que, intoxicados da pressão gerada pelo lockdown, aglomeram-se nos bares e nos clubes e boates para celebrar a vida, ainda que disso resulte o crescimento nas taxas de contaminação e favoreçam a perpetuação da pandemia. Ademais, há que pensar naqueles que são forçados a ganhar a rua acotovelando-se em veículos de transporte público, porque, se não forem trabalhar presencialmente, não têm como levar o pão para suas casas.

Raia no horizonte a esperança das vacinas. Com elas, muito mais eficientes que as mandingas usadas pelos nossos avós mais remotos para enfrentar a peste bubônica e males assemelhados; com possibilidades de debelar o grande mal muito maiores do que as relíquias de santos, veneráveis dentes ou pedacinhos de ossos, lascas da Santa Cruz que, se fossem todas  autênticas, teriam levado o Império Romano a ser considerado historicamente o maior derrubador de árvores para confeccionar cruzes; tornar-se-iam as legiões de César inimigos das florestas mais ameaçadores que os madeireiros ilegais da Amazônia. Com elas, com as vacinas, prenuncia-se a vitória da humanidade sobre essa morte negra do terceiro milênio. Então, bem que eu podia juntar-me à coorte de escribas e tecer loas à ciência moderna e seus agentes das mais diversas nacionalidades. Mas… não dá. A inspiração não bate, por mais arrebatador e atual que seja o tema.

Amigo querido e talentoso escritor recentemente mandou-me obra de sua lavra em que fala do brasileiro e seu complexo de vira-lata ao se comparar com povos tidos como mais adiantados. Sem querer, magoei meu dileto companheiro ao deixar escapar que tudo quanto ele dizia tinha timbre de mais lídima verdade – e isso lhe trouxe algum agrado. Mas eu, com essa minha cabeça dura fiz aquilo que Lincoln dizia que nunca devia ter feito: deixei escapar, em minha análise, que as ideias bem alinhavadas do confrade, se de um lado expressavam reta verdade, por outro careciam de originalidade. Só que a culpa não era dele, e, sim, do tema abordado. De todo modo, abri minha boca e permiti que ele, se alguma dúvida tinha de que eu era um néscio, agora disso tem cristalina certeza. Faça o que digo, mas não faça o que eu faço. E, com esse fecho que de original não tem absolutamente nada, encerro estes cismares que, de novo, de original, de interessante, não têm a mais leve sombra. São ideias esparsas, meditações em hora de ócio, puro rol de besteiras produzido por mero acaso.

Apagão no Amapá foi um crime

Apagão no Amapá foi um crime
Por Randolfe Rodrigues

Na noite de terça-feira 17 de novembro, exatamente duas semanas após o início do suplício pelo qual passam os amapaenses em função do mais longo apagão da história, o Amapá se viu novamente mergulhado nas trevas, com mais uma interrupção geral do fornecimento de energia a quase 90% da sua população, incluindo a capital Macapá.

O martírio inaceitável dos amapaenses começou há 15 dias, na noite de 3 de novembro, quando um incêndio inutilizou dois transformadores da subestação operada pela empresa Isolux (Gemini/LMTE – Linhas de Macapá Transmissora de Energia). Deu-se início ao caos, já que simplesmente não havia nenhum backup ou plano B para continuar o fornecimento de eletricidade: o transformador reserva tinha ido para manutenção em dezembro de 2019 e nunca retornou.

O Operador Nacional do Sistema (ONS), a Aneel e o governo sabiam dessa vulnerabilidade, mas nada fizeram para exigir da empresa a operacionalidade da unidade reserva. Deixaram o Amapá numa estrada com os pneus carecas e sem estepe.

Foram quase quatro dias de apagão total em 13 dos 16 municípios do estado. Nesses dias instalou-se um caos generalizado, pois, sem energia, também passou a faltar água; caiu a comunicação por internet e telefone; não havia como abastecer os carros e os postos com gerador ostentavam filas intermináveis, o mesmo acontecendo nos caixas eletrônicos (máquinas de cartão não funcionavam).

Os danos se seguiram com os alimentos que se perderam nos refrigeradores. Empreendedores tiveram prejuízos incalculáveis, viram-se cenas lamentáveis como disputa para comprar gelo, desaparecimento de velas e água mineral das prateleiras dos supermercados, somente sendo encontradas a preços escorchantes.

Em outras palavras, reduziram-se a pó a dignidade e a cidadania do povo amapaense devido à irresponsabilidade de uma concessionária de serviços públicos e pela omissão do governo federal em fiscalizar o setor.

Observem o disparate: o Amapá produz em torno de 900 MW de energia em quatro hidrelétricas e consome aproximadamente 200 MW, exportando o excedente para o resto do país. Como pode um estado superavitário em energia ficar às escuras?

A energia foi sendo restaurada de forma precária, apenas a partir do sábado, dia 7 de novembro, com racionamento e rodízio que amenizou, mas ainda ficou longe de restabelecer a normalidade. Os horários divulgados não têm sido cumpridos. Para completar, há relatos de muitos casos em que a energia retorna com sobrecarga queimando equipamentos, dentre outros infortúnios.

Nosso mandato entrou com dois pedidos na Justiça Federal que foram acatados: o primeiro exigia que a Isolux restaurasse a energia em sua plenitude no prazo de três dias, mas a empresa não cumpriu e terá que arcar com multa de R$ 15 milhões.

Na outra decisão, se determina a prorrogação do pagamento de mais duas parcelas do auxílio emergencial, no valor de R$ 600, para que os amapaenses possam ser ressarcidos de seus prejuízos.

Lamentavelmente, o governo Bolsonaro informou que vai recorrer da decisão judicial, negando esse alento à população mais carente do estado.

Em qualquer país com um governo sério o ministro das Minas e Energia já teria sido demitido. As diretorias da Aneel e do ONS já estariam sentadas no banco dos réus por omissão criminosa. A Isolux (Gemini/LMTE) já tinha que ter tido sua concessão cassada, sendo obrigada a pagar pelos danos causados à população.

Seguiremos cobrando a solução definitiva e segura para o fornecimento de energia no Amapá e a punição exemplar aos responsáveis por este apagão criminoso.

*Randolfe Rodrigues é senador (Rede-AP)

O Amapá e a segurança energética – Por Ruy Smith

O Amapá e a segurança energética
Ruy Smith*

Com o Apagão instalado no Amapá, já experimentamos os efeitos advindos desse evento: colapso nos serviços públicos, nas atividades econômicas e no bem-estar do povo; e um esforço de guerra pra manter serviços imprescindíveis, como hospitais. A infra de energia amapaense não conta, por óbvio, com a tão desejada segurança energética!

Voltando um pouco no tempo, muitos lembram que o então senador Sarney, eleito por 3 vezes pelo Amapá, por anos a fio prometeu a chegada do linhão, trazendo energia abundante; sem energia o Amapá estaria fadado à estagnação econômica, era a tônica da época.

Vale dizer que o popular “linhão” é uma linha de transmissão integrante do SIN – Sistema Interligado Nacional, uma rede formada por produtoras de energia (hidrelétricas, térmicas, eólicas, etc.) e linhas de transmissão de energia elétrica cobrindo grande parte do território nacional. Aqui faço um parêntese: a minha impressão é de que todo o tempo que o linhão demorou pra chegar até o Amapá foi devido à falta de viabilidade econômica do empreendimento, com altos investimentos para a pequena demanda local; a partir do momento em que hidrelétricas foram se instalando no Amapá, as coisas andaram – viramos exportadores de energia, com as hidrelétricas amapaenses ligadas ao linhão!

Pois bem, com o linhão à porta, para o Amapá consumir a energia gerada em qualquer parte do país foi necessário construir uma interface que adequasse a energia transmitida pelo linhão àquele padrão já utilizado pela distribuidora local, a CEA. Tal interface, para 13 municípios atingidos pelo Apagão, é a subestação rebaixadora sinistrada. O Amapá veio a perceber que 80% de seus municípios sempre esteve  dependente de uma única via de transmissão (o linhão) e uma única subestação – esta com 3 transformadores, 2 danificados pelo fogo e 1 backup sem manutenção regular.

Portanto, sem um Plano B planejado, mesmo com hidrelétricas em operação no Amapá, o plano emergencial adotado pelo governo federal para estancar a fase aguda da crise consiste em fornecer energia direto da hidrelétrica Coaracy Nunes – a única que possui subestação rebaixadora própria e agora fornece energia à CEA sem passar pelo linhão – bem como, ter conseguido recuperar o transformador backup para reativar a rebaixadora de Macapá, contratar 45Mw de energia de geradores e trazer 1 transformador do Jari, que ficou sem cobertura, para instalar na rebaixadora de Macapá e  ampliar a oferta de energia. Os geradores estão sendo instalados e o transformador do emprestado do Jari está em montagem.

Óbvio que essas ações de emergência são necessárias para superar a fase aguda da crise, como já dito, mas não servem ao Amapá mesmo considerando um prazo relativamente exíguo. Explico: a UHE Coaracy Nunes possui produção sazonal e, mesmo com reservatório recuperado em pleno inverno, gera cerca de 20% da demanda; a rebaixadora de Macapá, agora contando com um transformador recuperado e outro do Jari, estará sem backup nos transformadores e, assim passível de eventual falha incontornável; os grupos geradores – que vieram para suprir parte da demanda e a única fonte de energia disponível para ampliar eventual demanda ao longo dos próximos meses – são soluções em desuso, caras e poluidoras.

O Amapá nunca teve segurança energética na era do linhão; teve sorte. Hoje, com as alterações emergenciais feitas no sistema, tem menos ainda. Urge que, ao mesmo tempo em que caminham as ações emergenciais, nossos parlamentares federais, o governador do Estado, os prefeitos dos municípios atingidos, usem esse momento de exposição nacional do problema energético amapaense para pressionar, com inteira razão, por medidas que possam trazer a segurança necessária. Nesse ambiente, 2 pontos creio que são essenciais: a recomposição das rebaixadoras de Macapá e Laranjal, e a construção de linhas de transmissão e rebaixadora, independentes,  formando um sistema alternativo ao linhão à partir das hidrelétricas que temos, cuja capacidade instalada alcança 3x o que consumimos.

A empreitada em busca da nossa segurança energética demanda bastante recurso e tempo. De onde virá o recurso é uma questão afeita ao convencimento político junto ao governo federal. Como será alcançada, é questão técnica de alçada dos especialistas do MME. A questão principal é que o Amapá não precisa mais passar por um Apagão, outra vez. Entretanto, nesses próximos meses, contaremos com a sorte!

*Ruy Smith é engenheiro mecânico e ex-deputado estadual

Deve trabalhar para viver – Dom José Conti

Deve trabalhar para viver
Dom Pedro José Conti – Bispo de Macapá

Contam os monges anciãos que, certo dia, João, o pequeno, disse a um irmão mais velho:

– Quero ser livre das preocupações e não trabalhar. Quero adorar o Senhor sem parar”. Tirou a veste de monge e foi para o deserto. Depois de uma semana, voltou com aquele irmão. Quando bateu na porta, o monge, de dentro, sem abrir, perguntou:

– Quem é? – Respondeu:

– Sou João, teu irmão.

Mas o velho monge rebateu:

– João se tornou um espírito e não vive mais entre as pessoas!

João suplicou:

– Sou eu! Mas o irmão não abriu a porta e o deixou no desespero até a manhã seguinte.

Quando saiu lhe disse:

– Se és um ser humano deves trabalhar para viver.
João, o pequeno, se arrependeu e disse:

– Me perdoe, irmão, porque errei.

A parábola dos talentos, que encontramos no evangelho deste domingo, é muito conhecida e, como outras parábolas, presta-se a diversas leituras. A primeira mensagem está em continuidade com que refletimos nas últimas semanas: o Senhor nos quer “vigilantes”, ou seja, a espera da volta dele – que é a nossa própria vida nos dias que passamos neste mundo – e deve ser um aguardá-lo ativo, alegre e comprometido. Nada de preguiça, sonolência e acomodação. O exemplo mais prático para entender isso é o da entrega dos “talentos”, qualquer coisa eles representem. O certo é que somente quem soube multiplicá-los será premiado e chamado de servo “bom e fiel”. Quem, ficou com medo ou achou o “dono” severo e exigente demais e acabou enterrando o único talento recebido, será chamado de servo “mau, preguiçoso” e, enfim, “inútil”.

A essa altura devemos nos perguntar se o Senhor Jesus queria falar mesmo de bens materiais ou, sobretudo, de outros tesouros preciosíssimos que a todo custo devem ser traficados. Uma coisa não exclui a outra. Hoje entendemos, por exemplo, que a própria natureza é o primeiro “dom” que o Pai criador entregou à humanidade e que, com seu respeito e sustentabilidade pode, ou não, ser fonte de vida ou de morte para os habitantes do planeta. A “cura” da criação nos aparece cada vez mais urgente e de responsabilidade de todos. Uma humanidade digna de ser “humana” mesmo e não mera consumidora e exploradora de riquezas não pode mais pensar só no lucro da geração atual, deve saber enxergar mais longe se quiser preparar um futuro melhor para todos. De outra forma, nunca acabarão as guerras para o controle das riquezas e nunca haverá fraternidade e partilha.

Talvez precisemos redescobrir e reavaliar outros tipos de “talentos”, menos materiais, mas igualmente – ou mais – valiosos. Simples. Se achamos que o ser humano se satisfaz somente com o famoso “pão”, deixamos de lado outros bens. Jesus nos ensinou que precisamos também da Palavra de Deus, ou seja, de escutar sempre e de novo a proposta daquele que colocou em nossos corações muitos outros desejos e sonhos que nunca ficarão satisfeito com o que encontrarmos e construirmos neste mundo. Hoje, a grande questão do chamado “progresso” é que não pode mais ser somente material.

O “crescimento” pede novos equilíbrios com a natureza, novos relacionamentos mundiais, novo respeito pela existência de todos os seres vivos. Papa Francisco fala de “sobriedade feliz”. Lembra-nos que “tudo está interligado”. É simplesmente imoral querer construir “ilhas” de felicidade isoladas para poucos privilegiados. Seriam somente lugares de egoísmo e desprezo para os demais, numa vida triste cheia de barulho e superficialidade.

Penso que, afinal, seja esse o grande “trabalho” dos cristãos, daqueles que querem contribuir com a construção do Reino de Deus e não dos ilusórios reinos humanos. Temos um “tesouro” imenso, incalculável, de amor, de criatividade para organizar novas economias, novas fraternidades, novos relacionamentos. Sempre os cristãos sonharam com novas “cidades” mais semelhantes com a “cidade do céu”. Nunca faltaram profetas e mártires para isso. O pior é desistir de ser cristão ativos, cada um com as suas capacidades, numa comunhão de compromisso e bondade. Orar não é fugir, se esconder, mas saber para que se reza e, sobretudo, para que se vive.

As eleições e a demência brasileira

As eleições e a demência brasileira
Leonardo Torres*

O Brasil está cada vez mais demente: presidente com sentimento persecutório e contra vacina, senador fugitivo escondendo o dinheiro nas nádegas, candidatos canastrões que fazem estripulias para chamar atenção e conquistar votos. Enquanto isso, a fome e a miséria aumentam, as matas são incendiadas e as mortes pelo COVID-19 não cessam. E ainda, a aprovação do presidente cresce, por ter implementado um auxílio emergencial que não foi ele quem planejou.

Nem mesmo Kafka, Huxley, Saramago ou Shakespeare sequer imaginariam escrever um romance comparável ao que nosso país passa neste momento. Não somente porque os personagens que atuam no palco político são peculiares, mas também porque o público que os assiste atuar – os eleitores – também estão cada vez mais dementes.

A palavra “demente” provém “da-mente”. Aqui exclui-se qualquer conotação pejorativa da palavra. Vale lembrar Edgar Morin quando afirma que o ser humano é Sapiens e Demens, ou seja, pautado tanto pela racionalidade quanto pelas emoções e pela mente.

Apesar da neurociência já ter provado que é impossível separar a racionalidade das emoções, temos que tomar cuidado para não cair em racionalismos. De acordo com E. Morin, o racionalismo é uma razão tendenciosa, autoritária e paranoica, ou seja, são aquelas justificativas simples e fáceis de se entender que normalmente elegem e projetam suas emoções em um inimigo. Por exemplo: as fake news nas últimas eleições para presidente promoveram em grande parte da população brasileira um contágio desses racionalismos e suas emoções projetadas.

É possível escapar desse circo? Não, mas é possível e importante incluir nesta equação a variável da consciência e da racionalidade (sem ismos). Estas são responsáveis pela reflexão crítica dos acontecimentos atuais. E aquela frase de C. Jung: “até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamá-lo de destino”, coloca a responsabilidade desse circo demente de eleitos e eleitores nas mãos dos cidadãos. Nós, brasileiros, devemos saber se vamos continuar batendo palmas e incentivando os eleitos a dançar ou se usaremos nossas mãos para votar corretamente.

*Leonardo Torres é psicoterapeuta junguiano e palestrante

Omissão – Dom Pedro José Conti

Omissão
Dom Pedro José Conti – Bispo de Macapá

Uma jovem se formou na universidade com as melhores notas. Logo, procurou um trabalho que lhe garantisse um bom salário, não exigisse muito esforço e garantisse bastante dias de folga. Com os seus conhecimentos profissionais e algumas amizades dos pais, encontrou o emprego como sonhava. Imediatamente mandou uma mensagem a um seu amigo e partilhou a sua felicidade. O amigo, porém, respondeu-lhe com palavras que talvez ela não esperava. Ele escreveu: “Tu não és somente sortuda, és também omissa”. Ele a questionou afirmando que achava um verdadeiro desperdício gastar as suas capacidades de inteligência e criatividade numa vida tão egoísta. A jovem refletiu e mudou de trabalho. Decidiu comprometer-se mais com a solidariedade; entendeu que devia cuidar melhor de si mesma e dos mais desfavorecidos. Convenceu-se que devia zelar pela natureza e todo ambiente de v ida. Enf im, abraçou projetos de justiça e de paz. Depois de algum tempo, escreveu novamente ao seu amigo e agradeceu. Estava feliz.

A página do evangelho de Mateus deste 30º Domingo do Tempo Comum nos apresenta mais uma pergunta traiçoeira a Jesus. Os fariseus, rigorosos observantes da Lei, queriam saber dele qual era o maior de todos os mandamentos, ou seja, aquele preceito ao qual todos deviam obedecer. Talvez esperassem que dissesse que era o respeito ao repouso do sábado, para que ficasse clara a absoluta obediência a Deus, que também descansou no sétimo dia. Assim Jesus poderia ser acusado de desobediência porque curava os doentes até no sábado. A luminosidade da resposta de Jesus contrasta com a obsessão cega dos fariseus pela Lei. Ele, simplesmente, lembrou a todos aquilo que já estava escrito na própria Palavra: os dois mandamentos do amor, a Deus (Dt 6,5) e ao próximo (Lv 19,18). O que ninguém esperava era que Jesus dissesse que o segundo mandamento, ou seja, o amor ao próximo fosse seme lhante a o primeiro, aquele de amar a Deus. Se queremos amar a Deus de verdade, o jeito certo, não será aquele de cumprir preceitos mais ou menos religiosos, devotos ou piedosos que sejam, mas devemos praticar a solidariedade e a fraternidade com os irmãos e irmãs necessitados, que encontramos nos caminhos e encruzilhadas da vida. O bem feito ao irmão sofredor é amor ao próprio Cristo (Mt 25,40) e o bem, recusado ao pobre, será considerado desprezo ao Senhor (Mt 25,45).

O mandamento do amor é único. Lembramos o que está escrito na Primeira Carta de João: “Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão que vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê” (1Jo 4,20). Não tem desculpas e nem saídas sorrateiras. Jesus passava as noites em oração ao Pai, mas gastava o dia na pregação e no atendimento aos doentes e pecadores. Toda a sua vida foi uma doação, uma entrega, sempre gasta para o bem dos irmãos, nada guardava para si. O amor a Deus não se mede pelas longas orações ou adorações, porque corremos o perigo de contemplar a nós mesmos, as nossas emoções e imaginar um Deus satisfeito com isso. Do outro lado, um compromisso social sem o coração ardendo do mesmo amor compassivo e misericordioso de Jesus pode ser uma excelente ação assistencial, boa para satisfazer o nosso orgulho, mas sem alcançar a maior de todas as descobertas.

Com efeito, somente quando amamos os nossos irmãos sem julgá-los e sem esperar nada em troca, é possível fazer, ao menos um pouco, a experiência de como Deus é e como ele quis se fazer conhecer em Jesus: pura gratuidade, amor sem limites, amor até a cruz. Deixaremos, então, de rezar? Ao contrário, na oração encontraremos a força e a coragem de tocar nas feridas dos irmãos e irmãs, de carregá-los e de pagar o que falta para que reencontrem vida e esperança. Igualmente, podemos colaborar com tantas obras de solidariedade e justiça, mas nunca para promover a nós mesmos, algum partido, ou até a nossa Igreja. Por isso, Papa Francisco na Exortação Apostólica “Cristo Vive” lembra aos jovens, e a todos nós, as palavras de At 20,35: “Há mais felicidade em dar, do que em receber”. Este é o segredo de Deus, o segredo do amor e da verdadeira alegria.

Os nomes dos burros    

Os nomes dos burros    
Dom Pedro José Conti – Bispo de Macapá

O imperador Frederico II e seu irmão Henrique ficaram satisfeitos c om a aco lhida recebida num convento. Antes de partir, o rei perguntou ao guardião se tinha algum favor a pedir. O bom frade respondeu que sim:
– Peço que sua Majestade nos conceda colocar o hábito a dois novi&cc edil;os, a cada ano, apesar da lei que ordena o contrário.
–  Graça concedida – respondeu o rei. Aliás &ndas h; conti nuou – eu mesmo enviarei os dois noviços.
Nisso, olhou o irmão e lhe falou numa língua estrangeira par a n&atil de;o ser entendido pelos frades:
– Nós enviaremos dois burros para esses frades! Mas o frei guardi&a tilde;o, que tinha viajado bastante pelo mundo afora, entendeu as palavras do rei. Assim, de olhos baixos, o frei disse novamente ao rei:
– Já que o senhor é tão generoso, peço-lhe mai s um fav or: que possamos colocar aos dois noviços, que o senhor enviará, os nomes do senhor e do seu irmão. O rei e o irmão foram embora calados.
“Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que &e acute; de Deus” (Mt 22,21) talvez seja uma das frases dos evangelhos mais repetidas e mais facilmente adaptadas a tantos interesses e circunstâncias. Mateus coloca essas palavras de Jesus durante uma conversa entre ele e os fariseus, decididos a deixá-lo em apuros. Se Jesus tivesse respondido que não deviam pagar os impostos ao imperador, teria sido denunciado às autoridades como desobediente e subversivo. Se, ao contrário, tivesse respondido que era justo pagar, teria significado subserviência aos opressores romanos e desagradado ao povo que não suportava o peso dos impostos. Jesus não tinha muitas saídas: a arapuca estava bem armada. No entanto, mais uma vez, Jesus respondeu colocando a questão num plano muito diferente. Simplesmente lembrou a todos o lugar de cada um: o de “César” e o de Deus, sem mistura, sobreposição ou confusão. É, justamente, quando algu&ea cute;m quer ocupar o lugar de Deus que as coisas começam a desandar. Nenhum ser humano, nem os “césares”, passageiros de todos os tempos, por grandes e poderosos que sejam, podem fazer isso. Desde o início: todas as vezes que um ser humano quis, ou ainda quer, ser “como Deus” (Gn 3,5) só acontecem desastres.
Parece que não aprendemos a lição. Continuamos orgulh osos e a rrogantes numa briga sem sentido. Com Deus não adianta disputar o poder, não porque ele é o “Todo Poderoso”, mas porque a ele o “poder” não interessa. Ele já desistiu de se impor. Desde a cruz de Jesus, ele escolheu ser o último, o perdedor, o excluído, para nos ganhar pelo amor e nunca pela força, o medo ou o castigo. Com isso, ele respeita até o fim a nossa liberdade, não nos obriga a acreditar e a obedecer. Deus não quer súditos, mas amigos, colaboradores na construção do seu Reino, “filhos” amados que o sirvam com júbilo e alegria. Pela história e pela experiência, sabemos que os “reinos deste mundo” se baseiam na força das armas, das leis impostas, das intrigas de palácio, ou, como está acontecendo hoje, sobre o poder econômico de quem visa o lucro a qualquer custo, mesmo se milh& otilde;e s de seres humanos morrem de fome ou conduzem uma vida miserável. O curioso na resposta de Jesus é que ele usa uma moeda com a figura e a inscrição de César para explicar o seu entendimento. Mais moedas circulavam, mais negócios eram feitos, mais aquela “figura” se tornava famosa e temida. Hoje os poderosos têm muitas outras maneiras de espalhar os seus retratos, ou, talvez, nem se preocupem mais com isso. Certos nomes de marcas e grifes estão nas praças de todos os países e em todas as línguas. Alguns talvez queiram colocar por lá também o nome de algum “deus” ou de alguma “igreja”, mas o Deus verdadeiro não precisa dessa propaganda porque nos deixou um letreiro que até os analfabetos podem ler: é a natureza, dádiva generosa da sua bondade. Temos também a voz do coração que Deus colocou em nós e que, se soubéssemos escutá-la mais, nos diria sempre para escolher o caminho da bondade e da paz, nunca do ódio e da violência. Talvez sonhemos que os nossos nomes entrem nas listas dos famosos, dos ricos e poderosos. Para quê? Se continuamos sendo “burros”, de cabeça dura e coração fechado.

Os fuxiqueiros – Dom José Conti

Os fuxiqueiros
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Todo ser humano, que viva no meio de fuxiqueiros, qualquer coisa ele faça é destinado a perder. Se é pobre, é porque não soube administrar. Se é rico, é porque trambicou ou teve muita sorte. Se se ocupa de política, o faz só por interesse. Se foge da política, não é suficientemente experto para se meter nessa. Se não ajuda ninguém é mão de vaca. Se faz caridade, o faz para aparecer. Se ajuda na Igreja, com certeza deve ganhar alguma coisa. Se não frequenta nenhuma comunidade, coitado, está perdido. Se manifesta afeto, é um sentimental. Se não o manifesta é um ser frio e insensível. E assim por adiante… Ninguém escapa das murmurações. Só que antes o fuxico acabava na rua ou no bairro, hoje se espalha pelo mundo inteiro. A tecnologia inventou um nome novo, em inglês: fake news, mas nad a mudou. Gostamos de falar da vida dos outros.

No evangelho de Mateus deste domingo, encontramos a parábola dos trabalhadores da última hora. No final dela, Jesus diz palavras surpreendentes: “Os últimos serão primeiros; e os primeiros, últimos” (Mt 20,16). Injustiça ou novidade do Reino dos céus? Para entender basta ler o versículo 30 do capítulo anterior. Lá, Jesus disse algo parecido como conclusão da resposta que ele deu à pergunta de Pedro: “Olha! Nós deixamos tudo e te seguimos. Que havemos de receber?” (Mt 19,27). Naquela ocasião, Jesus havia prometido que, no “mundo renovado”, todos aqueles que tivessem deixado “casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou campos”, iriam receber “cem vezes mais” e “como herança a vida eterna” (Mt 19,29). Aparentemente um “super” prêmio para os fiéis seguidore s. Contu do “muitos” dos primeiros ficarão por últimos. Haverá farta recompensa, sem dúvida alguma, mas com uma prioridade diferente daquela que podia ser entendida como uma ordem de chegada. A parábola dos trabalhadores da vinha é, portanto, a exemplificação de uma “justiça” nova ou, melhor, da própria bondade de Deus.

Jesus apresenta uma situação comum naquele tempo, mas com uma sucessão de fatos e uma conclusão inéditas. Os donos das vinhas contratavam de manhã cedo os trabalhadores. A jornada era de sol a sol e a paga era de uma moeda de prata. O patrão da parábola, porém, continuou contratando ao longo do dia, até faltar só uma hora para o término do dia. De fato, alguns operários trabalharam bem pouco. Mais do que justo seria que ganhassem menos ou em proporção às horas trabalhadas. Mas não foi isso que aconteceu: todos receberam a mesma moeda. Injustiça ou generosidade do patrão?

Obviamente teve murmuração e a resposta do dono da vinha não deixou dúvidas: por que invejar a sua bondade? Ele não podia dispor livremente do seu dinheiro? É fácil entender que, por trás da parábola, está a polêmica de Jesus com os escribas e fariseu que se achavam “os primeiros” chamados e, portanto, os mais dignos herdeiros das promessas. Essa, podia ser também a tentação dos discípulos que sonhavam com um tratamento privilegiado. Jesus não nega a precedência do povo da Antiga Aliança, mas deixa entender que no Reino dos Céus a recompensa será para todos, também para os que chegarem depois ou bem na última hora. O relógio da bondade de Deus funciona de maneira diferente.

Continuamos o fuxico: se for assim, podemos ser tentados a ficar aguardando a última chamada. Se ao final a recompensa é a mesma, por que ficar suando o dia inteiro? Vamos aproveitar da bondade do patrão e ficar à toa por aí. Quantos “cristãos” deixam sempre para depois as coisas de Deus. Outros não, se engajam nas obras do Reino desde a juventude e labutam a vida inteira. É muito bonito quando esses irmãos e irmãs “da primeira hora” fazem isso sem pensar na recompensa. Estão sempre prontos a ajudar, não medem esforço na busca da verdade, da justiça e da paz. Basta-lhes saber que estão colaborando com o Reino dos Céus. Deve ser a alegria desses irmãos e irmãs a atrair outros para o trabalho na vinha do Senhor. Porém, se são eles e elas os “primeiros” fuxiqueiros da Comunidade, é porque n&at ilde;o s ão felizes. Afastam em lugar de cativar.