A casa da minha infância – Bela crônica de Wagner Gomes

A casa da minha infância
Wagner Gomes*

Dias atrás, minha irmã Lidú, me presenteou com uma fotografia, que feitas as contas, tem mais de sessenta anos e conta um pouco da minha história.
É a foto da nossa primeira residência em Macapá, capital do ex Território Federal do Amapá, construída por meu pai. Ficava localizada na Av. Antônio Coelho de Carvalho, entre as ruas Hamilton Silva e Leopoldo Machado, onde atualmente funciona uma Clinica e um pouco antes era um Hotel.
Lá passei toda minha infância. Hoje, ao ouvir o badalar dos sinos da Igreja, me veio a memória um dos meus passatempos preferidos daquela época: ver o adestramento dos recrutas do Tiro de Guerra 130. Lembrei do Sgto Rosevaldo que ao deixar a cidade, foi se despedir dos moradores do local. Do Sgto Pompeu, que quando mandava os recrutas se arrastarem e alguém ousava levantar a cabeça, perguntava em uma voz alta: ‘quer uma fotografia minha simples ou colorida?’.
Com entrada pela Antônio Coelho de Carvalho, no Estádio Municipal Glicério Marques, ficava a Junta de Alistamento Militar, que era.presidida pelo senhor Reynaldo Lima, auxiliado pelo Cabo Lázaro. Também era o alojamento do Sargento Instrutor e uma espécie de Quartel Geral, onde ficavam os ‘fuzis’. Desse local tenho muitas histórias e estórias … que contarei em outra oportunidade.
Lendo Manoel de Barros, o conhecido ‘poeta das miudezas’, aprendi, quando ele diz:
“Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade.
Se a gente cavar um buraco ao pé da goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo de uma lagartixa. Sou hoje um caçador de achadouros da infância. Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos.
……
Hoje encontrei um baú cheio de punhetas.
……
No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal: Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra dentro”.

Nota: na foto, meu pai Pedro Pinto Gomes, de pé, ao lado de minha mãe Maria Murila Costa Gomes, sentada, em primeiro plano. Ao fundo, eu, sentado ao chão. Minha irmã Lidú, está em pé, subida no pátio. E um pouco mais à frente meu irmão, Jackson Gomes, sentado sem camisa, junto com o Paulo Carneiro, com camisa, meu vizinho.

*Wagner Gomes é advogado e cronista

Minhas histórias, minhas paixões

Minhas histórias, minhas paixões
Carlos Sérgio Monteiro*

A Gestão

Grande parte da minha vida profissional dediquei ao Poder Legislativo nas três esferas: Câmara Municipal de Macapá, Câmara dos Deputados, Assembleia Legislativa do Amapá.

A experiência no Executivo foi apaixonante. Em 2005, fui indicado pelo líder do PPS deputado federal Roberto Freire (PPS), com apoio do deputado federal Júlio Delgado (PPS/MG) e honrosamente nomeado pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, para o cargo de Diretor de Administração da FUNAI, para administrar um orçamento de R$ 120 milhões. Descobri ali que o índio não queria mais apito, queria dignidade, modernidade, respeito ao seu povo e a preservação da sua cultura. Foram seis meses de muito trabalho e aprendizado, até o rompimento politicamente do PPS com o Presidente Lula.

Em seguida, o Prefeito Nogueira (primeiro mandato), chamou-me para comandar a Secretaria Extraordinário da Representação da Prefeitura de Santana em Brasília – DF. Um trabalho de resultados significativos para Santana.

O ano era 2011 e o mês era março. Saio de Brasília para ministrar palestra na Câmara Municipal de Macapá e me torno Presidente da EMTU, a convite do MDB/AP, que integrava a nova composição política do Prefeito de Macapá, Roberto Góes, formatada para dar continuidade a sua gestão, após revogar a prisão preventiva cumprida por exatos 64 dias. (bastidores conto no meu livro).

Deixo em Brasília os moores Sandra e Yasmin para encarar o desafio da administração pública pegando a Empresa Municipal de Transportes Urbanos – EMTU com um passivo de R$ 13 milhões em 13 anos de funcionamento e, pior, com uma fama terrível de não prestar os serviços a contento da população, além de inúmeras denúncias e mazelas.

Casa arrumada o foco foi Brasília, atrás de investimentos para salvar vidas no trânsito: R$ 900 mil para sinalização horizontal e vertical e R$ 3 milhões para sinalização semafórica, ambas, emendas do Deputado Federal Luiz Carlos, R$ 300 mil da Deputada Federal Dalva Figueiredo, para aquisição de uma máquina de pintura para sinalização horizontal e R$ 500 mil do Deputado Federal Milhomen, para a construção de abrigos de passageiros.

No Estado, conseguimos a façanha de sermos o único gestor da administração Roberto Góes, a firmar convênio com o governo de Camilo Capiberibe, via DETRAN/AP, na ordem de mais de R$ 500 mil, graças a visão e o espírito público de João Gomes, Diretor do órgão. Aliás, isto lhe causou um desgaste dentro da administração DETRAN/AP e EMTU, por nossos trabalhos em conjunto (campanhas educativas, blitz e etc…), em prol de um trânsito seguro e menos violento. Os dados mostram os avanços.

Pautamos e implementamos importantes ações de valorização dos servidores da administração e dos

agentes de trânsito e transporte. Liquidamos a falida EMTU e constituímos a autarquia CTMac – Companhia de Trânsito e Transporte de Macapá. Esse feito só foi possível com o apoio do Prefeito Roberto Góes, Vereadores Gian do Nae, Acácio Favacho, Luizinho Monteiro e Adriana Ramos.

Alguns iluminados assessores do Prefeito, querendo fazer média, desengavetaram um projeto de lei de transformação da EMTU em autarquia, que dormitava há anos, em detrimento do que tínhamos elaborado para encaminhamento através de Mensagem do Prefeito para a Câmara de Vereadores. No dia da votação, ao ver a pauta, percebi a manobra, pedimos aos vereadores a suspensão da votação da proposição.

Nesse interstício, o Vereador Gian do Nae apresentou um substitutivo, colocando de volta o projeto de lei original. A Vereadora Adriana Ramos, imediatamente convocou reunião extraordinária da CCJ e Luizinho e Acácio se encarregaram das articulações. O substitutivo foi aprovado na CCJ e no plenário em menos de três horas de sessão. Isso que eu chamo de vontade política.

Nessa seara um agradecimento especial ao Procurador-Chefe da EMTU, Dr. Marcelo Leite, aos advogados da procuradoria, Dr. Juracy Jucá e Dra. Cristiane Lisboa, a Roseiná (jurídico), Leila e Josué (administrativo/ contábil), a comissão paritária responsável pela elaboração do novo plano de cargos e

salários, todos os demais servidores envolvidos direta e indiretamente, além  dos diretores Wilton Favacho, Jair Andrade e Jair Coelho.

Nos principais feitos da nossa gestão, destaco: 100 placas de táxis licitadas e mais 100 placas em acordo Judicial; 700 placas de mototaxistas também licitadas; construção de 8km de ciclofaixas, na Rua Hamilton Silva e na Av. Feliciano Coelho para melhorar a mobilidade urbana e deixamos um projeto de ciclofaixa em 3D para toda Macapá, interligando a Zona Sul com a Rodovia JK, Zona Norte e Centro da Cidade; edital de licitação do transporte coletivo, suspenso pela justiça e transformado em acordo judicial que gerou investimentos na ordem de R$ 21 milhões para aquisição da nova frota de ônibus, o que possibilitou resolver um problema crônico do Brasil Novo; parceria com a Secretaria de Educação, objetivando a travessia segura na faixa de pedestre em frente as escolas municipais, quando da entrada e saída dos alunos. Obrigado pela comunicação Renivaldo Costa e Silvio Sousa.

Peraí, continua lendo que tem a última, transformamos a Rua Leopoldo Machado, na primeira via expressa da cidade, ao retirar o estacionamento do lado direito da via, para a criação da terceira faixa de rolamento com fluxo preferencial de ônibus, táxis e mototáxis com passageiros.

A Leopoldo passou a ter 3 faixas que foram sinalizadas com taxas refletivas, conhecidas como “olho

de gato”, virando uma grande avenida de passeio para as famílias depois das 22h, que com o farol em luz alta viam refletir o olho de gato, como se estivessem numa pista de pouso de avião. Relatos que me emocionavam!

Ufa! Acabou, rsrsr! Os bastidores contarei no meu livro e na próxima “minhas histórias, minhas paixões”, vou falar da gestão na Secretário de Educação de Santana. Valeu!!

*Carlos Sérgio Monteiro é advogado, consultor político e jornalista

Selfie – Uma crônica de Ruben Bemerguy

SELFIE
Ruben Bemerguy

Tenho muitos vícios. O mais imperfeito deles é o vício de fumar. O mais perigoso é o vício de amar. Imperfeitos ou perigosos os vícios me impõem a condição de servo. Do primeiro – fumar – não raras vezes tentei me libertar, mas ainda sem êxito. Do segundo – amar – dado ao elevado grau de risco, já estou serenamente livre. É que amar mata. Segundo minhas observações, quem traga o amor como eu trago é candidatíssimo ao óbito precoce. Não há pulmão que resista a um grande amor. Melhor fumar. Fumar salva vidas.

Há outro vício. Desse, tal como o vício de amar, também permaneço liberto, ainda bem. É o vício da Selfie. Criei antipatia até pela palavra Selfie. E olhe que amo as palavras. Só elas, inclusive. Mas Selfie é um estrangeirismo que faz com que quem o pronuncie passe representar o mais imponente falso-culto. Aliás, falso-culto é uma palavra composta por mim para identificar a exata futilidade . Em outras palavras, é uma palavra criada para me proteger dos cínicos.

Selfie é, portanto, um auto-retrato (muitas vezes pode não ser um auto-retrato mas um multi-retrato) onde se irradia vaidade própria, próprio da própria desconfiança. A Selfie nunca será um retrato. O retrato nasce em outros olhos e isso é suficiente para distanciá-lo da Selfie. A Selfie é um verdadeiro funk ostentação.

Seja como for, e por isso mesmo, eu nunca deparei com uma única Selfie triste. Uma Selfie que chore. Uma Selfie saudade. Selfie volte pra mim. Selfie que perdeu. Selfie dúvida. Só encontro Selfie vencedor. Selfie Sorridente. Selfie Forte. Selfie Valente. Selfie Próspero. Selfie Feliz.

Ontem estive com o rio. Expliquei quanto a meu vício de fumar e de como isso tem salvo minha vida. Ele confidenciou que também inala do mesmo vício e por essa simples razão ainda existe. Depois, respirou fundo, e molhando em suas águas o vício do amor na modalidade cem metros rasos vaticinou: “Ouça Ruben, o amor não passa de um traço feito a lápis na cortina d’água”. E olha, de amor e de água o Amazonas entende mesmo.

Já quanto ao vício da Selfie ele – o rio – acha tudo muito natural. Justifica ensaiando que o aperto de pés, por exemplo, e mais sagrado do que o aperto de mãos. E que nós só assistimos os apertos de mãos porque o aperto de pés só se revela na volúpia de nossas águas mais profundas e, por isso, é invisível. Nada mais invisível do que o aperto de pés, segundo o rio. Quando comprimimos os pés descalços em outros pés descalços, me disse o louco do rio, embora ninguém veja, ninguém saiba, caminhamos exatamente para a invisibilidade dos destinos paridos no vício que mata, mas sem o qual não se vive. O tal do vício de amar.

Para o rio, esse louco excessivo, seja a selfie auto ou multi, ela é palavra do gênero feminino e só por isso estaria justificada sua existência e proliferação. Para ele, a Selfie é e sempre será um aperto de pés. O que a selfie revela mesmo ninguém vê porque não é pra ver mesmo. É invisível mesmo. Pés entrelaçados. Palmas enlouquecidas. Dedos em riso.

A Selfie é assim. Só anota que os pés existem mas o aperto de pés é caligrafia que só se decifra no vício de amar.

Me despedi do rio e ri. Ri muito. Costumo rir dos rios. Me diz o rio diz que o vício de amar é efêmero e quer me fazer crer nele e em Selfie. Ora veja!

Arranquei um cigarro do bolso esquerdo, acendi a luz que me salva a vida e segui. Simplesmente segui.

(Para ler outras crônicas e artigos de Ruben Bemerguy clique aqui)

De amigo a fdp

De amigo a fdp
Giza C. Alves

No meio da semana você encontra aquele casal de amigos no supermercado. Beijos, abraços, conversinha rápida sobre o custo de vida e os escândalos que se tornaram comuns no país.
Já em direção ao caixa, o casal sugere que marquem um almoço para jogar conversa fora. Você topa.
– Pode ser na sua casa, Matilde. E você prepara aquele lombo de forno caramelizado que só de pensar me dá água na boca, diz Thiago.
– Faço sim com o maior prazer.
– Beleza! Vamos marcar logo pro domingo que vem, diz Ruth, esposa de Thiago.

Você pensa um pouquinho. Domingo você não tem diarista. Vai ficar uma pilha de louça pra você lavar. Seria melhor sábado. Você pensa, mas não fala. Concorda que seja domingo.

Pronto. Você vai dar o melhor de si para receber o casal de amigos. Na sexta-feira volta ao supermercado para comprar o lombo, os ingredientes, vinhos, frutas e material para o acompanhamento.

No sábado seus colegas de trabalho lhe convidam para a noite. Você recusa. Tem compromisso no domingo com o casal de amigos. E à noite mesmo começa os preparativos para o almoço, tempera o lombo, lava verduras, faz a farofa, separa louças.
No domingo acorda cedinho e pula pra cozinha. Assa o lombo, cozinha e gratina batatas, faz salada, arroz com frutas secas, uma sobremesa e mais outras coisinhas.
Onze horas você está se dividindo entre a sala e a cozinha. Arruma a mesa com capricho e bom gosto.
Quase meio-dia você corre pro banheiro, toma um banho e se arruma para esperar o casal. Dá uma conferida em tudo: copos, pratos, taças, talheres, um vaso de flores naturais.

Senta no sofá, liga o som e aguarda. De vez em quando olha no relógio. 13h15. “Como estão demorando”, pensa. “Ontem mesmo nos falamos por telefone e combinamos que eles chegariam entre 12h e 12h30. Será que aconteceu alguma coisa?”. Você pega o celular nenhuma chamada não atendida, abre o whatsapp e nenhuma mensagem. Liga para a Ruth e ela não atende. Manda uma mensagem pro Thiago e ele não responde.

Seus filhos querem comer. Você serve o almoço deles na mesa da cozinha e volta pro sofá. Olha o relógio, olha o celular, olha o relógio, olha o celular, olha… e nada.

14h30 – Você já está verde de fome. Almoça sozinha, desfaz a mesa, lava a louça e vai pro quarto com vontade de matar o primeiro que aparecer na sua frente.

Na terça-feira você encontra o casal de amigos no shopping. Pergunta se está tudo bem. Claro que está tudo bem.

– Fiz o lombo caramelizado no domingo pra vocês conforme combinado.

– Que pena. Nem deu pra gente ir.
– Por que? O que houve?
– Lembras da Martinha?
– Sim. O que houve com ela?
– Sábado, depois que nos falamos por telefone, ela apareceu em casa nos convidando pra passar o domingo no sítio dela. Fomos de manhã cedo, umas 8 horas, e só voltamos à tardinha.

– Custava me avisar? Custava telefonar, mandar mensagem, fazer qualquer coisa avisando que não iam mais pro almoço? – irritou-se Matilde.

– Desculpa, Matilde, a gente nem lembrou de te avisar. Fica pra outra vez.

Você se despede do casal e continua seu passeio no shopping falando com seus botões: “Outra vez? Nem morta! Gente mal educada! Ai, que ódio! Deixei de ir pra noite com meus amigos no sábado, me matei no domingo na cozinha e esses dois fdp fazem isso. Mas também o que eu poderia esperar de gente que não tem um pingo de educação, de civilidade? Será que a mãe deles não ensinou nada pra eles? Que exemplos estes cretinos estão dando pros filhos?”
E a cada passo que você dá você “descobre” mais um defeito no casal e manda mais um xingamento.
Passa na frente da sala de cinema e decide: “Quer saber? Aqueles fdp podem ir pra pqp que eu vou é pegar um cineminha e esquecer que eles existem”.

Leitor no banco da praça

leitor3Certo dia, no comecinho da noite,  enquanto muitos circulavam de um lado para o outro na pracinha da Casa do Artesão, este jovem estava tão concentrado na leitura que não resisti e fotografei. Fotografei de longe para não perturbá-lo.
Mas fiquei curiosa para saber o que ele lia. Sou assim, não posso ver ninguém com um livro na mão que já quero saber qual é. Então, discretamente, passei por ele. E para minha alegria, o  que o jovem lia tão concentrado era o meu livro de poemas e crônicas “Paisagem Antiga

Naquele tempo…

Olha! Olha! Exclamava o menino apontando para o céu.
“Lá vai, lá vai”.

E todos olhavam e viam e falavam sobre o objeto que passava saltitante entre nuvens e estrelas.

Não. Não era um disco voador. Era simplesmente um satélite, provavelmente desses que ficam fotografando a Amazônia.

Diversão da meninada naquele tempo, quando a noite caía, era sentar na frente da casa e olhar o céu, caçar satélites e estrelas cadentes, procurar São Jorge na Lua e identificar constelações.

O telescópio era um canudo de cartolina.

Ah, tempo bom, quando a gente sabia se guiar pelas estrelas e sonhava ser astronauta para visitar outros mundos, brincar em outros planetas e, depois, voltar à Terra com as mãos transbordantes de estrelas. Trazer também uns fiapos de nuvem para fazer algodão doce, pois que a vida, meu irmão, era uma doçura e plena de encantamento naquela rua sem asfalto, sem bangalôs, sem muros e sem televisão. (Alcinéa Cavalcante)

Adorei esta crônica do Elton Tavares

Adoro velhos malucos
Elton Tavares

Resistir, fazer beicinho ou ficar chateado não adianta nada, todos envelhecemos. Lutar contra isso é uma guerra inútil, de fato. Acho legal a coroada que leva isso na boa, principalmente os velhos malucos. Adoro velhos malucos. Conheço uma porrada deles.

Os velhos malucos não se resumem cuidar de netos, jogar xadrez ou cartas com outros velhotes encarangados. Não. Eles freqüentam os bares das esquinas, falam besteira, tocam, dançam, namoram, bebem… Ou seja, vivem!

Os velhos malucos fazem de tudo por uma vida menos ordinária. Ou o que pelo menos resta dela. Entre as coisas das quais me gabo, está o fato de ser amigo de músicos, escritores, poetas e artistas em geral. Vários deles, coroas doidaços que curtem a vida como aos 20.

Falos de todos que estão acima dos 65 e ainda possuem o espírito inquieto e se recusam a ficarem mergulhados no tédio.  (Leia a crônica completa clicando aqui)

Uma crônica de Ruben Bemerguy

SELFIE
Ruben Bemerguy

Ruben_8-150x150Tenho muitos vícios. O mais imperfeito deles é o vício de fumar. O mais perigoso é o vício de amar. Imperfeitos ou perigosos os vícios me impõem a condição de servo. Do primeiro – fumar – não raras vezes tentei me libertar, mas ainda sem êxito. Do segundo – amar – dado ao elevado grau de risco, já estou serenamente livre. É que amar mata. Segundo minhas observações, quem traga o amor como eu trago é candidatíssimo ao óbito precoce. Não há pulmão que resista a um grande amor. Melhor fumar. Fumar salva vidas.

Há outro vício. Desse, tal como o vício de amar, também permaneço liberto, ainda bem. É o vício da Selfie. Criei antipatia até pela palavra Selfie. E olhe que amo as palavras. Só elas, inclusive. Mas Selfie é um estrangeirismo que faz com que quem o pronuncie passe representar o mais imponente falso-culto. Aliás, falso-culto é uma palavra composta por mim para identificar a exata futilidade . Em outras palavras, é uma palavra criada para me proteger dos cínicos.

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Crônica – A Idade da Razão

A idade da razão
Ray Cunha

rayNasci em 7 de agosto de 1954; Macapá, minha cidade natal, era então um povoado ribeirinho, cortada pela Linha Imaginária do Equador, à margem esquerda do Amazonas, quase na boca do maior rio do planeta, quando despeja 400 mil metros cúbicos de água por segundo no Atlântico, em média. Mas nunca senti o emparedamento, a solidão dos povoados amazônicos, porque, quando somos crianças, vivemos numa dimensão muito mais ampla do que a dos adultos, e, aos 5 anos, os gibis inocularam-me para sempre o vírus da aventura; aos 13, já lia autores da pesada; aos 14, bebia, conversava sobre filosofia e arte, e escrevia, até de madrugada; aos 17, recebi meu batismo de fogo, como disse o poeta Isnard Brandão Lima Filho, lançando o livro de poemas Xarda Misturada, juntamente com Joy Edson e José Montoril, e peguei o rio e a BR.

Aos 27 anos, cansado de navegar e de rodar, e ainda tonto de um casamento fracassado, começara o curso de jornalismo na Universidade Federal do Pará (UFPa), em Belém, quando reencontrei um velho amigo, a quem chamarei de B.

B media um metro e noventa, por aí assim, pesava uns 100 quilos, tinha os olhos claros e exercia fascínio sobre as mulheres, inclusive casadas. Depressivo e dipsomaníaco, quando começava a falar, sua verve pessimista assustava todo mundo, daí que não vivia cercado de amigos. No nosso caso, havia uma coisa que interessava a ambos: os livros e os escritores. Li muitos livros recomendados por B, e gosto de todos eles. Além de um dos leitores mais argutos que conheci, B era também mais experiente do que eu, e, à sua maneira, sábio.

Certo dia, numa das pausas da bebida, B profetizou que nossa geração só se tornaria sábia aos 60 anos. Daquele dia até hoje, 33 anos se passaram, e estive, muitas vezes, à beira do abismo, caí tantas vezes no poço dos prazeres mais carnais, e frequentei aquela zona cinzenta dos alcoólatras, dos desesperados, dos desesperançados, dos danados, dos mortos-vivos. Contudo, há sempre alguém, ou algo – uma lembrança, uma voz onírica, o levantar voo num sonho, uma rosa, o azul, o mar, personagens de ficção –, me levantando.

Cinquentão, comecei a mergulhar em novo conhecimento, a entender a máxima do filósofo Massaharu Taniguchi, que a matéria é sombra da mente. Se antes, aos 21 anos, sentia-me leão, hoje, sinto-me leão de asas – turbinas que me conduzem à velocidade da luz, alimentada pela visão de uma rosa que se desnuda, de jasmineiros que choram nas noites tórridas e eternas de Macapá, do azul que sangra, do som da Terra no espaço.

B, amanheci sentindo-me sábio!