Olha a droga aí, gente

OLHA A DROGA AÍ,  GENTE
Ruben Bemerguy

Ruben_8-150x150Ao meu jeito, sofro com a dor do outro. Sempre foi assim. É outra imperfeição que cultuo. Só com olhos inclinados a dor do outro anoto minha existência. No duro, no duro, conhecendo como me conheço, se a dor do outro não me fosse própria eu já teria me devorado. Para mim, não há vida sem ver a dor do outro. Estranho esse meu jeito.

Sendo assim, vou contar uma pequena historinha que a ver com meu jeito. É que há algum tempo atrás conheci uma pessoa que se aproximou por convicção religiosa. Diz ser judeu e é de nacionalidade portuguesa. Quando o conheci, esse homem tinha trabalho e trabalhava, embora deficiente visual em elevado grau. Do trabalho tirava seu sustento. Nunca fomos próximos, mas sempre nos víamos nas orações de Shabat. De repente percebi que dificuldades pungentes se abateram e o homem não alcançava mais nem mesmo básico alimento para viver.

Senti a dor do homem transpor a barreira do meu silencio. Como de costume, assimilei essa dor que também já era minha. Nunca perguntei as razões que o levaram a tamanha penúria. Não era o que me importava. Eu queria diminuir a dor dele que, sem que ele soubesse, repartia comigo. Ofereci ao homem uma refeição diária. Eu providenciaria o alimento e o transporte diário até seu canto de habitação. Ele aceitou. Então, contratei um moto taxista que conheço há muito para apanhar em minha casa a mesma comida que a mim seria servida diariamente em almoço e também levar ao homem.

Funciona assim: O moto taxista passava na minha casa entre o meio dia e uma da tarde. Apanhava uma marmita que ia embalada em um saco plástico para permitir o transporte em motocicleta e a levava até o homem que, ao que sei, só dispõe dessa refeição diária. Soube que o meu amigo moto taxista sensibilizou-se com o homem também e sempre que possível o oferta um sanduiche no período da noite.

Outro dia, acho que na última, acordei com um desesperado telefonema do homem. A polícia havia acabado de cumprir um mandado de busca e apreensão em sua casa a procura de drogas. Fui até lá. Na casa encontrei outro farnel de dor. Um cenário dantesco. Tudo atirado ao chão, inclusive o homem. Fiquei atônito também. Tive dúvidas quanto a tudo. Seria o homem um traficante e eu ali envolvido sem imaginar a possibilidade?

Fiz o que faria qualquer um. Fui a delegacia. Propriamente ao inquérito policial. Os indícios do crime estariam lá. Estupefato, deparei-me com o crime.

Diz o processo mais ou menos assim: A polícia recebeu uma denúncia anônima de que um moto taxista frequentava a casa do homem todos os dias em um mesmo horário, entre meio dia e uma da tarde. O moto taxista entregava ao homem uma sacola e o homem voltava para dentro da casa quase imediatamente. O moto taxista também costumava ir a casa do homem por volta das dez da noite e também lhe repassava outro pacote, algo muito estranho, segundo o inquérito. Pronto. A polícia investigou e constatou que era isso mesmo.

O delegado pediu ao juiz busca e apreensão na casa do homem e o juiz autorizou. Antes das seis da manhã, homens fortemente armados, encapados como ninja, derrubaram a porta da casa do homem. O homem acordou cercado pelas armas. A casa foi minuciosamente vasculhada, inclusive o forro. Não havia nada, a exceção de uma perigosa faca de mesa.

A polícia saiu como entrou. Nada levou porque não havia nada. A polícia, entretanto, deixou um cadáver moral. O homem, além de rara visão, passou também a levitar na incompreensão dos fatos. O inquérito foi ao arquivo. O homem arquiva-se de pejo.

Como fácil concluir, a droga era o prato de comida que entrego ao homem até hoje. Tudo bem que o alimento não é produzido por nenhum Chefe. É a Denise, nossa secretaria há mais de 8 anos, quem faz. Mas dai a trata-la como droga já é demais. Coitada da Denise. O moto taxista, ou o mula, como diz o inquérito, é aquele a quem pago R$ 5,00 por dia pelo percurso de entrega. Pronto. É tudo.

É claro que agora ajudo o homem a recompor seu patrimônio moral a partir de ações judiciais cujos valores receberá, se a sorte contribuir, daqui a 10 anos ou mais. Isso, entretanto, não é o mais importante. Importante é perceber o nível de precisão de investigações, a inconsequência de um pedido de busca e apreensão e as provas juntadas a esse pedido para alcançar um deferimento liminar de um juiz de direito. O Amapá não vai bem não.

O poeta e a filha do poeta

O poeta e a filha do poeta
Ray Cunha

rayVi apenas quatro vezes o poeta Alcy Araújo. Certamente o vi muito mais vezes, mas não foram tão importantes quanto essas quatro. Certa vez, no Cine Territorial, ele apresentava um programa de auditório da Rádio Difusora de Macapá, e a melhor parte do programa foi a apresentação da filha do poeta, que interpretou uma gravação de Roberto Carlos. A Lolita povoou o imaginário de muitos da minha geração. Eu tinha 13 anos quando escrevi meu primeiro poema, em transe, inspirado na filha do poeta. Não me lembro mais que fim levou, mas se transmutou em perfume e, desde sempre, exala romance, aventura, cheiro de jasmim em noites sufocantes de agosto.

A ninfeta, filha do poeta, era um botão, mas já tinha voz aveludada, olhos doces, cabelos de mel e pele de marfim. O poeta Rodrigues de Souza, o Galego, espalhou que estava namorando a filha do poeta e que provaria o que andava dizendo. Disse-nos que namoravam na Praça Barão do Rio Branco, no fim da tarde. Checamos. De fato, ele se encontrava com ela no banco da praça, o que nos deixou mortificados de ciúme. Mas havia alguma coisa estranha. Eles não se beijavam, nem se abraçavam, e sequer pegavam as mãos um do outro. Ele explicou para nós que o namoro era mais intelectual do que sensual.

Alguém resolveu checar de novo e inquiriu a filha do poeta. Ela desmentiu o namoro. Meu querido amigo Galego tinha inventado tudo. Vivia o que escrevia. Como a filha do poeta saía da Rádio Difusora no fim da tarde e passava pelo banco da Praça Barão do Rio Branco, Galego ficava a postos para abordar a Lolita.

E assim passavam os dias. Naquela época, eu começara a frequentar a casa do poeta Isnard Brandão Lima Filho, na Rua Mário Cruz, e Alcy Araújo, da tribo das madrugadas, povoava minha imaginação. Eu devia ter, então, 14 anos. Eram os idos de 1968. Mais ou menos nessa época o pintor Olivar Cunha estava expondo na antiga Associação Comercial de Macapá quando, uma noite, Alcy Araújo apareceu, com um cigarro apagado nos lábios. Dirigiu-se a uma senhora negra, elegante, que apreciava as telas de O. Cunha.

– Nega, tu tens fogo? – perguntou-lhe, com intimidade.

– Não, senhor! – ela respondeu, sempre elegante e na mesma intimidade. Não se conheciam. Era o charme do poeta que lhe dava aquela intimidade. Alguém acendeu o cigarro dele. Ficou um pouco. Foi-se antes de terminar o cigarro.

O poeta fora retratado por R. Peixe, que o pintara com os indefectíveis óculos fundo de garrafa. Esse óleo fala. Ouvimos a voz gutural, profunda, rica em tonalidades, do poeta. Seus olhos são um mergulho a um mundo mágico. Era desse mundo que ele trazia o perfume dos seus poemas e crônicas, e também lágrimas. O poeta vivia intensamente. Curtia tudo o que a vida lhe proporcionava. E agradecia ao éter com rosas para a madrugada.

Um dia, tive a honra de trocar algumas palavras com o poeta. Ele, e um colega seu de rádio, não me lembro quem – pois estive todo o tempo hipnotizado pela cartola do poeta -, estavam no Picolé Amigo, um bar que o jornalista Hélio Pennafort frequentava, em constantes escapadelas da Rádio Educadora São José de Macapá. Creio que eu estava na companhia de Joy Edson e alguém, talvez O. Cunha, nos chamou para sentarmos à mesa do poeta. Xarda Misturada, um livrinho de poemas de Joy Edson, José Montoril e meus (poemas adolescentes), fora publicado. Era dezembro de 1971. Como dissera Isnard Lima Filho, eu tivera meu batismo de fogo e, agora, estava numa mesa de bar em companhia do poeta. As circunstância não me permitiram permanecer ali por muito tempo. Mas o curto tempo que pude me demorar à mesa curti-o como quem degusta um expresso curto. Foi mágico. Com sua voz profunda, o poeta – jornalista por sobrevivência – lidava com as palavras como um cirurgião talentoso maneja o bisturi. Um simples papo de botequim com ele era como cavalgar besouros furta-cores.

Na intimidade da mesa de trabalho, papel e caneta à mão, ou à máquina de datilografia, o poeta lidava com as palavras como quem manuseia uma fêmea e extrai dela sons que só ouvimos nos olhos das mulheres mais apaixonadas. Seus poemas e poemas em prosa são um jorro de sensações. Por isso, querida, teu pai está vivo, pois ele, quando o lemos, faz nosso coração pulsar rapidamente.

Há mais mistério entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia, disse Shakespeare. É verdade. Nós, artistas – e tu sabes disso, querida -, nos comunicamos com os espíritos. Para nós, não há mortos, nem tempo cronológico. Só há vida. Por isso, encerro estas memórias, querida Alcinéa, caminhando no arco-íris do teu poema Entardecer.

Te prometo, Poeta,
que no próximo entardecer
vou pintar um arco-íris
para deixar tua tardezinha
menos triste.

Hás de sentir que o entardecer
pode ser tão belo
quanto o alvorecer
que ilumina teu rosto
e abre sorrisos no teu olhar

Presta atenção, Poeta,
essa hora que entristece a tua alma
é o momento solene
no qual Deus apaga o sol
para acender a lua e as estrelas

Principalmente aquela estrela
que tanto te encanta
quando estás
tecendo sonhos
e versos na madrugada.

De José Façanha sobre Alcy Araújo

O POETA E O MENINO
José Façanha

zefacanhaForam sempre encontros intensos e proveitosos para o menino. Para o poeta, era uma curtição: ele percebia o quanto o menino se interessava por sua vida, já madura.

O início desse interesse quase infantil, pois o menino já estava próximo de seus 14/15 anos, veio de uma história contada pelo poeta que remontava aos anos 30/40.

A vida juvenil que o poeta desfrutava com seus amigos, no bairro do Telégrafo sem Fio, em Belém do Pará, dentro do que ele chamava de “razoável pobreza”, era compartilhada entre muitos, com destaque para um casal de irmãos que caminharia com ele, ainda que nem sempre juntos, até o dia em que foi chamado para compor a Academia de Letras, lá de cima.

Dificuldades divididas para estudar no antigo Colégio Progresso e começar a trabalhar muito cedo. O amigo, no comércio, e, a irmã, casando muito cedo e vindo morar no Amapá.

O poeta virou jornalista e foi batalhar no grande jornal da Amazônia que era a Folha do Norte. Virou “foca” (como chamavam os iniciantes nos jornais) do famoso e durão Paulo Maranhão.

Nesse início, com as dificuldades próprias de quem busca firmar-se recebeu um “conselho” de um gozador mais velho: deveria sempre indagar do Dr. Paulo que tom deveria dar à reportagem, em razão dos interesses políticos do jornal.

Não fez por menos. O homem chamou-o e deu-lhe a incumbência de cobrir a Semana Santa, aprofundando-se na vida de Cristo, ao que o poeta/jornalista, segundo as más línguas, e, no interesse da posição política do jornal, indagou: “Chefe, devo posicionar-me contra ou a favor do homenageado?”.

O reencontro do poeta com a amiga da juventude deu-se em Macapá, lá pelo final dos anos 40 e início de 50, quando o menino veio a conhecer e tornar-se amigo do poeta.

Já casado e gostando de comer acari, sua esposa e a amiga, cujo marido também gostava do tal peixe, iam apanhar (não era pescar, tal a fartura) acari nas poças de água na beira do Amazonas, em frente Macapá,  onde ficavam presos após a enchente. Essa história não é do poeta e me foi contada pela amiga dele.

Um dia o menino foi trabalhar no Serviço de Arborização da Cidade, a chamada TURMA DO BURACO. O nome vem da operação maior da turma que era abrir os buracos (grandes) para adubação e plantio das mangueiras hoje existentes no centro de Macapá.

Em seguida foi trabalhar no Serviço de Encadernação que existia no Palácio do Governo de onde foi resgatado pelo poeta para trabalhar no próprio Palácio, na condição de contínuo e, depois, escriturário nível 7, daí partindo para fazer um curso superior, estimulado e ajudado por amigos e familiares.

Durante o período que lá permaneceu, o menino desfrutou da amizade do poeta, de forma mais próxima e intensa. Era chamado por apelidos e diminutivos: Zé vai comprar um cigarro lá no Natan.

Já adulto, o menino passou a conviver com filhos e filhas do poeta, mesmo após o dia em que ele se foi e deixou saudades.

Já adulto, o menino passou a conviver com filhos e filhas do poeta, mesmo após o dia em que ele se foi e deixou saudades.

de Cristo, ao que o poeta/jornalista, segundo as más línguas, e, no interesse da posição política do jornal, indagou: “Chefe, devo posicionar-me contra ou a favor do homenageado?”.

O menino/amigo guarda com carinho muitas histórias do poeta/amigo.

Eu sou o Menino, o Zé, Zé Macapá, Zé Façanha, José Dias Façanha, filho de Diva Dias Façanha (a irmã do casal de amigos do Telégrafo) e Lourenço Borges Façanha, amigos do Neném, o amigo poeta e jornalista Alcy Araújo.

Cronistas do blog – Wagner Gomes

O Saudoso PAPARAZZI
Wagner Gomes

wagnergomesSó agora, encontrei tempo para escrever algumas linhas, sobre a morte do fotógrafo Antonio de Sena Cantão, o inesquecível “Paparazzi”. Ele se auto-intitulava de “andaralho”, por percorrer a pés, as ruas de Macapá. Era um “cara lhano”. Lhano no trato com os amigos.

Conheci-o no final dos anos 90, quando estava no exercício da Presidência da OAB/AP. Era o fotógrafo oficial dos nossos eventos.

No antigo “Gato-Café”, lembro, fez cobertura fotográfica da festa de 18 anos de fundação do PT, no Amapá. Posso dizer que era um militante da esquerda, mas nunca soube que tivesse filiação partidária.

A sua morte brutal me causou um grande impacto. Fui um dos primeiros a ser informado.

Ultimamente tenho feito uma reflexão sobre a morte.

E de Steve Jobs, um dos fundadores da apple, pincei:

“…Ninguém quer morrer. Mesmo as pessoas que desejam ir para o céu prefeririam não morrer para fazê-lo. Mas a morte é o destino comum a todos. Ninguém conseguiu escapar a ela. E é certo que seja assim, porque a morte talvez seja a maior invenção da vida. É o agente de mudanças da vida. Remove o velho e abre caminho para o novo. Hoje, vocês são o novo, mas com o tempo envelhecerão e serão removidos. Não quero ser dramático, mas é uma verdade.

O tempo de que vocês dispõem é limitado, e por isso não deveriam desperdiçá-lo vivendo a vida de outra pessoa. Não se deixem aprisionar por dogmas – isso significa viver sob os ditames do pensamento alheio. Não permitam que o ruído das outras vozes supere o sussurro de sua voz interior. E, acima de tudo, tenham a coragem de seguir seu coração e suas intuições, porque eles de alguma maneira já sabem o que vocês realmente desejam se tornar. Tudo mais é secundário…”

E da psicanalista Betty Milan, compartilho:

“Por que Dom Quixote de la Mancha é um dos romances mais lidos do mundo? Possivelmente porque o herói só se deixa governar pela fantasia. Nós nos identificamos com o personagem porque ele não quer saber da realidade. Como os personagens de Gabriel Garcia Márquez não querem. Desconhecem inteiramente o limite entre o imaginário e o real.

Quem leu Cem Anos de Solidão não se esquece de José Arcadio Buendía, “cuja desatada imaginação ia sempre mais longe que o engenho da natureza e até mesmo além do milagre e da magia”. Ele acreditava que era possível desentranhar ouro da terra com um lingote magnético. O leitor também deve se lembrar da mulher de Buendía, Úrsula, que depois da morte do marido continuou a encontrá-lo no castanheiro onde ele passou amarrado os últimos anos da sua vida. Úrsula ia ao jardim lamentar a sorte dos seus descendentes, chorar no ombro do marido e se consolar. No povoado dos Buendía os mortos morrem sem morrer. Por isso, o romance arrebata e, mais que isso, consola.

O nosso maior desconsolo é a perda do ser amado. Só superamos a tristeza quando entendemos que perder não é sinônimo de não ter. Que quem morreu já não está no mundo, mas pode existir em nós. Fazer o luto é entender que a morte não anula a existência e que, sem estar, o morto ainda está. Isso requer tempo. Tanto mais tempo quanto menos ritualizada é a despedida. Nas sociedades em que existe o culto ao ancestral, a morte não deixa quem perde inteiramente desprotegido como na nossa sociedade. Entre nós, evita-se falar da morte e não se tem tempo para a tristeza, o que nos expõe mais ainda aos efeitos negativos dela. Nada é pior do que a tristeza recalcada, de ação sorrateira e consequências imprevisíveis. Quem não chora o seu morto e não é consolado pelos vivos fica sozinho com a perda. Num certo sentido, é marginalizado. Por outro lado, quem não tem tempo para o sofrimento alheio não pode ter relações de amor ou de amizade. E, assim, isola-se também.

Entre nós, ocidentais, o tema da morte é um tabu. Erguemos um muro entre os mortos e os vivos, como se assim pudéssemos afastar-nos dela. A palavra de ordem é não falar disso. À diferença de nós, os povos primitivos cultuavam os ancestrais não só para entrar em contato com o morto, no intuito de reverenciá-lo, como para se fazer ajudar por ele. O morto era integrado ao mundo dos vivos, que se separavam dele sem perdê-lo.

Na falta de um culto dos ancestrais, o recurso que nós temos para superar o drama da morte é a rememoração. Perder o ser amado não significa deixar de tê-lo ao nosso lado. Graças à memória, ele pode permanecer conosco. Fazer o luto é entender isso. Implica tempo e um trabalho subjetivo que leva à consolação. O chamado “trabalho de luto”, no linguajar dos psicanalistas.

A morte tem de ser desdramatizada para que nós possamos sobreviver a ela, e não desperdiçar o tempo que nos resta. Já no século XVI, o pensador francês Montaigne, que refletiu sobre praticamente todos os temas de interesse, diz em seus Ensaios que é preciso não estranhar a morte, incitando o leitor a se acostumar com ela porque, “como não sabemos onde ela nos espera, é melhor esperá-la em todo lugar”. Para Montaigne, essa é a condição da liberdade.

Acostumar-se com a ideia da morte não significa se preocupar com ela. Nada é pior do que viver angustiado diante da ideia de não poder conservar o ser amado, e conservar-se vivo, até o final dos tempos. Quem vive assim torna-se infeliz antes da hora. Preocupar-se com o futuro significa perder o presente, deixar de gozar a existência. Temer a perda é o mesmo que perder.

Carlito Maia, que foi, sobretudo, um filósofo popular brasileiro, dizia que de nada adianta preocupar-se com um problema. Temos de nos ocupar dele e ponto. Porque ocupar-se é uma forma de superar o problema – e viver. Preocupar-se, ao contrário, é uma forma de se enterrar em vida – e morrer. Sabedor disso, ele era tão leve quanto solidário. Valia-se da sua posição prestigiosa na Rede Globo para exercer uma espécie de flower power – celebrava, por exemplo, os eventos culturais de São Paulo, enviando aos amigos flores com bilhetes inesquecíveis. Não está mais vivo, porém, graças ao seu espírito, continua entre nós. O escritor vive para escrever; Carlito Maia viveu para merecer a palavra “saudoso”. É bom tê-lo ao lado.”

Antônio de Sena Cantão, o PAPARAZZI, não era prestigiado pela poderosa Rede Globo, nem enviava flores aos amigos nos eventos culturais do Amapá, mas a sua presença era notada, pois, pela sua objetiva, eternizava o encontro das pessoas nos mais distintos eventos da cidade, fossem eles, também, cívicos ou sociais.

Ele também merece a palavra “saudoso”. E é bom termos ao nosso lado.

Namastê… Al di lá…

Cronistas do blog

BEBAI, BEBAI…
Wagner Gomes

Dia desses, numa das salas de audiências, no Fórum de Macapá, encontrei-me com o Promotor de Justiça, Marcelo Moreira, e lembramos do saudoso desembargador Leal de Mira, de quem Marcelo foi assessor. Na rápida conversa recordei a ele a saudação que aquele magistrado sempre fazia ao me ver: “Bebai, bebai para que os inimigos não vós encontre ocioso”.

Para quem não entendeu, ele fazia referência a Baudelaire, que afirmava: “É necessário estar sempre bêbado. Tudo se reduz a isso; eis o único problema. Para não sentirdes o horrível fardo do Tempo, que vos abate e vos faz pender para a terra, é preciso que vos embriagueis sem cessar. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, a vossa escolha. Contanto que vos embriagueis. E, se algumas vezes, nos degraus de um palácio, na verde relva de um fosso, na desolada solidão do vosso quarto, despertardes, com a embriaguez já atenuada ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai-lhes que horas são; e o vento, e a vaga, e a estrela, e o pássaro, e o relógio, hão de vos responder: É hora de se embriagar! Para não serdes os martirizados escravos do Tempo, embriagai-vos. Embriagai-vos sem tréguas! De vinho, de poesia ou de virtude, a vossa escolha.”

Dito isto, vem a memória a lição de Fernando Pessoa: “O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela… Quem escreverá a história do que poderia ter sido o irreparável do meu passado. Este é o cadáver… Se a certa altura eu tivesse me voltado para a esquerda, ao invés que para direita. Se em certo momento eu tivesse dito não, ao invés que sim. Se em certas conversas eu tivesse dito as frases que só hoje elaboro. Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro seria insensivelmente levado a ser outro também.”.

Nessa angustia existencial, quem me socorre é o sociólogo Jocivaldo França, citando Nietzsche: “Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar, para atravessar o rio da vida. Ninguém, exceto tu, só tu.

Existem, por certo, atalhos sem números, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa; tu te hipotecarias e te perderias

Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Onde leva? Não perguntes, segue-o!”.

E seguindo o meu caminho, junto com os advogados Evaldy Motta, Emmanuel Dante e Dayse Nascimento, sentamos em uma mesa de um Bar, na orla do Igarapé das Mulheres onde apresentei a eles o meu amigo Manoel.

Manoel nasceu para viver no mar. Pernas arqueadas, típico marinheiro amazônida, conhecedor dos rios, lagos e igarapés da ilha de Marajó e adjacências. Carpinteiro naval, já perdeu a conta de quantas montarias construiu na região.

Olhar sereno, estatura mediana, com a visão prejudicada, usa “uns óculos que comprou no camelô da esquina para ver melhor”. Na ponta dos beiços seu indefectível “porronca” que exala um cheiro que diz espantar carapanãs e os maus espíritos.

Meu amigo Manoel, não é o “Venturoso”, soberano português (1495-1521), nascido em Alcochete, filho do infante D. Fernando e de D. Beatriz, neto paterno do rei D. Duarte, que assumiu a coroa (1495) como quinto rei da dinastia de Avis e décimo quarto rei de Portugal. Que casou-se (1497) com a princesa Isabel de Castela, viúva de D. Afonso, filho de D. João II, e filha dos reis da Espanha,Fernando e Isabel. Que herdou as coroas de Aragão e Castela e, uma vez viúvo, desposou sua cunhada, a infanta D. Maria, com quem teve nove filhos. E que novamente viúvo, casou-se com Leonor D’Áustria, irmã do imperador Carlos V. Que construiu a Torre de Belém, em Lisboa, e criou as bases do renascimento português à medida que patrocinou publicações poéticas como o Cancioneiro Geral (1516) e o gênio do teatro Gil Vicente. O Manoel é o Manoel mesmo, de falar interiorano, que troca o O pelo U, R, pelo L e vice-versa. Que não gosta dos “escassos”, e que hoje devido à idade, faltando-lhe forças para continuar como carpinteiro naval, dedica-se a “fabricar” coronhas de espingardas. Sentado, enquanto confecciona suas “empunhadeiras”, se transforma em um verdadeiro contador de estórias, mais verdadeiras do que lendárias.

Naquela ocasião, contou-nos, que quando jovem, no inicio do Território Federal do Amapá, por volta do ano de 1944, numa Comarca do Interior, apareceu Maria Senhora, procurando o juiz, para comunicar àquela autoridade que sua filha “Lindinha”, de 14 anos, havia sido seduzida por João Capucho, filho de sua comadre D. Miquelina. A menina toda envergonhada com a cara pro chão, relatou a maneira como lhe fizeram “mal”. Disse que fora acompanhar Capucho dentro da mata para apanhar folhas de palmeiras pra cobrir o coradouro de roupas, tanto para si, quanto para sua madrinha Miquelina. Que, quando se encontrava a sós, ele a derrubou no chão, nela saciando toda sua lascívia, deixando-a desvirginada e angustiada. E agora não queria casar. O rapaz compareceu perante o magistrado e na maior cara de pau negou tudo. Enquanto isso, Lindinha, olhos verdes brilhantes e safados, parecia se divertir com o “aperto” que o Dr. Falcão, o juiz, dava nele. Capucho não tinha instrução alguma, mas era pra lá de esperto. Negava tudo e apresentava seus argumentos. Dizia que Lindinha “era uma pequena flor do vício, nascida e criada na estrumeira dos alcoices e bordeis pelos quais sua mãe se arrastava na convivência debochada de reles decaídos e vadios contumazes”.

Não aguentando mais a negativa de Capucho, o seu falar empolado, Dr. Falcão mandou recolhê-lo ao xadrez da Delegacia, determinando que  o trouxessem de volta a sua presença, às 16 horas.

Depois da sesta, tomado banho e perfumado, o juiz em seu gabinete, sozinho com Capucho tendo um dos braços em seus ombros, mansamente foi dizendo:

– Então foi você que foi o autor de Lindinha ou continua negando?

– Não fui eu, doutor.

– Mas não foi você quem convidou Lindinha para ir ao mato colher folhas de palmeiras para o coradouro de roupas da mãe dela e da sua?

– Bom, convidar eu convidei. Ela aceitou. Não forcei. Então caminhamos até onde existe um igarapé e os açaizais.

– Mas lá naquele igarapé, atrás daquelas pedras, vocês não tomaram banho juntos?

– É verdade, doutor, nem me lembrava. Tomamos banho porque o sol estava muito quente. Por isso tiramos a roupa. Ficamos conversando, enquanto ela chupava uns taperebás.

– Aí você agarrou-a, derrubou-a no chão à força e fez-lhe mal, não foi?

– Que negocio é este, doutor? Não tinha ninguém por perto! Ninguém viu. Só se o senhor estava atrás daquelas pedras escondido para saber disso.

– Irritado com a resposta de Capucho, engolindo em seco, disse ao escrivão.

– Chama o soldado e manda prender este pilantra!

– Doutor, não sou bicho de circo para viver enjaulado. Eu caso com Lindinha. É melhor ficar preso a ela e solto, do que gramar cadeia sem poder caçar.

Casou-se. Seis anos depois, adiantou-nos o Manoel, Lindinha estava com seis filhos barrigudos, encatarrados e remelentos, embora tivesse sido decretado no termo de casamento a separação de corpos. Totalmente acabada aos vinte anos. Parideira cedo. Mas os olhos cor da floresta, ainda representavam todos os seus encantos e mistérios, sacanamente belos…

É, Evaldy Motta, Emmanuel Dante e Dayse Nascimento – Bebai, bebai, para que os inimigos não vós encontres ociosos…

O escritor de cartas

O Escritor de Cartas
Ruben Bemerguy

Ruben_8-150x150Não conheço quem na vida tenho escrito uma carta só e pronto. Quem escreve uma carta escreve outras tantas. Não é o hábito de escrever que faz com que se escrevam cartas. As cartas são escritas porque movem almas e almas não vivem sem esse exercício álmico. Também não sei daquele que tenha lido a mesma carta uma vez só e pronto. É que a alma de quem lê carta, igualzinho a alma de quem escreve, carece do mesmo exercício álmico.

Dizem, não sei se verdade é, que os escritores de cartas predizem qualquer benquerença. Contam que um dia um homem queria escrever uma carta. Não que fosse analfabeto, mas porque sabia que só os escritores de cartas assinam as palavras exatas, se é que existem palavras exatas. Pois sim. Então o homem lançou os olhos sobre o céu e viu no céu o reflexo de uma partitura, como fosse um papagaio sendo empinado pelo tempo. Caminhou até lá e lá estava um escritor de cartas.

Curiosamente e para assombramento do homem, lá, ao contrário do que imaginava, não havia ninguém além do escritor de cartas. Ninguém para ter com ele. É como se os outros homens não soubessem que só os escritores de cartas transladam versos e curam orações. Santa ignorância, pensou ele. Logo depois o homem encontrou o escritor de cartas.

O homem postou-se e observou que ao escritor de cartas faltavam os olhos.  Ora, refletiu logo, mas se os olhos não escrevem cartas, para que tê-los? Para desguardar lágrimas? Aliás – continuou – nenhum escritor de cartas precisa de olhos. É por isso que transladam versos e curam orações.

Por fim, pediu ao escritor de cartas que escrevesse uma carta. Advertiu logo que a carta não teria destinatário. Exigiu também que queria que o escritor de cartas repetisse várias vezes as mesmas palavras. Para o homem a carta precisa precisa ecoar. A carta, ademais, teria um argumento: a dor. Dor deles – do homem e do escritor de cartas.

Foi assim que o homem ditou e o escritor de cartas escreveu. É claro que as palavras ditadas pelo homem nem sempre eram escritas pelo escritor de cartas na medida em que os escritores de cartas têm a obrigação de traduzir as palavras ditas pelos homens de modo que as palavras deixem de ser só palavras. Ninguém sabe o que o homem ditou e nem o que o escritor de cartas escreveu. O que se sabe é que o homem, o escritor de cartas e a carta,  existem.

Especial Dia das Mães

A MÃE-PROFESSORA 
Doval Tomaz

Doval TomazConheci uma mulher, que não conseguiu ter a oportunidade de estudar como gostaria. Entretanto, ela nunca deixou de reconhecer a importância e a necessidade que a escola e o estudo têm. Então, ela sempre fez o possível para que seu filho tivesse essa chance que não tivera. De tanto ouvir falar que “a escola era a segunda casa” de seu filho, ela transformou a sua casa na “segunda escola” dele.

Como não tinha muito conhecimento sobre alguns daqueles assuntos trabalhados na escola, ela não se arriscava muito em querer explicá-los, quando ele não havia entendido muito bem na sala de aula. Mas acabava de muitas formas, ajudando-o a entendê-los.

Com o pouco que sabia da escrita, da leitura e dos números, ajudou-o a despertar dentro de si, o mesmo gosto pelos estudos. Todos os dias ela olhava os cadernos, verificava as atividades resolvidas e corrigidas, as que faltavam ser resolvidas, os textos lidos e os que ainda iria ler. Lia junto com ele, ou só o ouvia; opinava, comparava…, enfim, contribuía sempre para que ele pudesse refletir e entender melhor aquilo que estavam aprendendo juntos.

Era muito, muito cansativo mesmo. Para ela muito mais. Além de todo o trabalho de casa, ela ainda tinha que acompanhar a vida escolar de seu filho. Porém, ela não se queixava. As vezes não podia mesmo estar ali bem de pertinho, mas ao menos o acompanhava com um simples olhar. As vezes ele não entendia o porque de ter que refazer aquilo tudo em casa, se já haviam feito na escola. As vezes ele até se revoltava: queria mais “liberdade”. Ainda bem que ele a obedecia, naqueles instantes, porque o que ela estava fazendo era construir junto com ele a sua futura liberdade. Se não fosse por tudo isso, hoje ele não seria livre.

Apesar de tantas dificuldades, ela conseguia sempre ver seu filho progredir cada vez mais, a cada ano letivo. Mas, quando ele completou dez anos de idade, aquela dedicada mãe o deixou. Ela partiu para junto de Deus. Foi um duríssimo golpe no coração, na cabeça e nos sonhos de futuro daquele seu filho-aluno. Seu pai, por ter que trabalhar muito para tentar dar conta de sustentá-los, não tinha com fazer o mesmo acompanhamento que a sua mãe lhe deu.

Mas, com muito esforço e dedicação, ela havia conseguido que seu filho também reconhecesse a importância e a necessidade do estudo, dando-lhe suporte para caminhar sozinho, embora ainda tão jovenzinho, procurando aproveitar ao máximo as boas oportunidades que ela não tivera. Ele não desistiu e seguiu em frente, sempre se lembrando dos ensinamentos, dos incentivos, dos afagos e elogios quando acertava tudo, das broncas quando dava aquela preguiça ou quando cometia alguns erros.

Com sua humildade e suas limitações de quem pouco estudou, de quem lutava contra uma epilepsia e das tarefas de dona de casa, ela conseguiu preparar o futuro de seu filho. Futuro esse que muitas vezes foi até seriamente ameaçado pelas influências negativas que o mundo lhe oferecia. Ainda bem que, embora ele se desviasse aqui e ali, ele sempre retomava o caminho certo para sua vida: o caminho que sua mãe-professora lhe ensinou.

Você quer saber qual é o nome dela? Ela se chama VITÓRIA, uma mãe vitoriosa. E o seu filho? Bom, sendo filho de uma vitória, ele só poderia também ter se tornado um vitorioso, como sua mãe sempre planejou e o ajudou a conquistar, acompanhando-lhe com muito interesse na família, na escola, na sociedade, dando-lhe sempre um pouquinho de atenção, valorizando-lhe o esforço, ajudando-o a planejar seu futuro e a torná-lo uma realidade, construído com muitas dificuldades, mas que se tornou bem mais fácil devido ao apoio que sua mãe lhe dera.

Hoje ela não se encontra mais aqui para poder pessoalmente nos contar essa história de vida, mas seu exemplo nos chega hoje, neste momento tão importante em que refletimos a importância da mãe no acompanhamento da vida escolar de seus filhos, para nos lembrar que com sacrifico e dedicação, com confiança em Deus e em si, com esforço pessoal e apoio da família e, principalmente, com muito amor de MÃE, todos poderão também construir uma vida vitoriosa.

Cronistas do blog

SONHO DE NOIVA
Cléo Farias de Araújo

cleo1-118x1501Divinha foi estudar fora. Só vinha à Macapá, nas férias escolares e ficava pançudinha com as guloseimas que sua mãe preparava. Era açaí no almoço e jantar.

Mas, de tanto viver no sudeste, acabou por se acostumar por lá. Se formou, arranjou emprego, comprou casa e tudo o mais. Depois de algum tempo, pegou o telefone e comunicou à família que estava de casamento marcado.

—Uhhh, minha filha, mas tu vem morar pra cá?

—Não, minha mãe. Vou morar por aqui mesmo. Mas não se preocupe que, nas férias, vou continuar indo à Macapá. Afinal, não esqueço as raízes: um bom açaí com farinha baguda, acompanhado de camarão, peixe seco ou jabá, ninguém esquece. —fez uma pequena pausa e arrematou: —Agora, deixa eu falar com o papai.

A mãe, então, chama o Raimundo e lhe passa o telefone.

—Alô!!!???

—Oi, papai, é a Divinha. Tô lhe convidando pro meu casamento e não aceito desculpa nenhuma pro senhor não vir conhecer o Presleyson e ficar pro nosso enlace. O senhor já está aposentado e pode vir.

—Uhhh, minha filha… que bom! Quando vai ser?

—É em maio, o mês das noivas. Dá bem pro senhor e a mamãe se arrumarem e virem pra cá.

—Tá bom, minha filha. A gente vai, num é Maria? —um balanço de cabeça confirmou tudo.

—Então, papai, posso lhe pedir um favor?

—Qualquer coisa, minha filha! Sinto muito orgulho de você.

—Olha, como presente de casamento, só a presença de vocês já vai ser maravilhosa.

—Que que é isso, Divinha. Me sinto no dever de comparecer e ver a tua felicidade, que também é nossa.

—Que bom, papai! Sim, continuando… peço que, quando o senhor vier, me traga 10 litros de açaí do grosso e 20 kilos de farinha do Curiaú. É que o Preleyson, meu noivo, quer ser apresentado à essa iguaria macapaense. Não esqueça: São 10 litros de açaí do grosso e 20 kilos de farinha.

Nisso, Divinha ouve o som característico do telefone já desligado! Mesmo assim, ainda insiste:

—Alô, alô! Papai, o senhor ouviu bem?

Fecham-se as cortinas!!!

Pioneira do magistério, professora Zelinda morre aos 89 anos em Macapá

Faleceu sábado em Macapá, aos 89 anos, a professora Zelinda Fonseca de Souza – uma das pioneiras do magistério amapaense. Zelinda nasceu em Óbidos, no Pará, e aos 16 anos desembarcou no Amapá (quando estas terras ainda pertenciam ao Pará) para lecionar na Vila do Espírito Santo.
Zelinda era amiga da minha mãe, professora Delzuite Cavalcante, e mãe dos meus amigos de infância Carlos Orlando e Antônio. Dela só tenho boas lembranças que qualquer dia conto aqui.

Hoje, publico o que Carlos Orlando, tomado pela dor da partida escreveu ontem sobre sua mãe.

Eis:


Professora Zelinda Fonseca de Souza – uma vida pelo magistério 
Carlos Orlando Fonseca de Souza

        Natural da cidade de Óbidos no Estado do Pará, minha mãe Zelinda Fonseca de Souza, ainda bem jovem, com 16 anos, veio trabalhar como professora na vila do Espirito Santo do Amapá, numa época em que o Amapá ainda sequer era Território Federal. Naquele pedacinho do Brasil, enquanto dava os primeiros passos como educadora, a ainda jovem viu de perto a movimentação dos americanos na Base Aérea do Amapá, em época em que  Brasil, em cooperação com os aliados, cedeu aquela estratégica área como ponto de apoio para as missões aéreas, na Segunda Guerra Mundial.

     Mais tarde veio o desmembramento do Estado do Pará, quando toda aquela região e mais outras adjacentes, desde o rio Oiapoque até o rio Jari, passaram a constituir o Território Federal do Amapá.

     Na sua trajetória como educadora, Zelinda Fonseca de Souza conviveu de perto com figuras da História do Amapá, tais como o Coronel Janary Gentil Nunes, Pauxi Nunes, Coaracy Nunes, Amilcar Pereira, Zé Cavalcante, D. Aristides Piróvano, Hildemar Maia, Cabo Alfredo, Amauri Farias, Raul Valdez, General Luiz Mendes da Silva e Antonio Cordeiro Pontes, dentre outros.

     Numa época em que o Amapá contava com educadores tais como os também já falecidos Antonio Lima Neto, Deusolina Sales Farias, Lucimar Amoras Del Castilho, Deuzuite Cavalcante, Graziela Reis e Souza, Sebastiana Lenir de Almeida, Raimunda dos Passos, Mineko Hayashida, Valdir Lira, Mario Quirino, dentre outros; quando todos aqueles que trabalhavam no interior vinham para a capital participar dos saudosos cursos de férias, lá estava também aquela professora de apenas um metro e meio de altura, mas de um força para o trabalho reconhecida por todos aqueles que a conheceram.

        Nesta sua trajetória, pelos interiores do extinto Território, passou pelas escolas da Cachoeira Grande, Calafate, Espirito Santo, São Pedro dos Bois, Porto Grande e Porto Platon, quando, finalmente veio para a capital. Em Macapá foi professora no Grupo Escolar Coaracy Nunes, Escola Industrial de Macapá (mais tarde Ginásio de Macapá), Colégio Amapaense, Colégio Comercia do Amapá (Hoje Gabriel de Almeida Café), para por último se aposentar como professora de História na Escola de 1º Grau Castelo Branco.

     Encerrando sua missão como educadora, em 1982 foi aposentada como professora do extinto Território Federal do Amapá, quando a partir de então passou a morar em outras cidades, passando por Belém, Rio de Janeiro e Araraquara.

     Depois de 30 anos como aposentada,  voltou para Macapá no início deste ano, já com 89 anos de idade. Veio a falecer neste sábado, dia 16 em minha companhia, em consequencia de uma lesão no pâncreas.

     Falar sobre a história da minha mãe, para mim é motivo de grande emoção e, neste momento em que choramos a sua perda, me vem de dentro do coração uma forte compensação, bem maior que a dor, como seja, o orgulho de, eternamente, ser seu filho.

     A minha gratidão por ela se resume nesta frase: Mãe. O teu espirito partiu para o infinito, mas teu coração ficou plantado nesta terra que escolhestes para nós, teus filhos. Sei que agora estás convivendo com Deus e compartilharás  com ele, eternamente, da luz e da paz que mereces.

     Descansa em paz.