Para não esquecer Isnard Lima

“Nasci sob a forma de um peixe
e depois me alimentei de algas”

O poeta e meu compadre Isnard Lima, publicou dois livros: Rosas para a Madrugada (poemas, 1968) e Malabar Azul (crônicas, 1995).

“Estes poemas não tem idade
nem sexo
nem luz.
Nasceram por acaso
sem razão”

Filho da pianista e professora de música Walkíria Lima e do mágico Isnard Brandão Lima, Isnard nasceu em 1 de novembro de 1941 e morreu em 11 de julho de 2002 deixando inacabado um livro de memórias e pronta para a publicação a coletânea poética Seiva da Energia Radiante.

“Meu caro, se vir Maria
pelos caminhos da noite
pelos roteiros do dia
diga a ela que me fui”

 

Sobre “Rosas para a Madrugada“, lançado quando o poeta tinha 27 anos de idade, Alcy Araújo disse que “é um livro de um moço que procura os itinerários da vida, dentro de um mundo pleno de angústias e que se extasia diante do Milagre de Deus”.

“Queria te mandar um presente bem lindo
mas os anjos estacionaram lá fora
com medo de entrar em casa”

“Malabar Azul” é um livro de crônicas e o poeta dizia que escrever crônica é ofício difícil de exercer com arte. Nele deixa claro que não escrevia para as elites, mas para distrair o leitor inteligente contando suas “andanças e inconveniências, nem sempre em estado de graça.”.

“Caminhei dentro de mim mesmo, pacientemente.
Tropecei várias vezes, mas não caí, nunca.
E posso, agora, te dizer: Estou novamente livre. Liberto.
Vivo uma ânsia imensa e incrível de usar a própria liberdade!”

Há um outro livro, o Poemas de um Amor Cigano, apreendido pela Polícia Federal. Era época da ditadura. Naquele tempo um livro só poderia ser publicado após liberaçao da censura. Rebelde, Isnard não submeteu os originais à censura. Mandou imprimir o livro na gráfica do amigo conhecido por Periquito.

Tudo foi feito distante dos olhos da PF.

Convites não foram distribuídos e o lançamento não foi anunciado com antecendência.

Na véspera do lançamento, Isnard nos chamou para sua casa (nessa época estava casado com Carmozina e morava nos altos da Casa Ribamar, na rua Cândido Mendes). Atendemos ao chamado dele e fomos pra lá, eu e outros jovens poetas.

Isnard espalhou pelo chão da sala folhas de cartolina e pincéis atômicos. Deitados no chão, fazíamos  nas cartolinas o chamado para o lançamento. Cada um escrevia o que lhe vinha à cabeça ou saía do coração. Na manhã seguinte, a tarefa era espalhar os cartazes. E fizemos isso. O lançamento seria a noite.
No final da tarde a Polícia Federal invadiu a gráfica do Periquito e apreendeu todos os livros e nunca mais devolveu. Mais tarde justificou que o livro não poderia ser liberado porque num dos poemas Isnard falava de prostituição.

“Rua do Canal, ex do meretrício,
ainda tens matizes de prostituição”.

Foi por causa desse trecho que a PF censurou o livro todo.

Isnard vivia poesia, respirava poesia, pouco se dedicou à advocacia. Participou ativamente dos movimentos culturais numa época em que fazer cultura era coisa de gente que não amava o Brasil (lembram-se do “Brasil, ame-o ou deixe-o”?), coisa de subversivo que merecia estar na prisão. E, por combater com seus versos, o regime ditatorial Isnard foi várias presos na Fortaleza de São José de Macapá e no quartel do Exército.

“Meu poema é teu, irmão.
Está à tua disposição em qualquer lugar.
Meu berro de guerra não se perderá no ar!
Encontrará resposta em outras esquinas.
Subirá às praças, derrubando mitos.”

Um parecer do Conselho de Cultura, dado há cerca de 20 anos,  diz que “Isnard Lima é um marco importante na cidade, como a Catedral, a Fortaleza de São José, o Colégio Amapaense…”

“Minha lira de poeta
já não vale nada
Perdi meu sangue de esteta
no orvalho da madrugada”

(Esse texto publiquei pela primeira vez aqui no blog em 21 de outubro de 2013 e estará no meu próximo livro.
Hoje resolvi republicá-lo. 
No decorrer desta semana vou republicar vários textos sobre diversos assuntos)

Para não esquecer Waldemiro Gomes

Waldemiro Gomes (foto)  só andava de calça branca de linho, camisa branca mangas compridas, sapatos pretos impecavelmente engraxados e cinto preto. E não se separava nunca do seu guarda-chuva preto.
Morava numa casa toda branca, parecia uma casa encantada que despertava a curiosidade de toda a molecada da pequena cidade de Macapá. A primeira vez que estive lá – acho que eu devia ter uns onze ou doze anos de idade – era como se eu estivesse realizando um sonho e podia me sentir superior aos outros colegas.
Fiquei encantada com a casa que de tão branca me pareceu ter sido pintada com nuvens das tardes de verão.
Nas paredes, poesias emolduradas e alguns desenhos do boto, saci-pererê, iara, curupira, feitos por sua filha Maria do Céu. Livros e cadernos de anotações em todos os cômodos, em cima de todos os móveis mostravam a sede de conhecimento e a sabedoria daquele homem. No quintal, plantas medicinais, árvores e uma criação de galinhas.
Estive lá acompanhando minha mãe que buscava uma informação que não lembro sobre o que. E aquele homem falava de remédios medicinais, de poesia, de minérios, da fauna e da flora amazônica e tantos outros assuntos dos quais eu nada entendia. E ficava boquiaberta diante dele.
Mais tarde comecei a visitar o Museu Histórico-Científico Joaquim Caetano da Silva, do qual ele era diretor. Ia ali pra conversar com ele, pra aprender tanta coisa e para ouvi-lo tocar serrote. Sim! Ele tocava serrote e eu que naquela época pensava que serrote só tinha utilidade para os marceneiros e carpinteiros. Ele tinha tanta paciência com os jovens, adorava conversar e nos ensinar. Gostava de nos mostrar como a Amazônia era rica e nos falava das madeiras, dos óleos, dos minérios, das plantas, dos rios e das lendas.
Ensinava que se pode fazer tudo que se quer e contrariando os agrônomos provou que era possível cultivar uvas no Amapá. E ali, na frente do Museu, em plena avenida Fab (a avenida principal de Macapá) plantou dezenas de pés de uva.
Naquela época em Macapá só se via uva nos livros escolares (lembram da lição “O Ivo viu a uva”?). Não deu outra. A molecada se dividia em dois grupos: um ficava conversando com o “doutor” para distrai-lo, enquanto o outro roubava as frutas. Um assobio informava que tarefa havia sido cumprida com sucesso. O grupo que estava lá dentro se despedia apressadamente e partia para a pracinha do Hospital Geral, onde se juntava ao outro, para saborear as frutas
Mais tarde o museu mudou para uma sala do Macapá Hotel. Eu já me considerava íntima do cientista e pedi para trabalhar ali com ele. Eu era menor de idade, mas implorei que me deixasse trabalhar de graça com ele porque o que eu aprenderia ali valeria muito mais do que qualquer salário, do que qualquer dinheiro. Ele topou. E muito do que sei e do que sou devo a ele.
O Museu era visitado por pessoas de todas as classes. Era gente em busca de remédio fitoterápico, gente em busca de informações sobre tanta coisa, gente vinda do exterior atrás de um remédio que ele produzia com a planta “pata de vaca” para combater o diabetes.
Waldemiro Gomes era cientista, poeta, jornalista, músico,  nascido em Belém em 4 de dezembro de 1895. Fez seus estudos no Brasil e em Portugal, especializando-se em Botanica Médica, Parasitologia, Química e Fisica Médica, Antropologia Cientifica e Fisiológica, Agricultura, Apicultura, Extração de Princípios Ativos Vegetais e Histologia dos Vegetais. E colocou todo seu conhecimento à disposição do Amapá, depois de ter assessorado vários cientistas, entre eles Gaspar Viana, no Rio de Janeiro.
Chegou ao Amapá em 1935 e não abandonou mais esta terra. Fez o primeiro mapa de ocorrências minerais da região do Amapari, montou e dirigiu o Museu Histórico-Científico Joaquim Caetano da Silva, catalogou igarapés do Amapá, fez inúmeros estudos e pesquisas sobre de madeiras, minerais, fibras e óleos industriais.
Waldemiro Gomes morreu em 21 de agosto de 1981. Foram 46 anos dedicados ao Amapá. Estado que muito lhe deve e que ainda não lhe prestou uma grande homenagem. Quando Waldemiro Gomes morreu, o governador da época deu seu nome ao Museu de Plantas Medicinais. Mas no governo Capiberibe o nome do museu foi mudado e Waldemiro Gomes foi rebaixado para nome de uma salinha do Museu do Desenvolvimento Sustentável.
O Amapá é injusto e ingrato com este grande homem. O Amapá já prestou homenagens a quem nunca fez nada por esta terra, já homenageou gente que nunca colocou os pés aqui e já deixou de homenagear muita gente que merece ser homenageada.

ZYE-2

Olhaí o antigo prédio da ZYE-2 Rádio Difusora de Macapá, uma voz do Amapá a serviço do Brasil (como anunciava o locutor Pedro Silveira) na época do Grande Jornal Falado E-2, da rádio-novela, dos cantores de rádio, programas de auditório, gincanas e muita informação.

Naquela época para ser radialista tinha que ter vozeirão, excelente dicção, cultura e, claro, não falar besteira e muito menos falar errado.

O Humberto Moreira começou a carreira de radialista por lá, no Departamento de Esportes, e chegou a ser considerado o melhor narrador esportivo da região Norte.

Lembras de outros radialistas que passaram por lá? Quais programas você ouvia e dos quais participava mandando cartinha ou telefonando?

Lembras do “Carnê Social” que todo mundo ouvia para saber quem estava aniversariando e onde ia ter festa?

Lembras?

Era assim a escola Guanabara, na rua Eliezer Levy esquina da Mendonça Furtado.  O nome era Grupo Modelo Guanabara. Você estudou lá?

Retrato em preto e branco – Família Franco

Família Franco, que fez muito pelo Amapá. Dona Lali e os filhos Zé Maria, Olopércio e Haroldo Franco. A casa da família ficava na avenida Cora de Carvalho entre as ruas Leopoldo Machado e Hamilton Silva.
Haroldo entrou para a história da imprensa amapaense como fundador, diretor e editor do primeiro jornal diário do Amapá: o Jornal do Povo, na década de 1970.
A família Franco continua fazendo muito pelo Amapá com a promotora Ivana Cei (filha de Haroldo, neta de Lali) incansável no combate à corrupção.

As festas de São João

“Era festa da alegria  São João
tinha tanta poesia São João
tinha mais animação
mais amor, mais emoção
eu não sei se eu mudei
ou mudou o São João”
(Zé  Dantas e Luiz Gonzaga)

Junho é mês de passar fogueira, comer canjica e pé-de-moleque, beber aluá, quebrar o pote, subir no pau de sebo, ver o boi e o pássaro, testemunhar casamento na roça… Não, não. Não é mais assim. A cidade cresceu e a tradição foi se perdendo. As quadrilhas já não são as mesmas,  já não se grita “anarri-ê”, nem “lá vem a chuva”, “olha o toco”… As meninas que dançam quadrilha já não usam vestidos de chita e os meninos deixaram de usar calças remendadas e bigodes desenhados com carvão. Hoje o figurino é outro e a coreografia também. As modernas quadrilhas mais parecem comissão de frente de escola de samba. E o Chico Tripa pegou o beco.

Lembro do meu pai fazendo pé-de-moleque, da minha mãe fazendo aluá, de toda gente da minha rua fazendo fogueira, munguzá, cocadinha. Lembro das festas no terreiro. Em algumas casas era uma festança… no quintal, que se chamava terreiro, todo enfeitado com bandeirinhas feitas com  papel de pão e de revistas, principalmente revistas de fotonovelas.

Lembro do Rouxinol, na esquina da Leopoldo Machado com a Almirante Barroso. Era uma mercearia, mas como tinha um grande quintal o proprietário, Sr. Luís, realizava ali as mais famosas festas juninas da cidade. E chamava quadrilhas, bois e pássaros para se apresentarem. Depois começava o arrasta-pé. E no chão batido as damas da alta sociedade dançavam de salto Luís XV com seus cavalheiros impecavelmente vestidos. A molecada ficava na cerca olhando. Os melhores bois e pássaros se apresentavam lá. Um dos pássaros era do Cutião, o mesmo homem que fazia a boneca da banda. Era uma festa ver o pássaro do Cutião passar, imagine vê-lo se apresentar.

Outra festa inesquecível era numa casa na Avenida Padre Júlio, entre a Leopoldo Machado e a Jovino Dinoá. Lá tinha pau de sebo e quebra-pote.

Até aqui falei no bairro da Favela. Mas o bairro do Trem também era pura alegria. Era de lá a quadrilha mais famosa da cidade. Organizada, ensaiada e marcada pelo “chefe Biroba”.
E ninguém marcava tão bem e com tanta animação quanto ele.

O convívio com Munhoz – Por Otávio Viana

Meu convívio com o professor Munhoz
Otávio Viana

Professor Munhoz, em meus momentos de devaneio, após a notícia da tua partida, relembro meu convívio contigo.
Desde quando me lembro eras amigo de meus pais e fostes meu professor, de meus irmãos, de alguns sobrinhos no Colégio Amapaense. Ao longo do tempo, continuastes a conviver com todos nós.
Durante muitos anos viajei pelo mundo, através de tuas narrativas e memórias fotográficas. Fui apresentado, por ti, a tantos escritores, cujas obras me fizeram melhor observar e avaliar a vida, a mim e a humanidade.
Durante décadas, aos domingos e festas tradicionais, na casa dos meus pais (enquanto vivos), como sempre dizias, teu lugar a mesa lá estava e “longas conversas” eram travadas e nas quais eu sempre aprendia.
Nos momentos de celebração de alguma data importante, para nós da família, obrigatoriamente, estavas presente.
Nesse momento, como se fosse um filme, volta a memória a cena de minha filha, a época, em seus dez anos e tu, em teus oitenta e quatro anos, conversando como se não houvesse qualquer conflito de geração. Esse dom, dado por Deus, iluminará, pela eternidade a tua alma. Permanecerás nas mentes e nos corações de toda a minha família.
Obrigado “Mumuca” (assim te chamava carinhosamente) pelas décadas, que me lembro, de convívio, de amizade e de ter sido, junto com o saudoso Professor Edésio, “Meu Grande Mestre” e, acima de tudo, um “Grande Amigo”.
QUE SEJAS MAIS UMA ESTRELA A ILUMINAR O FIRMAMENTO.