Memória – Sapiranga no Marabaixo

Marabaixo na Favela e a Festa dos Inocentes*
Milton Sapiranga Barbosa

Durante o ciclo  do Marabaixo, que no meu tempo de criança era realizado na casa da  dona Gertrudes, um  dia  era reservado para a garotada se divertir  denominado de  festa dos inocentes, realizada no segundo domingo de maio, Dia das Mães. Naquela  época, de muito respeito,  criança não se metia na dança  dos adultos, como hoje é tão comum. A meninada podia ficar piruando, mas bem sentadinha nos bancos que  circundavam  o salão da casa da Tia Gertrudes com tio Caba Branca, seu esposo.

A Festa dos Inocentes tinha  três  acontecimentos  ansiosamente esperados e festejados  pelos garotos e garotas do  bairro: o  primeiro, era quando os batuqueiros aceleravam  os toques nas caixas, sinal   para se jogar capoeira, sem técnica nenhuma, é claro, mas era tanta pernada e rabo de arraia, que era bonito de  se ver.  Quando um moleque ia ao chão, era vaiado  e o  que aplicara o golpe, era muito festejado, principalmente pelos pais. Os campeões  na virada  das caixas, até por  herança genética, eram: Venturoso ( filho do seu Vadoca  com dona Natalina)  e o Raimundo Calango Sêco ( filho do sr. Zeca Costa  com  Dona Mundica), é mole. O segundo e melhor  momento da festa era o almoço, servido  sempre que  o relógio marcava 12 horas. Ninguém ficava sem comer. Era tanta comida, que sobrava, e a dona Gertrudes  dava para as mães levarem para suas casas. A terceira parte, a mais engraçada,  ocorria durante uma representação teatral, feita por  um menino e uma menina escolhidos dias antes da festa do Marabaixo começar. Numa dessas apresentações, o Arideu, filho da dona Margarida fez uma encenação com a Isabel, filha caçula de dona Gertrudes; o Arideu, todo pomposo chegava  e dizia para Isabel, sua pretendida na peça: “ bela minhá menina, o que tu me achas?”  e a Isabel, para gargalhada geral dos presentes respondia: “Olha a cara dele, até parece uma bolacha”. Meu amigo e vizinho Arideu sofreu muito nas mãos dos moleques da Favela, mas daquele dia em diante, quando chegava outro ano e o Ciclo do Marabaixo iria começar, ele  passava longe da casa da Tia Gertrudes, temendo ser outra vez  escolhido como ator principal da peça.
O Marabaixo e  a Festa dos Inocentes são   boas  lembranças da minha infância feliz vivida no meu querido bairro da Favela.

*Texto publicado originalmente neste blog em 16 de abril de 2010

Há 56 anos

Em 18 de março de 1966, na véspera do dia do Padroeiro São José e dia em que completava 51 anos de idade, o bispo D. José Maritano chegava ao Amapá. Eu estudava no Santa Bartoloméa Capitânio, um colégio de freiras. As freiras nos levaram para tomar bênção dele e beijar seu anel.
D. José Maritano foi o primeiro bispo diocesano daqui.
Ficou no Amapá de março de 1966 a agosto de 1983.

(Foto: acervo de Edgar Rodrigues)

Memória – Avertino Ramos foi um dos mais completos atletas da região norte

Nascido em Macapá em 17 de agosto de 1930,  o desportista Avertino Loureiro Accioly Ramos foi considerado um dos mais completos atletas do Norte do Brasil. Destacou-se no futebol, volei, basquete, pedestrianismo e ciclismo.

Quando foi para Belém dar continuidade aos estudos (na época Macapá só oferecia o curso primário), Avertino ingressou como juvenil no Paissandu, clube pelo qual jogou  vôlei, basquete e futebol, inclusive foi campeão paraense de futebol juvenil pelo Paissandu.

Ao concluir os estudos e retornar para Macapá, passou a jogar pelo Esporte Clube Macapá. É um dos inesquecíveis ponta-esquerda do futebol amapaense.Vestindo a camisa azulina foi hexacapeão (1954, 1955, 1956, 1957, 1958 e 1959).
Foi também titular das seleções amapaenses de futebol, de vôlei e de basquete.

Em 1965, aos 35 anos, Avertino encerrou sua carreira de atleta, mas continuou ligado aos esportes como diretor do Esporte Clube Macapá e da Federação Amapaense de Vôlei.

Além de atleta, Avertino Ramos era funcionário público. Quem trabalhou com ele conta que foi um funcionário exemplar. Era lotado na Secretaria de Saúde.

Amigo dos meus pais, Avertino frequentou muito nossa casa. Dele tenho boas lembranças.

Avertino Loureiro Accioly Ramos faleceu aos 45 anos de idade, na manhã de 17 de outubro de 1975, vítima de um infarto fulminante no seu local de trabalho: o Pronto Socorro Oswaldo Cruz, hoje Hospital de Emergências.

O governo do Amapá homenageou-o dando seu nome ao principal ginásio de esportes de Macapá: “Ginásio de Esportes Avertino Ramos”.

Macapá das nostálgicas festas de aniversário na Confraria Tucuju

Macapá das nostálgicas festas de aniversário na Confraria Tucuju
Por Mariléia Maciel

Era um aniversário muito esperado, e invariavelmente chovia no dia 4 de fevereiro em Macapá, o que criava uma atmosfera inesquecível, poética e apropriada na capital do Amapá, que em tupi-guarani significa “lugar da chuva”. O cheiro de terra encharcada, folhas verdinhas, perfume doce das últimas mangas caídas na rua, nuvens acinzentando o céu e os pedidos para que São José trouxesse o sol pra festa ficar mais bonita. No centro velho de Macapá, a movimentação começava na madrugada, com a montagem do quilométrico bolo confeitado, feito por dezenas de padeiros e confeiteiros, os canhões e fogos preparados para a alvorada, e as ruas no entorno da Igreja Matriz fechadas e vigiadas, até os primeiros sinais do amanhecer do dia.

Assim começava a programação da Confraria Tucuju para festejar o aniversário de Macapá. Uma festa única, popular, para todos, sem diferença entre autoridades e povão, festa das crenças, da tradição, da história, do pioneirismo, da memória, do jovem, do idoso, da criançada, do famoso, do anônimo, do dono da concessionária, do ambulante, do padre, do pai de santo, do marabaixo, do brega, e tantos outras distinções que se uniam, diluindo o antagonismo em linhas paralelas no Largo dos Inocentes, ou Formigueiro, cenário protagonista dessa história iniciada há 264 anos.

Os boêmios que iniciavam as comemorações no dia anterior para ver o dia nascer eram os primeiros a chegar, com o rosto amanhecido, pele amarrotada pelos vincos das tantas gargalhadas e histórias contadas na madrugada, e já marcavam seu lugar na fila do bolo. Acordados pelos canhões e fogos da Fortaleza de São José, a cidade se arrumava para a missa na catedral antiga, chegavam com a roupa de domingo, cheiro de alfazema, alinhados, penteados, senhores e senhoras, o governador, o prefeito, as damas, as marabaixeiras, a professora, o jornalista, a dona de casa, o agricultor, o juiz, e sentavam entre cumprimentos e acenos, quem tinha alguma mágoa ou inimizade, já esquecia, porque naquele dia estava selada a paz, e nada mais importava que não ser celebrar o aniversário de Macapá.

Na hora dos parabéns, após a missa, as roupas ainda estavam alinhadas, colarinho engomado, saia esticada, maquiagem e cabelo intactos, algumas sombrinhas para proteger do sol ou da chuva, e a fila já se enrolava pela praça Veiga Cabral pelo Cruzeiro, com pessoas de panela e vasilhas plástica nas mãos, se preparando para o grande momento. A organização inicial dava lugar ao momento que todos sabiam que aconteceria, que era a confusão por causa do bolo, e no final, as roupas engomadas acabavam manchadas de confeito, e o glacê que desenhavam os pontos turísticos de Macapá se desmanchavam nas vasilhas, bocas e camisas, por baixo de críticas, gargalhadas e ironias, e a cena de cinema grotesco ganhava pinceladas de humor pastelão, marcando mais um aniversário de Macapá.

A cena da distribuição do bolo era rapidamente substituída por saias, tambores, flores e chapéu na cabeça, hora do Encontro das Bandeiras dos marabaixos da Favela e Laguinho, quando geralmente a chuva já havia encerrado sua participação especial, e marcava o reencontro das famílias negras que nos anos 40 saíram do centro da cidade para povoar os que hoje são estes bairros tradicionais. No dia 4 de fevereiro era o encontro destas famílias, muitas ligadas por laços de sangue, resgatando da memória as rodas de marabaixo que Mestre Pavão gostava de contar, próximo da Igreja Matriz, quando ainda se jogava a “carioca’, e a molecada fazia a festa junto com os mais antigos, e comiam as “rosquilhas” como lanche especial.

Enquanto as rodas de marabaixo aconteciam, outra roda se formava na Biblioteca Elcy Lacerda, desta vez, para a parte cívica da festa, com os hinos tocados pelas bandas de música, e as autoridades ganhavam um tempinho para dar seu recado, com certa urgência, porque atrás da igreja as famílias de pioneiros já se organizavam embaixo das barracas, formando um grande aglomerado de história, vivência, amizades iniciadas gerações atrás, piadas, muitos risos, fotos, memória, em um só espaço, um eco de felicidade repercutia nos grupos animados, alguns já com cerveja nas mãos, outros com caldo de cana para amenizar a ressaca da noite anterior, as equipes de jornalismo a postos para a cobertura e entrevistas.

Pessoal da música, da igreja, aposentados, artistas, políticos, bêbados, senhorinhas, punks, roqueiros, bregueiros, universitários, a artesã que vende camisa, a que faz um vatapá delicioso, o senhorzinho do caldo, o imigrante, o turista, o hippie, o desabrigado, o poeta declamando sua homenagem à Macapá, o fotógrafo fazendo os registros da festa, o guarda municipal que batuca o pé no ritmo da festa, o sambista, a passista, todos imponentes, já se organizando para pegar um bom lugar, de preferência ao lado de um ambulante, para esperar os shows que exaltavam a música regional, sem distinção de estilo, porque era o dia de festejar Macapá.

Almoço dos Pioneiros começava exatamente ao meio-dia, preparado com muito cuidado pela Confraria Tucuju, sem gordura, sem fritura, sem exageros, servido com muito carinho para eles, que formavam a memória viva da nossa cidade. Mas também tinha a vez do povão, que formava as filas para degustar a feijoada preparada pelo Malafaia, que passava a madrugada na beira do fogo temperando a comida que era disputada por todos, que queriam comer antes que os shows começassem, e a frente do palco enchesse de dança e rodopios, de passos estranhos e também cadenciados, sem a obrigação da perfeição, o objetivo era um só: festejar Macapá.

O dia passava, os grupos acabavam e se formavam novamente, pessoas chegava, pessoas iam, a sarjeta ia enchendo de gente sentada, dando beijos nos cachorros de rua, cantando mais que os cantores, um coro enorme de emoções, os bancos do Largo disputados na sorte, ninguém mais sabia quem estava pagando tanta cerveja, depois se descobria que estava saindo do próprio bolso, o menino do bombom já tinha vendido o da semana inteira, o tabuleiro de tapioquinha estava vazio, o chopeiro com a cuba leve e o bolso cheio, água quente, vendedor de balão granado, pés pisados, roupas suadas, novas canções criadas, versos inspirados, passos atrapalhados, voz gaguejante. E os que ainda resistiam desde a manhã, a esta hora estavam com a roupa encardida, com cheiro de chuva secada pelo sol, os cabelos grudados, e disparando as últimas piadas entre soluços e suspiros.

Poucos sabiam, mas quando a noite caia, um grupo saia para levar os últimos pedaços de bolo para quem não pôde ir na festa da cidade, o enfermeiro que estava nos hospitais, o vigilante, o vendedor do ponto fixo na Beira Rio, o policial militar, o gari, todos recebiam sua fatia, e enquanto isso, um batalhão se formava no Largo dos Inocentes, para desmontar o palco, limpar o chão, tirar os confetes presos nas árvores, os banheiros químicos, sob os protestos dos últimos ébrios, com o rosto corado, e o eco dos riso, músicas e conversas ainda presente no ar. Sem dúvida, Macapá teve já suas melhores festa, as mais animadas, com participação de todos, que hoje não passam de lembranças de um tempo que ficou emoldurado, como aquele quadro antigo na parede, que quando a gente olha, os olhos ficam molhados, e a gente se pergunta: porque tudo isso acabou?

Feliz aniversário Macapá!!!

Mariléia Maciel

80 anos de Luzair Costa – Emoção e saudade na linda crônica do juiz Heraldo Costa

80 anos de Luzair Costa
Heraldo Costa – juiz de Direito

Hoje, dia 11 de janeiro de 2022, se viva fosse, minha mãe faria 80 anos. Seria um dia de muitas emoções e alegrias.
Os manos estariam correndo para concluir suas atividades para, de noite, cantarmos parabéns para nossa rainha.
Não que durante o dia os filhos já não tivessem passado pela casa dela no café da manhã, almoço e café da tarde, alguns adiantando os abraços, beijos e presentes, ante a impossibilidade de alguns não poderem comparecer à noite.
O evento era simples, como de fato era a aniversariante. Não precisava de comidas e presentes caros para vê-la radiante num dos seus vestidos guardados especialmente para aquela ocasião.
Lembro de uma vez que fomos a um restaurante. Ela ficou muito feliz mas notei uma ponta de preocupação. Perguntei se não havia gostado e ela disse que tudo estava lindo, mas estava preocupada em dar uma despesa tão grande para tanta comida.
Mas na verdade, minha mãe, você nunca deu despesa, pois durante toda sua vida você só deu amor, cuidado e atenção.
Sua vida foi repleta de preocupações com os outros, que toda a nossa preocupação com você, não chegou nem perto da sua.
Mas a festa sempre era bonita pra ela. A casa ficava cheia. Familiares e amigos, conhecidos e desconhecidos. Gente simples e importante, sempre dava o ar da graça em seus aniversários.
E depois de tantos elogios, sabíamos que a fala da aniversariante seria de poucas palavras, mas regadas de muitas lágrimas de gratidão. Sempre após agradecer a Deus e a todos, falava que não merecia tudo aquilo que estavam fazendo.
Merecia sim, minha mãe. Se uma pessoa nesta terra mereceu todos os afagos, elogios e homenagens, essa pessoa foi você.
Há uma expressão bíblica no capítulo onze do livro bíblico de Hebreus que diz que as obras boas de Abel, mesmo depois de morto, ainda falam.
As suas obras, minha querida mãe, mesmo depois da sua morte continuam falando por você, pois, quanto mais nos distanciamos no tempo da partida da pessoa amada, podemos esquecer de sua fisionomia e de sua voz, mas nunca esquecemos do seu caráter.
Siga em paz minha mãe, no seu caminho espiritual.
Feliz aniversário e obrigado pelo tempo que nos deu o privilégio de palmilhar com você neste plano terrestre.

Hoje – 132 anos do nascimento do Mestre Julião

“Aonde tu vai rapaz
nesse caminho sozinho?
Vou fazer minha morada
lá nos campos do Laguinho”

Há exatos 132 (em 1890) anos nascia em Macapá Julião Tomaz Ramos, o Mestre Julião, uma das figuras mais expressivas do Marabaixo, exímio tocador de caixa e cantador e líder da comunidade negra.
Foi com Mestre Julião que o primeiro governador do Amapá, Janary Nunes, iniciou os diálogos para a retirada dos negros da Praça Barão para que ali fossem construídas as casas para os funcionários do governo, ocupantes do primeiro escalão.
Com o apoio de Julião, que era o líder da comunidade, Janary convenceu os negros a deixarem o lugar, oferecendo a eles casas no bairro do Laguinho, na época chamado de campos do laguinho.
(Os que não aceitaram a proposta, mudaram-se para a Favela (hoje bairro Central e Santa Rita) sob a liderança de Gertrudes Saturnino.)

Julião foi servidor público. Era ele o zelador do campo de aviação – o primeiro aeroporto de Macapá, que ficava na Av. FAB.

Foi casado com Januária Simplício Ramos, com quem teve seis filhos: Felícia Amália Ramos, Alípio de Assunção Ramos, Apolinário Libório Ramos, Benedita Guilhermina Ramos e Joaquim Miguel Ramos.

Mestre Julião morreu em Macapá em junho de 1958.