Ele

Ele
Alcinéa Cavalcante

Ele veio sem pressa
Caminhando entre estrelas
parando aqui e acolá
para orvalhar uma ou outra roseira.

Quando chegou
tinha os cabelos molhados de luar
e no bolso esquerdo
um raio de sol
que depositou nas minhas mãos
com tanta ternura
como quem deposita um beijo.

Por isso
acordei
com este brilho no olhar.

Poema do Retorno

Poema do Retorno
Alcinéa Cavalcante

Voltaste
driblando nuvens e pássaros
e trazendo nas mãos
estrelas azuis que me encantam.

Durante a tua ausência
tentei plantar a paz,
clamei pelo direito de ser livre
e colhi dores e desenganos
que abriram feridas profundas
e machucaram o meu verso,
inaugurando revoltas e frustrações.

Voltaste
trazendo no olhar marrom
esperanças que arranham
as minhas desesperanças.

Mais uma vez,
talvez inutilmente,
uniremos nossos gritos
pedindo liberdade para viver
amar
cantar
e sorrir.

Serão protestos aos crimes
cometidos contra a liberdade
os nossos gritos
(ainda que não encontrem eco).

Mas, se te faz bem,
posso dizer
que não é proibido
sonhar que todos os caminhos se abrirão
e a liberdade será uma realidade palpável.

Prazer, sou Maria

Prazer, sou Maria
Alcinéa Cavalcante

Dá licença, seu moço,
que eu agora vou me apresentar:
Sou Maria,
mulher guerreira,
não puxo briga
mas não corro de bicho-papão
nem tenho medo de coroné metido em fardão.

Sou Maria,
mulher simples e humilde
mas tenho alguns tesouros.
Não sou dona do mar
mas conheço os segredos da floresta
e marimbondo de fogo não vai me ferrar.

Sou Maria,
mulher poeta e jornalista.
De noite escrevo versos,
de dia escrevo notícia.
Minha caneta é liberdade
a consciência o meu guia.
Sou doce, mas valente,
nem tente me calar
pois não tenho medo da sua gente.

Me ajoelho só pra Deus.
Santo e poeta eu olho com o coração
e político da tua laia
eu olho de cima pro chão.

Pra quem é do bem
eu digo: “Vem comigo, amor”
Pra quem é do mal
eu só sei dizer “Xô”.

Encerro minha apresentação
te fazendo um pedido:
Fica lá no teu quadrado
deixa em paz o povo tucuju
ou eu viro Maria mal-educada
e te mando…

Paisagem Antiga

Paisagem Antiga
Alcinéa Cavalcante

Quero de volta
a paisagem antiga da minha rua
com suas casinhas brancas
cobertas de palha
gamela no jirau
fogão de barro na cozinha
e passarinhos no quintal.

Quero de volta aquela paisagem antiga
com a casa avarandada do Mané Pedro
e a casa sem pátio da Maria Banha.
Os meninos de pés descalços
jogando bola na rua sem asfalto
e as meninas de sapatinho branco
brincando de roda.

Quero de volta
a paisagem antiga da minha rua
com minha casa de venezianas cor-de-rosa,
minha mãe no alpendre
bordando flores nos lençóis
e minha avó rezando o terço.

Quero de volta
a paisagem antiga da minha rua
para sonhar de novo
os sonhos que sonhei na infância
quando parecia que o mundo
era feito só de alegrias e amor
e todos sabiam viver como irmãos.

Vem comigo!

Vem comigo
Alcinéa Cavalcante

Vem comigo!
Vamos sair por aí plantando alegrias.
Traz um pincel, eu levo a tinta
e pintaremos de verde- esperança
todas as venezianas daquela ruazinha
por onde tantas vezes
passeamos de corações dados.

Vem comigo!
Vamos plantar dálias, rosas e poesias na velha praça
onde dividíamos o algodão doce no arraial do padroeiro.
Naquele tempo a infância era tão doce
que a gente até tinha medo de pecar.
(lembras?).

Vem comigo!
Vamos plantar papoulas vermelhas e amarelas
nos canteiros da ladeira
para enfeitar a cidade e alegrar os passantes.

Depois
– cansados e felizes –
tomaremos um sorvete.
Eu te darei um beijo sabor tucumã.
Tu retribuirás com um beijo sabor açai.

E o anjo que nos acompanha
ficará cheinho de ciúme
e disfarçando dará de asas
(tu sabes, poeta, que os anjos nunca dão de ombros),
mas Deus sorrirá
e acenderá estrelas na nossa estrada.
Por isso eu insisto: vem comigo vem!