O que o vento não levou

O que o vento não levou
Mario Quintana

No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento…

Batendo palmas sob o travesseiro – Luiz Jorge Ferreira

Batendo palmas sob o travesseiro
Luiz Jorge Ferreira
…Apesar da distância entre nós
…as estrelas que se refletem nos cacos de espelhos …
Nos acenam com os olhos vermelhos, devem ter chorado mais que nós.
…devem ter lido nossas cartas, ouvido nossas falas, desenhado nossos sonhos, e sumido nossas vidas entre os dias de Ontem.
O menino que corre apagando suas próprias pegadas com desenhos de crianças…
Para mim que tenho lembranças vagas dessa estrada…parece ser o mesmo que brincava com o tempo quando Caetano cantou …
Parece ser o mesmo que eu desejei ser quando dentro o útero em que mamãe por nove meses me acolheu…nú…mudo…
ausente de tudo…mas ébrio de amor.
Semanas e meses cem vezes…
dancei abraçado ao angelical cordão umbilical.
Um dia avesso a partidas resolvi sair a esmo levando vida afora
…desesperadamente… vestigios do que fui…pensamentos e pelos e fios castanhos de cabelos,e que hoje tudo tanto se embranqueceu…
Descobri o chorar, e haja lágrimas…
Vou carregar essa água toda com as mãos em sede…e vou molhar as margens secas, dessa súplica que esgaça a solidão, que moribunda espalha boas novas como quem fala das auroras que viveu, ate que viesse a noite, essa que aprisionei e carrego comigo…enquanto sobre as lembranças que colecionei dentro da xicara em que tomo o café todas as manhãs…chove…chove.
Chove em mim…de fora…
Chove de mim… para fora de mim.
Tanta água, que se assemelha a sede.

Os reis magos – Olavo Bilac

Os reis magos

Olavo Bilac

Diz a Sagrada Escritura
Que, quando Jesus nasceu,
No céu, fulgurante e pura,
Uma estrela apareceu.
Estrela nova … Brilhava
Mais do que as outras; porém
Caminhava, caminhava
Para os lados de Belém.
Avistando-a, os três Reis Magos
Disseram: “Nasceu Jesus!”
Olharam-na com afagos,
Seguiram a sua luz.
E foram andando, andando,
Dia e noite a caminhar;
Viam a estrela brilhando,
sempre o caminho a indicar.
Ora, dos três caminhantes,
Dois eram brancos: o sol
Não lhes tisnara os semblantes
Tão claros como o arrebol
Era o terceiro somente
Escuro de fazer dó …
Os outros iam na frente;
Ele ia afastado e só.
Nascera assim negro, e tinha
A cor da noite na tez :
Por isso tão triste vinha …
Era o mais feio dos três !
Andaram. E, um belo dia,
Da jornada o fim chegou;
E, sobre uma estrebaria,
A estrela errante parou.
E os Magos viram que, ao fundo
Do presépio, vendo-os vir,
O Salvador deste mundo
Estava, lindo, a sorrir
Ajoelharam-se, rezaram
Humildes, postos no chão;
E ao Deus-Menino beijaram
A alva e pequenina mão.
E Jesus os contemplava
A todos com o mesmo amor,
Porque, olhando-os, não olhava
A diferença da cor …

Dezembro – José Inácio Vieira de Melo 

Dezembro
José Inácio Vieira de Melo 

Dezembro chega
tocando sanfona,
trazendo esperança
para esta criança
abandonada.

Dezembro chega
e a vida é um arco
que me arremessa,
flecha de fogo,
rumo às aguas.
Dezembro chega
e eu sou um peixe
nadando nas brasas
até criar asas
e ser faísca de pássaro.
Dezembro chega
e eu, louco de amor,
louvo o Menino Deus,
e ele passa unguento
nas minhas chagas.
Dezembro chega
e eu pego a estrada,
vou ao meu país,
vou ver meus pais,
terra sagrada dos Kariris.
Dezembro chega
tocando sanfona,
é Luiz Gonzaga
louvando Jesus
em todas as plagas.

Hoje teve poesia na Justiça Federal

Hoje a manhã foi repleta de lirismo e poesia na Justiça Federal no Amapá.
O Movimento Poesia na Boca da Noite estendeu lá o Pano da Poesia e encantou estudantes, autoridades e servidores com belíssimas declamações de autoria de poetas amapaenses.

Poeta Arilson, bibliotecária Gilvana, poetas Raquel Braga, Adélia Figueiredo, Ricardo Pontes e Wilson

Foi um momento mágico.Além das declamações, teve varal de poesias, sorteio de livros de autores amapaenses e distribuição de chocolates com trechos de poemas.O Movimento Poesia na Boca da Noite agradece o convite feito pela Justiça Federal, a forma como foi tratado e como tudo foi muito bem organizado e se coloca à disposição sempre que a Justiça Federal quiser e puder repetir estes momentos.

Esboço – Luiz Jorge Ferreira

Esboço
Luiz Jorge Ferreira

Era um tempo mágico em que se acreditava em sonhos.
O amanhã nasce
Na verdade eu o retiro do bolso sob as luzes do candeeiro amarelado
Que desenha com suas sombras encharcadas de fuligem
Quadriláteros sucessivos como faces risonhas
Ou ensaios de estranhos choros calados.

Tudo nos conduz a um tempo de pisadas fortes no corredor
O tempo acorda o menino que a vida não acordou
Sob a réstia de luz que se projeta preguiçosamente entre anos deixados para trás, o pai olha absorto que seus projetos expostos se descubram sonolentos.
Enquanto a vida lá fora rebelde como um bravio potro, galopa pelas esquinas, sem se ater aos Semáforos, pois voar não é sua sina, mas preferia que fosse…

Um poema de Luiz Jorge Ferreira

Reflexo
Luiz Jorge Ferreira

Vamos passar no Ontem
Vista sua calça Jeans, a mais desbotada, aquela com que você se sentou várias vezes na calçada, para falarmos de um amanhã, que hoje, Ontem já é.

Noutro dia uma chuva fininha ensopou meus olhos, enquanto uma saudade sua tomou minhas mãos e levou-me ao quintal onde sob o voo desajeitado dos Zangões que atabalhoadamente circularam o Sol.

Minh ‘alma sentada jogava cartas com o espelho.
Os grafites no muro da Igreja sem sons de sino.
Testemunhas são que eu procuro caminhos entre as minhas digitais.
Que enfileiro manhãs e lhes jogo o Sol das lágrimas que sequei chorando por mim.
Sob os passos tortos e ímpares.
No chão os passos que eram sombras, agora são
rumos cicatrizados…
Poderiam me levar ao passado.
Poderiam me fazer dançar Tangos e Fados, inúteis vezes, diversas vezes, em vários recomeços, inumeráveis vezes, ilusionamente só.

Dois poemas de Ferreira Gullar

Tela – Aluízio Botelho da Cunha

TELA
Aluízio Botelho da Cunha

O pincel fixou sombras escuras
nas sobrancelhas da moça
e deu um tom de tardes prematuras
nos olhos claros
da clara judia.
(Também já esbocei olhos e sóis,
subjugando curvas
sobre rosto oblíquo)

Dei traços de luz
em cabelos cor de noite,
e auroras nasceram
do sol ardendo,
houvesse, embora,
eclipse solar.
Se eu modelar, um dia,
novas dimensões da tua presença,
atrairá teu corpo
a lei da gravidade dos sentidos.

(Extraído da antologia Modernos Poetas do Amapa – Macapá-AP, 1960)